Neste blog utilizo textos e imagens retiradas de diversos sites na web. Se os seus autores tiverem alguma objecção, por favor contactem-me, e retirarei o(s) texto(s) e a(s) imagem(ns) em questão.
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30 março 2012

O caso Cardozo

Crónicas de João Malheiro, in Destak, 

Há jogadores assim. São sim, muito sim, quase sempre sim. Ainda assim, o povo da bola diz não, diz assim-assim, diz poucas vezes sim. São jogadores controversos, jogadores discutidos. São jogadores que não jogam lindo, que arreliam, que falham golos, até falham penáltis. Cardozo, paraguaio, o ponta-de-lança do Benfica, é um desses jogadores. A plateia, não poucas vezes, verbera-o, reprova-o, assobia-o. A especificidade da posição tem dessas coisas.
Cardozo, para os benfiquistas, também para os opositores, é sinónimo de golo, de golos. Se marca, há grande Cardozo; se não marca, há jogador menor. Mercar ou não marcar é a lide competitiva de Cardozo. Tantas vezes mal-amado, tantas vezes injustiçado, tantas vezes desprezado. Mas tantas vezes desequilibrante, tantas vezes decisivo, tantas vezes ímpar. A questão é mesmo essa. É que Cardozo marca. Marca que se farta. Também falha? E quem não falha? Cardozo é um goleador congénito.
Até Jesus, técnico encarnado, há tempos, disse que “há jogadores que não servem para entrar; Cardozo é um jogador que não entra muito bem; há jogadores com determinadas características que não lhes permitem ter rentabilidade em pouco tempo”. Jesus disse, disse mesmo. Jesus, até Jesus, se equivocou. O recente embate com o FC Porto desmentiu a tese. Cardozo, tal como noutros jogos, entrou e… marcou.
Numa história centenária, Cardozo já é, ao cabo de cinco temporadas incompletas, o 13º maior goleador do Benfica e o melhor estrangeiro. Apontou 126 golos. Quem tem melhor registo? Atente-se na listagem: Eusébio (473), José Águas (379), Nené (359), Torres (226), Arsénio (220), Rogério Pipi (205), Julinho (202), José Augusto (175), Nuno Gomes (165), Valadas (158), Espírito Santo (147) e Coluna (127). Revelador, inquestionavelmente revelador. E jogadores com muitos mais desafios disputados, muitas mais épocas ao serviço do clube, também jogadores que actuaram em tempos de futebol, no essencial, com menor rigor defensivo. Cardozo é um magnífico finalizador. Não joga bonito? Mas tem eficiência bonita. E é na forma eficaz (e bonita) que dá golos, dá triunfos, dá troféus ao seu Benfica.

09 fevereiro 2012

Artur Jorge na Luz


Crónicas de João Malheiro, in Destak,

Diz-se que acontece em todas as áreas da vida. A alegria e a tristeza, o amor e o ódio, tantos sentimentos opostos, tantas sensações antagónicas. Caminham de mão dada? Caminham, no mínimo, lado a lado. Em todas as áreas da vida, no futebol também. Muito no futebol, espaço quase singular de arrebates, de sobressaltos, de alvoroços.

No futebol, queira-se ou não, a justiça é o reflexo dos golos, dos triunfos, dos títulos. No futebol, queira-se ou não, sem golos, sem triunfos, sem títulos não há justiça. Há frustração, há desânimo, há animosidade. Mas também há momentos surpreendentes.

Recentemente, por ocasião do lançamento da minha nova biografia de Eusébio e do seu 70º aniversário, convidei Artur Jorge a comparecer na cerimónia. Entrei com ele na Luz, na nova Luz, espaço que jamais havia visitado. Grande jogador do Benfica, na dobragem das décadas de 60 e 70, Artur Jorge chegou a fazer as delícias dos adeptos vermelhos, tão manifesta era a sua apetência goleadora. Mais tarde, já como técnico, notabilizou-se no FC Porto, arrebatando mesmo um título europeu, circunstância que lhe conferiu dimensão mundial e muito contribuiu (foi uma espécie de precursor de José Mourinho) para aumentar a cotação dos técnicos portugueses no contexto internacional.

De regresso ao Benfica, Artur Jorge não foi feliz. A conjuntura era, desde logo, particularmente adversa. Foi altercado com veemência, foi mesmo diabolizado. O estigma, tantas vezes repetido, de ter aniquilado uma equipa campeã ainda hoje o persegue. Artur Jorge e Benfica passaram, na versão futebolística, a viver um divórcio com foros de litígio irreparável.

