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11 maio 2012

Trancas à porta

Crónicas de Leonor Pinhão, in A Bola

Tal como o País tem medo de viver sem a 'troika', também o Benfica tem medo de romper com a Olivedesportos. Portanto, enquanto não resolverem isto...
1. «Uma imagem vale por mil palavras», é uma frase atribuída a Napoleão Bonaparte. E quem somos nós para desmentir o Imperador dos franceses?
Bonaparte não era parvo nenhum. Era até, nalgumas coisas, um homem muito à frente do seu tempo. Imagine-se só que o velho preceito napoleónico resistiu dois séculos e até se aplica às nossas futebolices contemporâneas.
Como, por exemplo, à imagem do abraço entre Vítor Pereira e Pedro Proença, assim que o árbitro (que era, esclareça-se, o próprio Pedro Proença) deu por terminado o jogo da festa dos campeões. É fair-play! E já lá vão 607 palavras com esta introdução.
Napoleão nasceu talhado para grandes tiradas. Nunca saberemos, no entanto, se teria algum jeito para legendas de fotografias. Ou até atrevimento para sonhar com diálogos de terceiros.
Atrevo-me eu:
Proença - Ahhhhhhhhh!
Pereira - Meu caro, folgo em verificar que tem os rins no sítio!
O Napoleão é que a sabia toda...
Com isto gastei 998 palavras das 1000 concedidas pelo Imperador. Está tudo dito.
2. Os protestos anónimos directamente dirigidos à figura de Luís Filipe Vieira prosseguem a cada jogo do Benfica, fora de portas ou em casa.
Na manhã de sábado as paredes das redondezas do Estádio da Luz surgiram pintadas de fresco com frases retiradas de entrevistas do presidente do Benfica, declarações proferidas em tempos mais ou menos recentes e, no que é importante, em tempos de maior optimismo, quer do presidente quer dos adeptos.
Sim, porque a nenhum presidente passaria pela cabeça prometer um Benfica de igual para igual a um Real Madrid se não houvesse da parte da malta uma grande disponibilidade para a fantasia e uma enorme queda para a fanfarronice.
E fanfarronice, aliás, é a doença infantil do benfiquismo.
E vir agora acusar o presidente de excesso de veleidades parece despropositado e, de algum modo, injusto.
É verdade que o futebol infantiliza tudo e todos: desde os dirigentes que prometem aos adeptos aquilo que os adeptos querem ouvir, aos adeptos que se não virem materializar-se o que gostaram de ouvir não hesitarão em dizer aos dirigentes o que os dirigentes não querem ouvir. A frase é bastante mais intrincada do que a situação, ainda bem.
A situação é apenas e lamentavelmente prosaica.
No meu Benfica ideal (e cada adepto tem o direito legítimo, conferido pela paixão, de sonhar com o seu muito próprio ideal de Benfica) nada disto não se passaria assim.
Já que querem pintar as paredes, pois que sejam espertos, façam-no na altura certa.
Tomemos por exemplo uma das frases pintadas na Luz: «Não negociarei com a Olivedesportos, 2011». Não teria sido melhor, se acreditam na efectividade da campanha, tê-la pintado logo em 2011, como lembrete, e lembrete-diário ali escarrapachado à vista de todos e do próprio destinatário, do que esperar um ano e meio para atirá-la à cara do presidente numa hora má, como remoque?
Por ter perdido o Campeonato graças a uma conjugação de absurdos com diversas origens - ainda que perfeitamente identificáveis -, o Benfica está zangado consigo próprio. Estas crises poderiam até ser oportunidades excelentíssimas para ousar medidas verdadeiramente fracturantes se aplicadas ao edifício-geral do futebol português. Não é assim que tem acontecido e temo que, uma vez mais, não vá acontecer.
O Benfica, aliás, está como o país.
O país perdeu a soberania. Faz o que a troika manda porque lhe foi inculcado o pavor de um futuro sem a dita troika, sem consideração dos parceiros, sem crédito bancário, sem euros, sem com que pagar dívidas, obras e salários.
É o que se passa com os clubes portugueses na sua relação com a Olivedesportos. Aliás, ainda bem recentemente, António Oliveira, co-fundador da empresa, actualmente afastado, disse clarinho: «A Olivedesportos é o FMI do nosso futebol».
