Por Leonor Pinhão in A Bola de 18 Fev 2010
COMEÇARAM no último fim-de-semana os Jogos Olímpicos de Inverno, na cidade de Vancouver, na costa leste do Canadá.
E perguntarão vocês, caros leitores portugueses, a que propósito é que, nesta altura do campeonato, nos vêm falar dos Jogos Olímpicos de Inverno? O que é que nos pode interessar o esqui alpino, o bobsleigh ou a patinagem em velocidade? O que é que nós, pessoal mais dado à bola, temos a ver com isso?
Por mais surpreendente que possa parecer, a resposta é que sim, que temos muito a ver com isso, como não poderão, certamente, deixar de concordar.
Conhecem, porventura, aquela máxima da Teoria Matemática do Caos: «sempre que uma borboleta bate as asas em Pequim pode vir a provocar um tufão na Califórnia.» Se não conhecem, passam a conhecer. Trata-se de um conceito aplicável às ciências exactas e pretende demonstrar que um acontecimento inócuo, como o bater de asas de uma borboleta, ocorrido numa parte do mundo pode influenciar o curso natural das coisas e provocar um importante acontecimento meteorológico do outro lado do mundo.
Foi justamente o que aconteceu com Carlos Carvalhal e com os tão longínquos Jogos Olímpicos de Inverno, em Vancouver, no Canadá.
Na noite de terça-feira da semana passada, assim que terminou o Sporting-Benfica a contar para a Taça da Liga, o treinador do Sporting deslocou-se à sala de imprensa e, durante quatro minutos, perante o pasmo geral, expôs a sua teoria comparativa entre o momento do futebol do Sporting e o clima do Canadá, socorrendo-se de imagens técnicas ilustrativas como «as experiências com balões meteorológicos», «homens com espingardas aos tiros nos balões» e agricultores desesperados com «grandes tempestades» não anunciadas.
A este bater de asas em Lisboa, um pequeno fenómeno para quem teve oportunidade de acompanhar, respondeu, do outro lado do mundo, o citado Canadá, mais propriamente a cidade de Vancouver que, de repente, se viu a braços com uma imprevista crise meteorológica que quase pôs em perigo a realização dos Jogos Olímpicos.
De acordo com a Teoria do Caos, bastou que Carlos Carvalhal, a tantos e tantos milhares de quilómetros, abordasse ligeiramente o tema do inóspito clima canadense para que as estações meteorológicas locais registassem, pela primeira vez em um século, uma média de temperaturas positivas no mês de Fevereiro em Vancouver, obrigando a organização dos Jogos a injectar água nas pistas de gelo, que estavam estaladiças, e a mandar vir das terras altas, a duzentos quilómetros de distância, camiões e camiões com a neve que faltava para que os esquiadores tivessem com que olimpicamente se ocupar.
É esta a prova que quando uma borboleta bate as asas em Pequim pode acontecer um imprevisto climático nos antípodas. Felizmente que as minudências falantes do futebol português não têm grande impacto no mundo sofisticado do desporto, porque, de outra maneira, teríamos agora o Comité Olímpico Internacional e as autoridades canadianas a mover uma aturada perseguição a Carlos Carvalhal, em particular, e ao nosso país, em geral, acusando-o a ele e a nós de termos posto em causa a realização dos Jogos.
No entanto, para a Teoria Matemática do Caos se afirmar na sua plenitude não são precisos milhares e milhares de quilómetros entre a causa e o efeito, não é preciso, de modo nenhum, ir até ao outro lado do mundo para registar as consequência. Na verdade, bastam no mínimo 4 quilómetros, a distância de Alvalade à Luz e, no máximo, 300 e poucos quilómetros, a distância da Luz ao Dragão, para se observar fenómenos idênticos ou, pelo menos, parecidos.
Vejam só como os nossos amigos do Sporting e do FC Porto têm andado, nos últimos tempos, tão agarrados à borboleta, a ver se, do mal o menos, a coisa resulta.
Da estação meteorológica de Alvalade, por exemplo, repetem-se as juras de amor ao Sporting de Braga como legítimo campeão do campeonato sem túneis. O movimento começou em surdina pelos adeptos do clube mas agora o próprio presidente, José Eduardo Bettencourt, já veio clamar publicamente que «gostava que o Braga fosse campeão». É um bater de asas legítimo, sem dúvida, mas profundamente melancólico.
Da estação meteorológica do tetracampeão, o furor tem sido mais intenso, ainda que o FC Porto esteja mais distante do Sporting de Braga do que do Benfica.
Na noite de sábado passado, depois de ter empatado sem golos com o Leixões, em Matosinhos, num jogo que antes considerou ser «determinante» para as «ambições» do emblema que defende, Jesualdo Ferreira, que tem como próximo adversário o Sporting de Braga, entendeu que o melhor que tinha a fazer era juntar portistas e bracarenses no grande saco das vítimas da arbitragem nacional na corrente época.
E, para provar o que lhe é mais conveniente, juntou às suas queixas contra a arbitragem do Leixões-FC Porto as queixas do Sporting de Braga contra o mesmo árbitro, na jornada anterior. «Recordo que este foi o mesmo árbitro que, na semana passada, marcou uma grande penalidade contra o Sporting de Braga e que lhes expulsou um jogador, Moisés, no jogo com o Beleneneses», disse o professor, para quem a possibilidade de ficar a 11 pontos do Sporting de Braga já no próximo domingo não passa de um bater de asas de uma borboleta desde que o Benfica não seja, no final da época, campeão, isto é, desde que não haja tufão em Maio.
Naturalmente, o Sporting de Braga está a gerir em seu favor este apoio moral dos adversários directos e históricos do Benfica. Aliás não há nada de ilegal ou de pecaminoso nos apoios morais. Quanto aos apoios imorais, já é outra história.
E, nesse capítulo, é, jornada a jornada, a própria história que tem vindo a absolver o Benfica das culpas ressabiadas que lhe deitam esta época, em que tem jogado um bocado melhor do que nas anteriores, de manobrar nos bastidores obscuros dos túneis e das arbitragens a troco de favores em fruta, galões claros e escuros e outros populares e imortais géneros de mercearia distribuídos, a granel, por stewards cujo fanatismo os leva à auto-mutilação e por árbitros e observadores que construíram todas as suas longas carreiras a fazer fretes ao Benfica, como tem vindo a ser provado nos tribunais.
O próprio presidente do Sporting de Braga que, pelos vistos, é apenas o segundo ou o terceiro cidadão português mais interessado em que o seu clube seja campeão, também se tem esmerado em porfiar na Teoria do Caos. E, através de comunicados sucessivos, tem vindo a cumprir com o respectivo bater de asas da borboleta, a ver no que dá. No seu último apelo electrónico aos portistas, aos sportinguistas e aos bracarenses, António Salvador insurgiu-se contra «os bastidores» que pretendem afastar o Sporting de Braga do título «com manobras fora das quatro linhas».
Foi em cheio. Uma borboleta bateu as asas no site oficial do clube da Cidade dos Arcebispos e 48 horas depois o Braga ganhava um jogo, ao Marítimo, com uma bola cruzada fora das quatro linhas. São coisas que acontecem, pois com certeza. O papa e os arcebispos ficaram todos calados. E os sacristãos deram a bênção ao lance.
A bem do futebol português, agarram-se à borboleta.
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