Há dias, entrei com ele na Luz. Dezenas de sócios e aficionados benfiquistas foram colhidos de surpresa. Como reagiram? Com elegância, com cordialidade, com respeito. Ou mais uma lição que a bola soube dar num momento em que o país vive uma fase de brutal desumanidade e crispação atroz.

01 dezembro 2011

A virtude da retaguarda


Crónicas de João Malheiro, in Destak


Foi no magistério portista de Artur Jorge que o conceito ganhou solidez. Uma equipa constrói-se de trás para a frente e jamais ao contrário. Quanto vale um grande ponta-de-lança? Muito, muito mesmo. Quanto valem extremos desequilibrantes? Muito, muito mesmo. Quanto valem médios volantes? Muito, muito mesmo. Quanto vale uma eficaz estrutura defensiva e um grande guarda-redes? Muito, tantas vezes muito mais do que tudo o resto.

As retaguardas não ganham jogos? Às vezes até ganham, mas, sobretudo, impedem derrotas ou empates embaraçosos. A serenidade, a confiança, a competência de uma equipa descobre-se logo pelo compartimento mais recuado, descobre-se logo pelo responsável pela defesa das redes. Durante anos, o meu pai falou-me no João Azevedo, magnífico guardião do Sporting. Também do Frederico Barrigana, com quem ainda tive o privilégio de manter uma sólida e bonita amizade. Do Carlos Gomes, com quem também me relacionei, fala-me amiúde o Eusébio, reputando-o acima de todos os outros.

E que dizer do Bento ou do Damas, mais recentemente? E, depois, do Vítor Baía? E o que seria do Benfica e do Sporting, em circunstâncias competitivas melindrosas, sem Michel Preud’Homme e Peter Schmeichel, dois dos melhores intérpretes de sempre no talento de proteger as malhas? A traseira de um colectivo é, tantas vezes, a sua dianteira emocional.

Este fim-de-semana, jogou-se um estimulante clássico na Luz. O Benfica está bem? Muito, muito bem. É mesmo a única equipa europeia, às portas do Natal, sem uma derrota sequer. O Sporting está bem? Muito, muito bem. É mesmo o caso quase singular de uma equipa em construção já… construída. O Benfica ganhou o despique? E se em vez de Artur tivesse Roberto entre os postes?

27 outubro 2011

Da Alice ao Pinóquio


Cavaco Silva nunca disse que reparava no sorriso das vacas, antes disse que reparava nas lágrimas do povo. Passos Coelho nunca disse que iria aumentar os impostos, antes que não queria ver os portugueses tratados à bruta. Sócrates nunca disse o que disse, agora farta-se de dizer porque razão tudo fez para Portugal seguir na frente do pelotão europeu. Portugal deixou de ser uma Alice no País das Maravilhas, passou a ser um Pinóquio no País das Angústias.

Os governantes, quando falam, mentem. Os governantes, quando não falam, mentem. Os governantes, quando falam e não falam, mentem duplamente. E, se não mentem, é como se mentissem. Omitem, fazendo da omissão outra mentira. A questão está mesmo nos governantes, nas mentiras, nas ilusões dos governantes, nos faits-divers. Os governantes governam mal, governam com estrago, governam com dano. Os governantes, pior do que isso, até nem governam, deixam-se governar. Pelo FMI e entidades quejandas.

Os governantes são, masoquistamente, governados. Portugal deixou de ser uma Alice no País das Maravilhas, passou a ser um Pinóquio no País das Angústias. O povo está em sobressalto. O povo desespera, exaspera. O Estado reprime, o povo deprime. “A gente só leva da vida a vida que a gente leva”. E o que leva a gente? E o que leva a vida da gente? A gente leva a vida que a vida da gente não devia levar.

Jorge Jesus, esta semana, chutou uma com determinação. “Se os nossos políticos fossem treinadores estavam pouco tempo a governar”. Demagogia ou sabedoria? Certo é que houve muita Alice na boca e nenhum Pinóquio na coisa.

22 outubro 2011

Dissemelhanças



Há dias, poucos dias, num jantar, um jovem até muito cordial deixou escapar uma inconfidência. Revelou que havia chegado a vereador da sua terra e que projectava, daqui a duas legislaturas, ocupar um lugar de deputado. Há dias, ainda poucos dias, noutro jantar, um jovem não menos cordial também deixou escapar uma inconfidência. Revelou que havia chegado ao Paços de Ferreira e que projectava, daqui a dois anos, ocupar um lugar no plantel do Benfica, do FC Porto ou do Sporting.