E, aparentemente, nem o Benfica, que é o maior clube português, escapa a esta dependência que, vá lá saber-se porquê, é sempre pintada em tons de cor-burro-quando-foge em nome do grande serviço social prestado ao país pela Olivedesportos ao permitir, generosamente, que os clubes possam viver. E viver com a consideração dos parceiros, com crédito bancário, com euros com que pagar as dívidas, as obras e os salários.
Tal como o país tem medo de viver sem a troika - e depois, como é que é? - também o Benfica, pelas mesmas razões, tem medo de romper com a Olivedesportos.
Portanto, enquanto não resolverem isto não me venham cá falar das próximas revoluções.
E isto só se resolve com coragem. A coragem, no entanto, é um atributo bastante diferente da fanfarronice, como o mais vulgar dicionário é capaz de explicar.
3. Se exceptuarmos umas curtas e inócuas declarações à TV-Odivelas, Luís Filipe Vieira tem optado pelo silêncio neste  rescaldo do campeonato. Há quem ache mal. Há quem ache que o presidente devia expressar publicamente aos benfiquistas umas palavras de consolo, de explicação ou mesmo o assumir individual e colectivo do falhanço na Liga.
Vieira, porque é o presidente do Benfica, saberá, certamente, o que está a fazer e as razões deste seu prolongado silêncio.
E pode até refugiar-se naquele velho ditado popular: casa roubada, trancas à porta.
No entanto, há muitos perigos neste mutismo.
Por exemplo, o perigo do espaço destinado nos noticiários às questões políticas e de comunicação do Benfica passarem a ser ocupados, na ausência do chefe, por subalternos disponíveis a colmatar em termos públicos o momentâneo recato presidencial.
E foi nesse sentido que na semana passada, António Carraça, director-geral do clube, foi com a melhor das intenções aos estúdios da Benfica TV. Contudo, na tentativa de animar as hostes, saiu-lhe logo a frase fatal:
«Se o Benfica prosseguir neste caminho, com a mesma filosofia e o mesmo projecto, poderá competir pela conquista da Liga dos Campeões num curto espaço de tempo».
Pronto. Lá estamos nós outra vez no campo da fanfarronice, essa doença infantil do benfiquismo.
Com o respeito devido a António Carraça, mais lhe valia ter ficado calado. A ele e a nós, os que somos do Benfica, e que logo tivemos de aturar as inevitáveis graçolas dos nossos amigos do adversário...
-Então o Carraça diz que vocês para o ano até vão ganhar a Liga dos Campeões!
Mas será que esta gente não aprende nada? Nunca?
4. Curiosamente, em Alvalade surgiram também umas paredes pintadas com anti-louvores a Godinho Lopes e a Paulo Pereira Cristóvão. Na sua essência são frases bem mais desagradáveis do que as frases pintadas do outro lado da Segunda Circular (que, como se diz, é a tal linha que separa a Liga dos Campeões da Liga Europa) e dirigidos a Luís Filipe Vieira.
Enquanto, o presidente do Benfica tem vindo a ser confrontado com as suas próprias palavras. Godinho Lopes e Pereira Cristóvão foram confrontados com gravíssimas acusações de práticas e de carácter.
Só no FC Porto nada disto acontece. Suspeito que deve ser por terem ganho o campeonato.
O único funcionário portista sempre disponível para a indiscrição total é o simpático austríaco Janko que não se consegue conter em ocasião alguma. Agora foi contar a um jornal do seu país, Die Presse, que há colegas seus que se querem ir embora porque gostavam de ingressar num «clube de topo absoluto».
E Janko diz estas coisas todas sem precisar de pintar uma única parede. É a diferença que faz ser campeão.
PS - É oficial: o Sporting não quer o árbitro João Ferreira na final da Taça Cardinal.

1 comentários:

Leonor,

Estou perfeitamente de acordo com a sua crónica. Reconheço também todo o trabalho desta direcção, nomeadamente do seu presidente, lamento no entanto que a estrutura para o futebol não seja suficientemente forte e coesa de forma a melhorar aspectos fundamentais para a vida do clube. Não se compreende (ou talvez se compreenda)como é que o presidente do FCP, saiba com quem janta ou almoça, os temas debatidos etc. etc. Se há necessidade de se fazer alguma "limpeza" ontem já era tarde.

G. Abraço

António Coelho

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