Por Artur Agostinho in Record
Estou a ficar cada vez mais preocupado com a instabilidade emocional que tem vindo a tomar conta do país, atingindo tudo e todos. Futebol incluído, como não podia deixar de ser.
Estamos perante um fenómeno que, não sendo exclusivamente português, ganhou, entre nós, uma dimensão tal que começa a ser frequente a sua presença em discursos, mensagens ou simples comentários de destacados políticos do nosso país. Temos vindo, assim, a ser alertados não só para a inevitabilidade de novos e mais duros sacrifícios, a curtíssimo prazo, mas também para um eventual cenário de agitação social, inquietante e explosiva.
Para uma geração que nasceu em liberdade, com a esperança de uma vida mais justa, mais solidária e sem os "fantasmas" que tanto atormentaram aquela que a antecedeu, as perspetivas não são nada risonhas - muito pelo contrário. Percebe-se a amargura dos mais velhos, como se compreende a desilusão e a descrença dos mais jovens a quem, afinal, foi prometida uma mão-cheia de... nada. É natural que as pessoas se interroguem, não só sobre se terá valido a pena mas, sobretudo, se alguma vez haverá condições e motivação para travar uma luta em cujo horizonte se vislumbre a esperança de alcançar algo mais do que as ilusórias e efémeras vitórias partidárias, conquistadas nos debates de S. Bento ou em campanhas eleitorais, mais folclóricas e despesistas do que importantes e esclarecedoras.
No tempo da Ditadura, o futebol era o grande "escape" para o descontentamento recalcado dos portugueses a quem não era concedido o direito de expressar o que pensavam. Os jogos de futebol "funcionavam", por isso, como uma espécie de exceção à odiosa regra que proibia a liberdade de qualquer de nós "desabafar", dizendo o que pensava e sentia. Daí, que aqueles a quem não eram permitidas críticas ao regime (mesmo que feitas em voz baixa) se "vingassem" no decorrer do jogo. O árbitro simbolizava o "principal intérprete" da Ditadura, enquanto jornalistas, comentadores, relatores, treinadores e dirigentes completavam o restante elenco do "sistema" político em vigor. O adepto chamava-lhes tudo o que lhe vinha à cabeça e - se as circunstâncias o proporcionassem, até se atrevia a aplicar umas boas "palmadas" no primeiro "inimigo" que lhe aparecesse pela frente. Uma vez despejado o saco das discordâncias, amarguras e frustrações, o adepto sentia-se mais "aliviado", pelo menos até... ao próximo jogo.
Os portugueses andam há 36 anos a aprender Democracia e a treinar o exercício da liberdade de expressão mas os resultados não têm sido brilhantes. Sendo verdade que esse sagrado direito não deve ficar restrito a um ou outro "território" privilegiado, é estranho que continue a ser difícil dizer e escrever o que se pensa. Daí, que não haja outra hipótese que não seja continuar a recorrer ao futebol como "escape" da liberdade de expressão. Pelo menos, por enquanto e com os resultados que estão à vista sempre que não haja quem, generosamente, consiga "escondê-los" em qualquer túnel perto de si.
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