A coisa tem tudo de semelhante. Tem, mas não tem. Cordialidade à parte e sinceridade ao pé, protagonizadas pelos dois meus interlocutores, bem que se pode falar de coisas distintas. Dessa coisa do carreirismo e da coisa da carreira. Se o carreirismo é reprovável, a carreira é louvável. Ambas expressões de ambição pessoal, o carreirismo é feio, a carreira até pode e deve ser bonita.

Neste Outubro em que o tempo atmosférico é generoso e o tempo social é cruel, vale a pena tentar perceber o que alicia, nos últimos anos, o grosso da classe política. O apego à causa pública, ao interesse público? Definitivamente, não é. Antes, o apego à causa pessoal e às causas de padrinhos e compadres de circunstância, quer conhecidos quer anónimos.

Antes era honroso fazer política, hoje é horroroso fazer política. Claro que há excepções, sobretudo no limite da coisa, na extremidade da coisa, na antítese da coisa. A coisa é o bloco central dos interesses. Por isso é que o líder máximo da JSD pede, folcloricamente, responsabilidades criminais para Sócrates. Por isso é que o líder máximo da JS pede, folcloricamente, responsabilidades criminais para Alberto João Jardim.

«A história repete-se, a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa», sustentava Karl Marx. Pior é que a farsa já vai no enésimo acto. E outra coisa: fazer carreira na bola não é inequivocamente mais digno do que fazer carreira na política?

13 outubro 2011

Na bola da mulher

As bancadas do futebol não são hoje as mesmas de há anos. A crescente presença feminina dá mais graça ao espectáculo em redor dos relvados. Casos há em que o show não se confina exclusivamente aos embates. Casos há de outras emoções, comoções. Casos daqueles que fazem aumentar a atenção, a tensão e a tesão. Casos que não são acasos. Acaso é inocente a cada vez maior afluência de mulheres aos recintos desportivos? O fenómeno é também um caso de emancipação, ultrapassado aquele quadro deprimente, de há anos, quando as senhoras permaneciam nos carros, por norma a fazer croché, enquanto os homens acorriam aos estádios livres de companhias tidas por incómodas.
O caso mudou. Trata-se de um novo caso. Um caso sério na casa da bola. Um caso de amor pelo amor à bola. Um caso de invasão a um território que parecia exclusivamente macho. E a recentemente descoberta do amor feminino pela bola? E a pujança da nova realidade? E a sua crescente evidência? “Um homem tem sempre medo de uma mulher que o ame muito”, escreveu Bertolt Brecht. E a bola? Como se sente a bola (muito) amada pela mulher? A bola está agora mais bonita. A bola está agora mais responsabilizada.
A bola está agora mais exigente. A mulher dá beleza à bola, dá responsabilidade, dá exigência. O homem ainda tem mais bola do que a mulher? Só que a mulher tem melhor bola do que o homem. Entende mais? Não entende, por ora, mas entende, já nesta hora, que a bola é tão outra bola quanto mais escorrer no feminino. Quer sorria quer chore. Mas sempre outra bola, muito mais e melhor bola.

10 outubro 2011

Castelo Perverso


Falasse-se tanto de Camilo Castelo Branco quanto de José Castelo Branco e o país era mais culto. Falasse-se tanto da cidade de Castelo Branco quanto de José Castelo Branco e a capital albicastrense deixava conhecer todos os seus méritos, se calhar enfileirava nas urbes nacionais com maior desenvolvimento. Falasse-se do Benfica de Castelo Branco quanto de José Castelo Branco e o clube adquiria outro mediatismo e talvez entrasse no trilho do futebol maior cá do burgo.

Portugal fala de José Castelo Branco mais do que de Isaltino de Morais, mais do que das finanças da Madeira de Jardim, mais do que da austeridade castigadora que nos oprime. Portugal distrai-se com José Castelo Branco, essa espécie de pausa fútil e pateta, porque a depressão que a quase todos atinge precisa de assuntos menores, daqueles que provocam risadas momentâneas e comentários pacóvios.

José Castelo Branco e a rábula das orgias sexuais constituem expressões acabrunhantes de um Portugal acabrunhado. Expressões amargas de um Portugal amargo. Expressões tristes de um Portugal triste.

José Castelo Branco e a rábula das orgias sexuais até fizeram esquecer que Portugal, nessa coisa da bola, ascendeu ao quinto lugar no ranking da FIFA e ao oitavo posto das melhores Ligas nacionais. José Castelo Branco tem tanta culpa quanta culpa tem o futebol. Culpa tem o país acabrunhado, amargo, triste. Culpa têm os responsáveis pela invenção de uma criatura excêntrica que entretém o povo e o menos povo. E, no Portugal menos Portugal, custa reconhecer que temos futebol mais futebol?

