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17 novembro 2009

Entrevista a Saviola em A Bola


Saviola: «Além de ganhar, divertimo-nos em campo»

Não basta ganhar, é preciso dar espectáculo. Esta é uma das máximas do argentino que tanto gosta de marcar um golo como fazer um túnel, uma tabela com o inseparável Aimar... desde que o deixem, pois em Portugal «destrói-se muito o futebol». Assume-se «matreiro» na área e elogia Jorge Jesus: «Não perde um único detalhe.»

Entrevista de Fernando Urbano in A Bola


— No seu primeiro dia no Benfica disse que queria voltar a sentir-se goleador. Já tem dez golos em todas as competições. Satisfeito?
— Não. Sou ambicioso e perfeccionista, quero sempre marcar mais. Tenho muito mais para dar, jogar a um nível muito mais alto.

— O melhor golo até agora?
— Contra o Belenenses. Dificilmente corri tanto para fazer um golo, pois jogo sempre mais perto da área.

— Como é que consegue adormecer os seus adversários que o marcam ao segundo poste?
— Duas razões: primeiro, não posso estar perto de Luisão, David Luiz ou Javi García; tenho então de encontrar outra forma de chegar à bola. Raramente nunca me chega limpa. É uma questão de matreirice, de picardias, mais do que o posicionamento. Estou sempre dependente do que pode acontecer dentro da área.

«Enorme prazer de jogar com Aimar»

— Considera que Aimar voltou ao seu melhor momento de forma?
— Ambos ainda podemos chegar a um nível mais elevado. Às vezes rimo-nos porque sabemos que já não temos 17 e 19 anos, como nos nossos tempos no River Plate. Agora custa-nos mais aguentar todos aqueles jogos de seguida, mas ainda podemos dar mais, chegar um degrauzinho mais acima. Ele é imprevisível, encanta vê-lo pisar um relvado, nunca se sabe o que ele pode fazer. Para mim e para todos, é um prazer ver jogar Aimar.

— Ele é imprevisível mas você adivinha muitas das suas jogadas. Começa a ser imagem de marca as vossas tabelinhas...
— Mas isso é quando nos deixam jogar! A Liga portuguesa é difícil, muito física, os jogadores tratam sempre de destruir o futebol, no bom sentido da palavra: muito defensivo, correr, não deixar jogar. Mas quando podemos, desfrutamos. Isso é o mais importante. Quando se juntam jogadores que sabem jogar futebol chega o momento em que além de ganhar te divertes em campo. Adoro fazer túneis, tabelas, marcar um golo numa jogada ao primeiro toque. Quando podemos, divertimo-nos.

— Compara a qualidade de futebol do Benfica com alguma equipa que já tenha representado?
— Nenhuma equipa é comparável, porque todas têm lacunas e virtudes. A equipa que neste momento tem menos defeitos é o Barcelona. Quando eu estava no Barcelona jogava ao lado de Kluivert e Rivaldo. São diferentes de Cardozo e Aimar.

— Mas este é o tipo de futebol que mais gosta?
— No Benfica jogamos o futebol que mais me beneficia. No Barcelona, por exemplo, joguei muito tempo sozinho na frente, com quatro defesas atrás de mim. Mas este futebol convém-me mais, pois tenho referências como Cardozo, Aimar, Di María... em qualquer momento eles podem decidir um jogo. Esta é uma equipa muito bem formada e se tudo correr bem chegaremos lá acima.

«Jesus lembra-me o melhor de Bielsa»

— A qualidade de jogo deve-se mais aos jogadores ou a Jorge Jesus?
— As duas coisas. Um treinador é importante mas se não tiver o apoio dos jogadores a missão torna-se muito difícil. Mas Jesus é um apaixonado pelo futebol, o que nos beneficia muito. Ele está sempre em cima de tudo o que envolve o jogo, os jogadores, não deixa escapar o mínimo detalhe. Para uma equipa é muito motivador saber que se tem esse apoio por parte do treinador. Ele e nós andamos sempre de mão dada. Ele com a motivação que nos dá e os princípios que nos ensina; nós com o nível de compromisso máximo com o que nos é pedido.

— Jesus está ao nível dos melhores treinadores que já teve na sua carreira?
— Já tive de tudo [risos]: é um treinador que me faz lembrar os melhores momentos de Marcelo Bielsa na Argentina: era um técnico que motivava muito os jogadores, estava atento a todos os pormenores tácticos e técnicos, queria os jogadores sempre a 100 por cento. Depois tive outros treinadores que queriam outras coisas... gosto muito da forma como Jesus trabalha, pois tenta fazer tudo para que a equipa seja sempre ofensiva, olhe sempre para a baliza adversária, que em nenhum momento relaxe. Não é bom quando temos um técnico muito defensivo, que empurra a equipa para trás, não demonstra valentia em campo. Com Jorge Jesus mostramos essa valentia, ele fez-nos ter uma identidade ofensiva.

