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04 março 2011

Jornada 21 + Taça da Liga: o Eterno Retorno


Afastei-me da filosofia de Nietzsche no final da época de 1994/1995. Nessa altura, o Benfica era treinado por uma pessoa que então se assemelhava ao filósofo alemão e que estava a dar cabo de uma equipa campeã nacional, afastando os enormes Isaías e Vítor Paneira, entre outros, e trazendo, também entre outros, nomes como Clóvis, Paulão, Nelo, Tavares e Mario Stanic que, mais tarde, dispensaria por crer que “não tinha valor para jogar no Benfica”. Ora bem, foi nessa altura em que tive que fazer uma escolha penosa: ou Nietzsche – por encontrar nele a projecção física do anti-treinador do Benfica – ou o Benfica. Evidentemente escolhi Benfica e sofri como anos a fio como um cão até Jesualdo Ferreira ter sido demitido após conseguir a proeza de perder contra o Gondomar em casa, para a Taça de Portugal. De aí em diante –de Camacho em frente- a coisa tem-se vindo a recompor paulatinamente. E eu, paulatinamente também, lá vou voltando a Freddie Nietzsche. A primeira vez que assumi publicamente este regresso foi precisamente quando Rui Costa voltou ao Benfica e o Prof. Neca regressou ao Desportivo das Aves: cumpria-se mais uma vez, no futebol, o mito do Eterno Retorno Nietzschiano que nos diz, em linhas genéricas, que isto tudo é uma quantidade de ciclos históricos, naturais, sociais e futebolísticos que se repetem até ao infinito. Rui Costa voltará sempre, Neca também.

Ora, os dois últimos desafios do Benfica permitem-nos, com relativa segurança, afiançar que estamos na presença de fortes índices de Eterno Retorno: contra o C. S. Marítimo, o Eterno Retorno de Fabinho aos braços do Benfica, o Eterno Retorno de um Benfica que acredita até ao fim. O Eterno Retorno do Inferno da Luz. Contra o Sporting, o Eterno Retorno genérico de mais uma vitória do Benfica e de mais uma não vitória do Sporting. Parafraseando um treinador do Benfica já aqui citado, tudo Eternos Retornos perfeitamente normais. Já com alguma surpresa assisto ao facto de o normal Eterno Retorno da vitória ao Sporting se traduzir num surpreendente Eterno Retorno de uma segunda-vitória-consecutiva-no-último-minuto em três dias. Coisa rara no mundo dos Eternos Retornos. Porém, se me detiver nesta fenomenologia no jogo de ontem, fácil será concluir que o dito esteve cheio de Eternos Retornos: em primeiro lugar, o Eterno Retorno às Robertadas, com mais um frango clamoroso. Vá que a coisa se compôs a seguir. Depois, estava o Benfica a perder e entra Anderson Polga. A simples entrada do central foi suficiente para que começasse a –permitam-me a expressão- cheirar a Eterno Retorno de qualquer coisa. Polga entra, está lá um bocadinho e zás, faz penalty. Eterno Retorno às Polguices, vem aí golo do Benfica. Quando vi Cardozo a correr para a bola, lembrei-me do Eterno Retorno ao erro crasso de por o Cardozo a marcar penalties. Bingo. Certo que a seguir ainda estava o João Pereira a abraçar Rui Patrício pelo feito e já o jogo estava empatado. Eterno Retorno de Tacuara aos golos.

Posto isto, e descontando alguns mini-Eternos Retornos que foram acontecendo aqui e acolá (a lesão de Aimar é bom exemplo), o jogo fica marcado por duas profundas linhas de reflexão: uma de fézada e outra em que a noção de Eterno Retorno se funde com a ideia de fézada. Ambas provando, com clareza, que o futebol não é só técnico-táctica, mas é também muito de construção filosófica. Comecemos pela fézada, um conceito que me é particularmente grato e a cujo estudo muitas horas tenho dedicado: fácil foi de constatar a fézada com que o Sporting estava em decidir o jogo nos penalties. Tanta que a partir dos setenta minutos já só defendia. O que é certo é que esta dita fézada encontrava correspondência inversamente proporcional na contra-fézada que o Benfica (e o seu universo de seguidores) tinha em que se fosse a penalties ia perder, fundamentando ontologicamente este temor na Final de Estugarda em 1988 e na Supertaça 1994/1995 em que o Benfica, estando a ganhar nos penalties ao F.C. do Porto, acaba por perder sem glória, num volte-face patético. Posto isto, entramos no momento capital do jogo: aquele em que a ideia de fézada se funde na noção de Eterno Retorno Nietzschiano: minuto 84. O Sporting é forçado a substituir João Pereira por Abel. Ao vê-lo entrar, lembrei os colossais ensaios lógico-futebolísticos que lhe são consagrados por J. Salinas neste mesmíssimo espaço e, associando conceitos, pensei que apenas em Abel estaria a única possibilidade de vitória do Benfica neste jogo: fosse num auto-golo, num penalty ou num qualquer ficar-nas-covas. Pensei também que, cumprindo-se esta conjectura, um duplo Eterno Retorno se verificaria: segunda vitória em três dias nos últimos suspiros de jogo, segunda eliminação consecutiva do Sporting nos últimos instantes do desafio.

Ante a confirmação da legalidade do seu golo, Javi Garcia terá pensado “quem foi a alma caridosa que me pôs em jogo?”. A resposta tem a fusão total entre a minha fézada e o Eterno Retorno de Friederich Whilhelm Nietzsche: foi o Abel, o lateral direito com nome de guarda. Posto isto, regressei a casa e inscrevi-me na Associação Internacional de Nietzschianos de Bancada.

1 comentários:

«o Eterno Retorno às Robertadas, com mais um frango clamoroso»

«Quando vi Cardozo a correr para a bola, lembrei-me do Eterno Retorno ao erro crasso de por o Cardozo a marcar penalties. Bingo»

Cá estão duas frases que eu diria de fosse capaz de juntar dois presupostos:
Detestar o benfica e não perceber absolutamente nada de futebol e da gestão de uma equipa!

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