02 outubro 2011

(In)certeza


A semana foi cruel, mais cruel do que outras. O Júlio Resende apagou-se, o José Niza também. “E Depois do Adeus?”. No caso do Zé, fica a recordação pessoal de momentos inolvidáveis. Mais ainda aquele, nos anos do Paulo de Carvalho, em que a pedido dele li um texto, texto bonito, outro texto bonito da sua lavra, que o médico era mesmo um terapeuta das letras, das palavras, sempre tão bonitas, sempre tão carregadas de afeição, de profundez.

E depois do adeus? Fica a recordação bonita do Zé Niza, pendurado no enésimo cigarro. Era bonito? Era assim mesmo, era como ele era. Era como eu o via sempre, era como eu não queria deixar de o ver. Até porque há gente mais bonita que outra gente, gente que diz mais que outra gente, gente que faz mais falta que outra gente. E só um FC Porto-Benfica mitigou a minha angústia no rescaldo quente da notícia gelada.

A igualdade no Dragão foi escrita com chutos bonitos? Também foi. Mas foi, sobretudo, escrita com as letras da justiça. Neste momento, o Zé Niza só poderia, se quisesse, repartir prosas bonitas por duas equipas que se equivalem no poderio, na qualidade, na acção. O Júlio Resende, se quisesse, pintaria dois quadros de valor semelhante, de porte idêntico, de carga parecida.

FC Porto e Benfica escrevem e pintam, na actualidade, de forma muito aproximada. Quem escreve melhor? Quem pinta melhor? Têm muito Niza, têm muito Resende. Nenhum tem mais Niza que o outro, nenhum tem menos Resende que o outro. Têm tanto de Niza, têm tanto de Resende, que não dá para arriscar quem escreve mais, quem pinta mais. A semana foi cruel, intelectualmente bruta, criativamente madrasta.

Também desta vez, tal como de outras, o futebol fez de lenitivo, foi consolo, foi refrigério. E deixou a mais bonita e teimosa das interrogações. Quem vai vencer esta temporada? O FC Porto ou o Benfica? Com palavras do Niza, com pinturas do Resende, com outras coisas lindas, outras que nem tanto, outras que nada mesmo, quem ousa, nesta altura, arriscar?

08 setembro 2011

À Barcelona


OBarcelona bateu (bem) o Real Madrid, bateu (bem) o FC Porto. Vai bater (mais bem ainda) outros opositores, quase todos os opositores. O Barcelona bate com a legitimidade de ser a melhor equipa mundial da actualidade. Bate sempre, quase sempre, porque bate melhor, mais eficiente, mais bonito.

O Barcelona bate com Messi, só pode bater com classe. Bate com um colectivo harmonioso, só pode bater com categoria. No Barcelona actual, pé para pé, a bola parece sorrir, também parece inteligente. A bola deixa-se bater e parece que gosta, que gosta muito. Há ali futebol, mas há ali mais do que isso. A orquestra não desafina, a bola afina.

Há dias, dizia-me Eusébio que o Barcelona é melhor pela elementar razão de que é mais equipa. Construiu rotinas lindas e processos eficazes. Tem mais sabedoria e mais razão. Não é uma formação invencível, mas vence mais porque tem horror ao medíocre e aversão ao mediano. Não raras vezes, um minuto de Barcelona vale todos os minutos do jogo. Sublinha a diferença, acentua a superioridade.

Este Barcelona é a melhor equipa de todos os tempos? Eusébio diz que não, elege o Ajax do começo da década de 70. Tenho de tomar o partido do Eusébio, jamais lhe questionaria um parecer sobre futebol. A diferença é que este Barcelona me apanhou na idade adulta, enquanto aquele Ajax esteve sob o meu olhar imberbe. Qual é, então, a melhor equipa de todos os tempos? Fico-me com o Eusébio, mas dou graças, muitas graças, ao meu olhar maduro.

19 julho 2011

Coração e Coentrão


Por que será que, abrindo as janelas, aqui, em Vila do Conde, sinto um cheiro especial? É mar… é mais do que amar, também amar. É aquele mergulho gratificante na adolescência. Que tonifica, que exercita, que açula. Vila do Conde, na prosa sentida de Ruy Belo “é o lugar onde se esconde o coração”. E para quem faz da bola referência, da bola motivação, é também o lugar onde não se esconde o Coentrão.

Uns dias na terra de Régio, espraiados “entre pinhais, rio e mar”, cruzaram-me com o futebolista português mais marcante da actualidade. De origem piscatória, guerreira, muito humilde, quase indigente, Fábio Coentrão exibiu-se nas Caxinas com sorriso galático na rota milionária do mítico Real Madrid. Os conterrâneos, testemunhei-o, aplaudiram com afectação incontida, tomando o traje da glória de um dos seus.