«Javi Garcia está em grande nível»

— Tem também uma grande relação com Javi Garcia. O que sentiu quando ele marcou o golo da vitória frente à Naval?
— Primeiro, alívio. Estávamos num momento difícil, sem encontrar a chave da vitória. Às vezes temos este tipo de jogos em que a única forma de decidir um jogo é através de um livre, um canto ou uma recarga mais estranha. Fiquei muito feliz por Javi García.

— Está a ser uma grande surpresa. Acha que um dia o Real Madrid poderá arrepender-se de ter vendido o seu passe?
— Quem sai de um grande clube não volta.

— Mas ele voltou: saiu para o Osasuna e foi novamente adquirido...
— Sim, mas isso não vai acontecer duas vezes! Sempre que falamos ele diz-me que está muito feliz no Benfica, sente-se querido, sente-se um grande jogador. Ele encontrou tudo isso aqui. Oxalá que mantenha este nível durante vários anos.

«Sinto-me muito útil à equipa»

— Você é o quinto jogador mais utilizado em todas as competições. As pernas já começam a pesar?
— Não. É bom ter uma continuidade. Estar num clube grande implica jogar duas a três vezes por semana. Isso é difícil mas não me sinto cansado. Aguento bem e quando estiver cansado toda a gente irá perceber.

— Disse há dois meses que ainda não tinha atingido o seu tecto no Benfica. E agora?
— Ainda posso melhorar. Já ganhei uma continuidade, sinto-me muito útil à equipa, mas ainda posso dar mais.

— A equipa vai estar preparada fisicamente para o ciclo que aí vem (sete jogos em 28 dias)?
— Só poderemos fazer essa análise depois desse ciclo. No jogo com a Naval, por exemplo, fizemos um esforço terrível: foi ir, ir, chocar, chocar... se esse jogo tivesse sido depois de três semanas difíceis não sei se teríamos forças para o vencer na parte final. Mas estamos bem fisicamente, a equipa tem vontade de ganhar, temos muitos jogadores jovens com vontade de crescer enquanto futebolistas, casos de Fábio Coentrão, David Luiz, Di María, que podem ainda dar muito mais.

«Ser campeão será algo grandioso»

— Desde 2006 que você não ganha um título. É uma sensação difícil para quem se habituou a jogar em grandes clubes?
— É lindo ganhar. Mas há que ter paciência. Ninguém nos vai dar nada, sabemos das dificuldades que vamos ter pela frente, quer na Liga Europa, Liga e Taça de Portugal: é tão difícil vencer a Naval como o FC Porto ou o Sporting. Hoje em dia as equipas estão muito equilibradas, há que lutar sempre. Se queremos ser campeões teremos de sofrer muito.

— Estes meses já serviram para entender a importância de o Benfica ser campeão?
— À medida que o tempo passa noto essa vontade nos adeptos. Cada vez vou imaginando mais a conquista desse objectivo. Ainda falta muito campeonato, mas tenho a perfeita noção de que ser campeão pelo Benfica será algo grandioso.

— Qual foi o episódio que já o marcou no encontro com adeptos na rua?
— Não foi um episódio particular, antes uma coisa mais global: tem-me surpreendido o carinho e a paixão que os benfiquistas têm pelo seu clube. É algo muito específico.

— O que lhe falta para se sentir plenamente realizado enquanto jogador de futebol?
— Hoje em dia é ser campeão. Seria incrível ganhar o título logo no meu primeiro ano no Benfica. É o meu objectivo primordial, mais do que qualquer coisa ligada com a selecção argentina.


«Maradona deu-me motivação extra»

Surpreso ao perceber que 'El Pibe' pode convocá-lo a qualquer momento.
Quer jogar ainda melhor pelo Benfica.
As gargalhadas que uma frase provocou.

— Como é que recebeu as declarações de Maradona, ao afirmar que deverá chamá-lo em breve à selecção argentina?
— Fiquei muito surpreendido. Não esperava que ele falasse de mim numa conferência de Imprensa antes de um jogo. Pensei que ele iria apenas falar de jogadores que estivessem convocados, como Di María ou Aimar... deu-me uma motivação extra, sinto agora que posso voltar a ser convocado a qualquer momento.

— Foi ver o jogo com a Espanha, em Madrid?
— Não, vi na televisão, aqui em Lisboa. Infelizmente perdemos. Fiquei logo com aquela tristeza...

