Recuemos no tempo uma semana: quem, como eu, compreende a essência e o âmago do Benfica, estaria profundamente certo que, na passada quarta feira às 19.45 portuguesas, a equipa que apoiamos racional, porém apaixonadamente, iria perder o jogo contra o Olympique Lyonnais. Perguntais com o devido espanto: Carlos, porque afirmas de forma tão veemente tamanha certeza inquestionavelmente correcta? A resposta é simples, meus preclaros leitores: porque sei perfeitamente o que é o Benfica e, sobretudo, sei perfeitamente com que cosmogonias se orienta o futebol. Vejamos: acaso poderíamos ganhar depois de embandeirarmos em arco com uma vitória por cinco a um sobre o Arouca, como se tivéssemos cilindrado o Dortmund de Sammer, Kholer, Möller e Riedle? É certo que sempre que defrontamos, para a Taça, uma equipa de escalão inferior oriunda da periferia do Porto, o fantasma de Cílio Sousa e do Gondomar volta a pairar na Luz. Mas, caspité, o Fyssas já marcou ao Porto de Mourinho toureando meia defesa azul numa final do Jamor! Acaso Kardec facturaria mais algum golo depois dos dois que marcou para a Taça e que o fizeram prometer mundos e fundos? Se estivesse calado, talvez sim. Abrindo o livro de tal forma, como se tivesse cilindrado o Dortmund de Clos, Ricken e Chapuisat, evidentemente que não.
Se, por mera ironia do acaso, ainda restasse uma ou outra hipótese de fazer qualquer coisa decente na capital do Ródano, a esperança aniquilar-se-ia com a dupla boutade de Jesus, tomando eu aqui a liberdade de usar um francesismo que muito aprecio, boutade. Antes da partida, disse Jota Jota que, um, ganhar em França não é anormal e, dois, que o Benfica joga um futebol único no mundo. No primeiro caso, bastará recordar que antes da marselhesa do ano passado, a última vez que o Benfica foi a França, em dois mil e seis, perdeu dois a um com o PSG. A penúltima vez, em dois mil e cinco, empatou a zero com o Lille em casa (sic - Parque dos Príncipes, com noventa por cento de benfiquistas nas bancadas) com um onze composto por um keeper, seis defesas, dois trincos e dois avançados (vide abaixo)*. No segundo caso, nada de grave seria digno de se assinalar na referida asserção, fosse ela proferida por mim depois de ingerir uma garrafa de Bollinger Special Cuvée. Aliás, casos há em que depois da referida ingestão consigo declarar não só que o Benfica joga um futebol único no mundo como até mesmo que é a melhor equipa de futebol de todos os tempos. Voltando à fraseologia utilizada por Jesus, é certo e sabido que a sua utilização antes dos jogos dá derrota pela certa. Daí que, caros leitores, eu estivesse tão ciente da vitória do Lyon no mítico Gerland como da mesma ter o contributo, por razões óbvias relacionadas com o conceito de fézada, de Lisandro Lopez. A minha única dúvida residia em saber se Aly Cissokho iria ou não marcar golo.
Uma nota final, ditada por um dever de consciência: mesmo em tempos de crise, o Benfica distingue-se pela sua imensa dimensão nacional, parte considerável da sua grandeza. O pedido feito pela actual direcção aos adeptos de se absterem de acompanhar a equipa nos jogos fora, é um indamissível insulto ao benfiquismo. Tão grande como a sugestão de faltar a qualquer jogo de taça de liga ou de campeonato. É preciso ter cuidado com o que se faz ao benfiquismo.
Para desenjoar disto tudo, acabei por aceitar o convite de um velho amigo e, no passado domingo, rumei aos Picos de Europa para comer uma favada asturiana, facto que me impediu de assistir, com a devida dignidade, ao jogo contra o Portimonense e, pior, que me impediu de escrever na segunda e na terça. A favada não estava nada de especial, mas comi que me fartei. Um pouco tipo Javi Garcia, se é que me faço entender.
* Lille-Benfica, 22.11.05, Paris; um dos onzes mais vergonhosos de sempre do Benfica, da inesquecível responsabilidade de Ronald Koeman: Quim na baliza; Anderson, Luisão, Rocky Rocha, Léo, Alcides e Nélson, defesas; Petit e Beto, trincos; Nuno Gomes e Miccoli, avançados. Era tão provável ganhar com um onze destes como o Elvis Presley estar vivo e morar em Fafe.
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