Vila do Conde tem mais uma razão para elevar a auto-estima. A coisa vem de longe, mesmo antes da nacionalidade. Intensificou-se na época dos Descobrimentos, muitos foram os vila-condenses empenhados na gesta famosa. E que dizer dos vultos da escrita que se fixaram nesta paragem, porventura seduzidos pelos seus encantos?

No curto trajecto da Adega do Testas ao restaurante Ramon, que a gastronomia também faz de Vila do Conde património de sabores, dá para passar pela casa de Eça de Queiroz. “Se não houver vinho, bebo branco”, chegou a sentenciar. Um pouco mais abaixo, fixou-se Guerra Junqueiro, esse mesmo que também escreveu sobre “o artista a quem sobrava o génio e faltava o pão”. Ao lado, na Praça Velha, Camilo Castelo Branco deve ter revivido os amores trágicos de Simão, Teresa e Mariana, enquanto Antero de Quental, na vizinhança, já escrevia “assim, qual é a esperança que não mente”.

A esperança, vaticinou Antero, mente. Mente descaradamente. Mente mais ainda na actualidade. Mente tanto que não há mente que se não sinta demente. Mas em Vila do Conde, mas por Vila do Conde, a esperança não mente. Não faz da gente temente, faz da gente crente.

10 maio 2011

Que vermelho?


O FC Porto repete, o Benfica remete, o Braga promete. O FC Porto regressa a uma final europeia, após um trajecto absolutamente notável. O Benfica frustra expectativas, depois de um mês com atribulações múltiplas. O Sporting de Braga agita louvores no seguimento de três eliminatórias formidáveis.

O FC Porto é confirmação, o Benfica é desilusão, o Braga é sensação. O FC Porto tem protagonizado a melhor temporada do seu historial. O Benfica tem claudicado nos momentos decisivos. O Braga tem revelado sabedoria nos despachos capitais.

O FC Porto passeia, o Benfica arreia, o Braga devaneia. O FC Porto quase só sabe ganhar, o Benfica quase não sabe ganhar, o Braga ganha quando tem que ganhar. O FC Porto tem tido um ano conforme, o Benfica tem tido um ano disforme, o Braga tem tido um ano enorme.

O FC Porto encanta, o Benfica desencanta, o Braga canta. O FC Porto encanta na excelência das suas últimas exibições. O Benfica desencanta na oscilação das suas últimas prestações. O Braga canta na melopeia das suas últimas realizações.

O FC Porto já venceu e tem mais para vencer. O Benfica já perdeu e não tem mais para perder. O Braga pode vir a perder, só que já venceu. O ano, doméstico e europeu, com excepção da Taça da Liga, ganha de forma competente e justa pelo Benfica, termina colorido de azul e de vermelho… de Braga.

27 abril 2011

Bola Orgulhosa


O FMI já está aí. E os nossos responsáveis políticos? Estão aí? Estão, mas não parece. Os governantes parece, isso sim, que não governaram, é pelo menos o que sugere a sua verborreia demagoga. Quem tem culpa do gigantesco apagão que afecta Portugal, da depressão que atinge quase todas as almas lusitanas? Parece que ninguém.

Enquanto isso, da classe política sucedem-se os maus exemplos. Fernando Nobre, sem ponta de nobreza, acaba de aderir à partidocracia que tanto objectou há escassos dias. Fez o mesmo que Lourdes Pintasilgo, em meados dos anos 80, que depois de ter protagonizado uma candidatura independente no Inverno, logo aceitou candidatar-se por um partido na Primavera.

Diz-se mal do futebol? Benfica, Braga e FC Porto estão nas meias-finais da Liga Europa. Só mesmo na bola é que Portugal consegue uma maioria absoluta. E já se deram conta que são três treinadores nacionais os responsáveis por tão marcante desiderato? Jorge Jesus, Domingos Paciência e André Villas-Boas ganharam, com todo o mérito, notoriedade internacional. Ainda há quem diga que a Liga Europa não passa de uma prova menor? É preciso descaramento.

Mas o que é que se passa na Liga dos Campeões? José Mourinho lidera uma equipa técnica portuguesa no Real Madrid e dispõe das melhores soluções de Cristiano Ronaldo, Pepe e Ricardo Carvalho. No Manchester United agiganta-se Nani, segundo Rio Ferdinand “jogador do ano”. E ainda há o promissor Bebé. Chega?... Só mesmo a bola nos engrandece na Europa. O FMI está aí? O futebol daqui, orgulhosamente, não precisa do FMI.