«Já sabemos como é Diego...»

— Ficará agora mais ansioso?
— Não. Vou continuar a jogar da mesma maneira, sem me sentir pressionado, sem coisas que possam prejudicar o meu jogo. Vou tentar continuar como tenho vindo a fazer agora: pensar primeiro no Benfica e só depois na selecção. Essas declarações deixaram-me algo de muito positivo cá dentro, porque sei que Maradona está a observar-me.

— Acha que já merecia uma oportunidade?
— Agora estou a jogar com assiduidade. No Real Madrid jogava pouco e por isso o seleccionador não podia ver-me. Agora voltei a um bom nível e creio que a melhor maneira é continuar assim.

— Se estivesse no Benfica há mais tempo acredita que já teria sido convocado?
— As carreiras são feitas de altos e baixos. Hoje estás num mau momento, amanhã estás num bom momento. Tens de aproveitar quando estás bem mas também ter a consciência de que nem sempre podes estar no máximo.

— Qual foi a sua reacção quando ouviu Maradona a dizer 'sigan chupando' naquela polémica conferência de Imprensa?
— [não evita o riso malandro] A primeira reacção, em conversas com os meus colegas, foi uma enorme gargalhada. As pessoas não estão habituadas que alguém pertencente ao futebol diga uma coisa daquelas, mas há que entender os impulsos de Maradona: ele é uma pessoa muito espontânea, às vezes não mede as consequências do que diz. Diego é assim, sabemos tudo o que ele sofreu e continua a sofrer com tudo o que gira à sua volta. Já sabemos como ele é.

— Às vezes também tem vontade de dizer o mesmo?
— Às vezes [solta uma gargalhada]. Só que há pessoas que se sabem controlar, outras não. Na vida ou dentro de um campo de futebol.


«Dí María pode ser um dos melhores do Mundo»

Elogia compatriota, mas diz que 'Angelito' tem de se «sentir bem no clube que representa».

É o homem do momento da equipa, do mercado e até da selecção argentina. Di María conquistou em definitivo a titularidade na formação alviceleste comandada por Diego Armando Maradona e os interessados na aquisição do seu passe não param de aparecer. Colega e compatriota do esquerdino, Saviola dirige-lhe um elogio sincero: «Di María é um jovem [21 anos] e está a crescer de forma muito rápida. Mas quem o vê, dia-a-dia, quer nos treinos ou nos jogos, sabe que tem um grandíssimo potencial. Por sorte está num excelente momento de forma. Desequilibra muito porque é um jogador rápido, ofensivamente é muito importante para a Argentina e para o Benfica. Está a viver um bom momento e tem de o aproveitar.»

Mas a sua experiência leva-o a deixar um conselho ao camisola 20: «No mundo do futebol nunca se pode dizer que o futuro vai ser isto ou aquilo. Hoje em dia um jogador pode estar muito bem mas nunca se pode dizer que vai disparar. Ele, tal como todos os jogadores, tem de se sentir bem no clube onde está. Há jogadores a quem nunca se adivinhava um grande futuro e acabaram por explodir; e outros que toda a gente apontava como grandes craques para o futuro e depois não tiveram o rendimento esperado. Oxalá que Di María continue a mostrar o futebol que tem vindo a exibir até ao momento. Porque se assim fizer, pode vir a ser um dos melhores do Mundo.»

«Braga e FC Porto são os nossos concorrentes ao título»

Não vê os leões como candidatos.
Mas isso será irrelevante no 'derby' marcado para Alvalade.

Ainda falta mais de uma semana mas aos poucos o jogo vai concentrando as atenções: dia 28 joga-se o derby com o Sporting, no Estádio José Alvalade, o primeiro de Saviola em Portugal. A primeira reacção do argentino ao projectar o jogo é uma enorme satisfação. «Gosto destes jogos», diz, lembrando-se dos escaldantes River Plate-Boca Juniors ou Sevilha-Bétis, «uma coisa de loucos». Lembra que nestes encontros «não interessa para nada a distância que separa as equipas na classificação», admitindo que nem a possibilidade de o Benfica poder afastar definitivamente os leões do título em caso de vitória garante o favoritismo aos encarnados. «É cedo para dizer o que quer que seja», admitindo que o factor Carvalhal pode ser «motivador». Ainda assim, garante: «Vamos jogar em Alvalade da mesma forma: para ganhar!»

A conquista do título é a prioridade, numa luta que não incluiu, por enquanto, o Sporting:

— Os nossos concorrentes directos são o Sp. Braga e o FC Porto. Se estão lá em cima na classificação connosco não é por obra do acaso. Já jogámos com o Sp. Braga e percebemos que se trata de uma equipa bem organizada. O jogo teve mais picardias do que eu esperava, mais parecia um jogo disputado na Argentina, mas o futebol é assim... Estamos colados ao Sp. Braga no primeiro lugar com justiça, porque o Benfica é uma equipa que tenta jogar sempre bem, respeita o futebol e não entra por caminhos especulativos. Sabemos que para sermos campeões teremos de sofrer muito, como se viu com a Naval.


«Keirrison vai mostrar valor»

Deve ser o colega de ataque frente ao V. Guimarães.
Brasileiro é «diferente de Cardozo».

Antes do derby a equipa terá pela frente um jogo difícil, frente ao V. Guimarães, para a Taça de Portugal. Os internacionais vêm cansados, não haverá Cardozo (castigado) e Luisão (a recuperar de uma apendicite). Nada, porém, que preocupe Saviola: «Se há algo que o Benfica tem esta época é um plantel rico que permite a troca de jogadores sem se notar muita diferença no nível de jogo. Há sempre lesões, castigos, jogadores que têm de descansar porque jogam encontros de uma taça... todos os jogadores têm de estar bem. Quando estava no Real Madrid e era suplente, sabia que a qualquer momento podia jogar.»

Keirrison deverá ter a sua oportunidade, adivinhando-se que faça dupla com o argentino no ataque. «Ele e Cardozo são diferentes. Cardozo está a fazer uma época excelente, Keirrison ainda está a começar a carreira. Mas acredito que vai mostrar o seu valor. Um goleador como ele precisa de jogar e não o tem feito. Mas o golo que marcou nos Açores pode dar-lhe moral», é a previsão do avançado argentino.


«Conheci casos como o de Enke»

A discussão que se lança sobre a pressão exercida sobre os jogadores profissionais de futebol.

Mais do que um futebolista, foi o cidadão Robert Enke que se suicidou. Mas as altas esferas do futebol alemão já vieram lançar a discussão: estarão os jogadores submetidos a intensa pressão?

«A mente humana já é complicada por si só», diz Saviola. «Qualquer um pode entrar em depressão mas o mundo do futebol às vezes é difícil para quem está lá. Quando as coisas não estão bem tudo muda: muita pressão, os filhos pagam na escola, és insultado, a tua mulher também paga. Toda a gente pensa que jogador de futebol é só entrar em campo, jogar um pouco e já está. No meu caso, quando as coisas correm mal, são poucas as pessoas que me consolam, já quando estou bem recebo um milhão de mensagens. É difícil, uma pessoa deve estar preparada, mas há aqueles que não aguentam, como lamentavelmente aconteceu com Enke», afirma, puxando pela memória: «Conheci colegas que entraram em depressão, não podiam sair de casa, entraram num negativismo terrível, desprezando amigos e família. Felizmente sem recorrerem ao suicídio.»


Burgos deu-lhe a alcunha

Foi o excêntrico guarda-redes German Burgos, 36 vezes internacional pela Argentina, o culpado por Javier Saviola ser hoje conhecido por el conejo (o coelho). A história é contada na primeira pessoa: «Ele era o guarda-redes do River Plate e colocava alcunhas a todos os jogadores, era o mais divertido do plantel. Quando cheguei à equipa ele chamou-me coelho mal viu a minha forma de correr. A partir daí ficou... não me importa, sou um tipo que gosta de brincar.


Namorada mediática

Romanella Amato, namorada de Saviola, é modelo argentina e capa de revistas. O avançado convive bem com o assédio e com os ciúmes: «Fico tranquilo. Sempre respeitei a sua profissão e ela também respeita a minha: sou apaixonado pelo futebol e às vezes, nos nossos tempos livres, quero ver um jogo qualquer na televisão. E ela deixa! Tenho confiança plena nela, por isso temos uma grande relação. Seria pior se não conseguisse controlar a sua carreira, porque a vida de modelo é desfiles, contacto com outros homens. Respeito muito o que ela faz. Vivemos juntos em Portugal e vai à Argentina quando tem desfiles ou produções fotográficas. Agora está a terminar os estudos. Ela tem a sua vida. Temos de deixar viver a pessoa com quem partilhamos a casa. Apoio-a muito e respeito bastante o que ela faz. »


BI: Javier Pedro Saviola Fernandez

Data de nascimento: 11/12/1981 (27 anos)
Naturalidade: Buenos Aires (Argentina)
Altura/Peso: 1,68 m/60 kg
Percurso: River Plate, Barcelona, Mónaco, Sevilha, Barcelona, Real Madrid e Benfica

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