01 abril 2011

Com Jesus


Ainda há quem recorde o começo da temporada do Benfica? As saídas do genial Di María e do versátil Ramires, vendidos por razões mais que imperativas? Nessa altura, ainda com o não menos magnífico David Luiz, dispararam acusações de múltiplos quadrantes, acerca do quadro de jogadores do campeão nacional, mais ainda dos seus novos recrutas.

Gaitán? Jara ? Salvio? Jorge Jesus foi questionado, foi mesmo amesquinhado. Também Luís Filipe Vieira, também Rui Costa. Que jogadores eram aqueles que o Benfica havia contratado? Alguns meses volvidos é de unanimidades que se fala. De futebolistas de grande valia, ademais jovens com enorme margem de progressão.

Vale a pena, até porque a nacionalidade é a mesma, recordar o primeiro ano de um tal Hector Yazalde no Sporting, iniciava-se a década de setenta. A temporada inaugural do avançado argentino foi mediana, muitas vozes se levantaram interrogando a justeza da opção leonina. E no ano seguinte? Yazalde explodiu, fez história, ainda hoje faz história.E o próprio Di María? No primeiro ano de águia ao peito persuadiu os adeptos? Não houve quem colocasse dúvidas acerca do seu potencial? Mais tarde desequilibrante, titular da selecção argentina, do Real Madrid de Mourinho, trata-se insuspeitamente de um dos melhores executantes mundiais.

Gaitán? Jara? Salvio? Apresentem-se as devidas desculpas a Jorge Jesus, esse mesmo treinador que transformou um extremo de nome Fábio Coentrão num dos melhores laterais-esquerdos da bola internacional.

22 março 2011

Rasca?



A geração à rasca manifestou-se. Esmagadoramente, que o país anda mesmo à rasca. Tão à rasca que a multidão deixou os governantes enrascados, incapazes de perceberem que quem está à rasca são, mais do que todos, eles próprios. À rasca ficaram as formações políticas, que viram as massas, desenrascadamente, tomar a dianteira.

À rasca ficam, doravante, aqueles que subestimam a força contestatária do povo, da juventude, dos sovados pelo desemprego, pela precariedade, por salários ou reformas obscenas. À rasca só não ficaram os que quiseram dizer que estavam à rasca. Vão continuar a desenrascar manifestações que deixarão enrascados os responsáveis por políticas socialmente injustas e rascas.

Numa semana à rasca, acabou por ser o futebol a desenrascar-se. Benfica, FC Porto e Sp. Braga puseram de rastos a Europa da bola. Três equipas desenrascadas seguiram em frente.

Conhecido o sorteio dos quartos-de-final, os adversários já estão à rasca. Sabem que se joga bola desenrascada em Portugal, sabem que há três conjuntos desenrascados, capazes de provocar uma grande enrascada nas contas de quem governa o futebol no Velho Continente.

Uma final portuguesa não é cenário despiciendo. Era ou não era de deixar à rasca aqueles que olham de través para o pontapé nacional? E muita sorte têm os políticos para quem a rasca da bola até os pode desenrascar de maior contestação. É um dos sortilégios do futebol. Distrai a gente, a que está à rasca e a que não está ou diz que não está à rasca.

28 janeiro 2011

Sortilégio


Das Caxinas, região piscatória de Vila do Conde, as notícias são sempre muitas. Trágicas, mais vezes, sublinhando desastres fatídicos daqueles que vivem a desafiar o oceano. Mas a maior co-munidade nacional de pescadores também aparece maiusculizada nos jornais por causa de futebol.
André e Paulinho Santos notabilizaram-se pelo FC Porto e pela Selecção Nacional. Hélder Postiga continua a integrar o lote restrito dos melhores avançados portugueses. Mas o grande fenómeno é Fábio Coentrão, lateral-esquerdo do Benfica.

O que se passou com a nova coqueluche da Luz? Disparou de rendimento, num curto espaço de tempo, transformando-se numa das unidades de maior importância no clube e na Selecção. Hoje, de múltiplas paragens, acenam-lhe com propostas tentadoras e não há quem nele não veja já um dos melhores jogadores mundiais na sua posição.

Rejeitado, há anos, pelo FC Porto, Coentrão também experimentou alguns dissabores no início da cruzada Benfica. Mas no domínio de uma nova posição táctica, explodiu. Fenómeno? Mesmo. Quem ousaria aventar, há pouco mais de um ano, a sua trajectória ascensional e arrebatadora?

«Sou o melhor lateral--esquerdo do Mundo.» Sobranceria? Jactância? Nem coisa que se pareça. «Se não sou eu a acreditar em mim, quem será?» Coentrão quer ser, pelo menos, o melhor na determinação, na coragem, na crença. Ou como um auto-elogio pode transformar-se em elixir.

11 janeiro 2011

Mais simpatia e respeito


Quantos somos? Dez milhões. Dez milhões apenas. Em que área mais nos notabilizamos? No futebol. Alguém duvida? No jogo das multidões, na modalidade desportiva mais apreciada em todo o Planeta, mais mediática, mais sedutora.

No espaço de meio século, Portugal garantiu três dos melhores jogadores do Mundo, eleitos por especialistas. Foram Eusébio, Luís Figo e Cristiano Ronaldo. Já este século, consabidamente, o português José Mourinho é o melhor treinador da actualidade. Há dias, o também português Jorge Mendes foi considerado o melhor agente internacional de jogadores.

Ainda temos o mais jovem campeão europeu da história, António Simões, o genial antigo extremo do Benfica. Ainda temos o avançado com melhor média oficial de golos a nível mundial, o fenomenal Fernando Peyroteo do Sporting. Mais um Benfica campeão da Europa, mais um FC Porto campeão da Europa e da Taça Intercontinental, mais um Sporting vencedor da antiga Taça das Taças. Mais títulos mundiais e europeus no futebol juvenil.

Quantos somos? Dez milhões. Dez milhões apenas. E deu para tudo isto? E dá para tudo isto? Muitos continuam a apoucar o nosso futebol. Temos uma Selecção com presença quase cativa nas últimas fases finais dos maiores certames, até com alguns resultados de ponta. Quantos somos? Dez milhões. Dez milhões apenas. Os nossos clubes têm transferido jogadores por verbas alucinantes, têm sido viveiros de atletas que se incluem nos melhores executantes das mais valorizadas competições em diferentes paragens.

Quantos somos? Dez milhões. Dez milhões apenas. Talvez não haja milhões de razões, mas haverá seguramente muitas, mesmo muitas razões, para que se conceda ao futebol português um aceno de simpatia. De simpatia e de respeito.

21 dezembro 2010

Obrigado, Eusébio


Já alguém terá feito esse exercício mental? O que seria o futebol sem Eusébio? Chegou a Lisboa há 50 anos e, com ele, tudo mudou. O Benfica? O Benfica e Portugal. Mesmo a bola planetária passou a referenciar uma das suas maiores divindades.

De Eusébio está tudo dito, mas tudo tem de ser sempre dito. Eusébio foi uma espécie de milagre neste país triste e envergonhado da década de sessenta. Transformou o Benfica num clube mítico. Em tempo de ditadura, colocou Portugal no mapa afectivo. Foi tudo por nós, sendo apenas ele. Sempre disse que antes de saber que me chamava Malheiro, já sabia dizer Eusébio, já sabia quem era Eusébio, já sabia que o meu ídolo era Eusébio. Só não sabia que, alguns anos volvidos, Eusébio estava no leque restrito dos meus melhores amigos, só não sabia que Eusébio haveria de ter a sua biografia assinada por mim, só não sabia que Eusébio seria padrinho de um dos meus casamentos, só não sabia que com Eusébio viria a servir o nosso Benfica.

Um dia, ainda no começo da década de 90, num jantar que organizei na Costa de Caparica, estava a nossa forte e arreigada amizade numa fase embrionária, Eusébio pediu-me um autógrafo. Fiquei apopléctico. A mim? Que troca absurda de factores era essa? Percebi então, emocionadamente, que só a humildade faz os grandes. Por isso é que Eusébio é tão grande. Por isso também percebi que só humildemente poderia continuar a ser credor da sua bênção amiga. Até porque, a seu lado, a minha pequenez me engrandece.

13 dezembro 2010

(In)gratidão


Há dias, num café, uma criança, para aí com 11 anos, dirigiu-se-me, queria saber uma coisa sobre o Benfica. Esclareci de pronto e fiquei à espera de lhe matar outras curiosidades da bola. Espanto meu, a menina perguntou-me qual era o sentimento que mais abominava. Creio que utilizou a expressão «que menos gostas». Não hesitei, fui lesto na resposta. É a ingratidão, disse-lhe de forma categórica.

A minha interlocutora não objectou, pareceu-me ter ficado satisfeita. Ainda assim, insisti no propósito de lhe explicar o fundamento da minha opção. É que sentimentos há tantos, mesmo para o universo infantil. De que exemplo me socorri? A criança era benfiquista, falei-lhe de Jorge Jesus.

«Sabes quem é o treinador do Benfica?» Claro que sabia. «Sabes que foi campeão no ano passado?» Claro que sabia. «Sabes que, esta época, como as coisas não estão a correr bem, há quem queira mandar embora o Jesus?» Claro que sabia. «Sabes o que se chama a isso?» Claro que tive de explicar. «Chama-se ingratidão.» Ela entendeu.

Falei-lhe num treinador português com um trajecto feito a pulso, com recentes passagens de grande qualidade no Belenenses e no Braga. Falei-lhe num treinador português que, chegado ao Benfica, prometeu conquistar o título nacional e foi bem-sucedido logo na primeira experiência. Falei-lhe de um treinador português que tem muito para ganhar no clube que representa.

«Eu gosto do Benfica e gosto muito do Jesus», foi o que ela me disse. Disse-me gratidão. Num jeito garoto, numa forma crescida e até comovente.

07 dezembro 2010

(Des)ordem


Até poderia ter olhado de viés para o recorte, não me fosse entregue pelo amigo António Simões. Esse mesmo, o mais jovem campeão europeu da história. Deu-me a ler a lista dos 100 desportistas para os 100 anos da República. Iniciativa? Da Confederação do Desporto de Portugal. Pretexto? A realização de uma gala, no caso a 15ª da conhecida instituição.

A iniciativa até que foi louvável, nada mesmo a obstar. Já o critério da escolha é surpreendente. Quem assume a responsabilidade? Claro que há nomes incontroversos, verdadeiras unanimidades nacionais. Que dizer de Eusébio, Joaquim Agostinho, Livramento, Carlos Lopes, Rosa Mota, outros mais que integram a casta dos nossos melhores desportistas de sempre?

E no futebol? Especificamente no futebol? Para além de Eusébio, também Peyroteo, Travassos, Coluna, Matateu, Fernando Gomes, Luís Figo, Vítor Baía, Rui Costa, Cristiano Ronaldo. Treinadores contemplados foram José Maria Pedroto, Artur Jorge e José Mourinho. Todos merecem a distinção? Claro que sim, jogadores e treinadores. Os mencionados foram ou são responsáveis por momentos inolvidáveis.

A questão tem a ver com os ausentes. Nem todos poderiam ser escolhidos? Ainda assim, percebeu-se, de forma demasiado flagrante, o propósito de equilibrar o… bem. Por onde? Pelas três grandes aldeias da bola lusa, Benfica, FC Porto e Sporting. O critério obedeceu, em primeira instância, a motivações de ordem clubista. Por essa razão, não foi justo. Pior, é reprovável.

Não sei se subscreveriam a indignação, mas apetece falar de Pinga, José Águas, Germano, José Augusto, Simões, Damas, Bento, Humberto Coelho, Chalana, Paulo Futre, Fernando Couto, João Vieira Pinto. Mais? Mais ainda, que a injustiça foi demasiado flagrante…

16 novembro 2010

Mourinho e Benfica


Percebe-se o que são dez anos (quase) sempre a ouvir a mesma pergunta? «Porque é que o Zé Mourinho saiu do Benfica?» Canta o meu amigo Paulo de Carvalho que «dez anos é muito tempo».Dez anos é o tempo bastante para contar a história. Só essa? Outras mais. Porque é que o Zé Mourinho, um ano depois, não voltou ao Benfica… Só mais essa? Outras mais. Por isso é que, hoje mesmo, lanço o Eu, Mourinho e Benfica.

Há sempre uma altura na vida em que se decide. Melhor? Pior? Que impor-ta? O momento é esse, é este. Mourinho é, para quase todos, o melhor treinador do Mundo. Foi despedido do Benfica? Foi. Há uma década, não era o Mourinho da actualidade, conquanto já era um grande Mourinho.

E as interrogações, muito por isso, permanecem.A gente da bola merece ou não conhecer todos os contornos do processo? Eu não fui só testemunha, fui também protagonista. A história passa a ser (mais) pública. Com críticas a Mourinho? Também com a autocrítica de Mourinho. Fica-lhe bem? Assenta-lhe na perfeição.

Com serenidade da minha parte? Assenta-me, passe a imodéstia, na perfeição. Nem poderia ser de outra forma. Mourinho justifica o reconhecimento de todos, teve um trajecto sensacional. Dos benfiquistas? Porque não?

Foi na Luz que começou a treinar, que começou a proclamar que era grande, muito grande…Este Eu, Mourinho e Benfica é um documento para os anais da bola. Sobranceria? E porque não história? Talvez até com “H”. Muito na convicção de que o povo do futebol vale um testemunho assim. Por Mourinho? Também (e muito) por Mourinho.