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07 outubro 2010

Rojões, Pudim e Digestivos.


Depois da escalada ao Pico do passado sábado, voltei ao Continente no início desta semana. O regresso ficou marcado por uma breve, porém intensa, paragem no Faial, da qual só me lembro do primeiro golo do Shalke 04, dos seis primeiros gins tónicos no Peter e de uma evacuação de helicóptero para Ponta Delgada.

Regressei ao Continente directamente para o Norte do País, onde, como é sabido, mantenho alguns negócios. Rumei ao Minho, mais precisamente à Roma portuguesa, tcc (também conhecida como) Braga, onde assisti, num conhecido restaurante perto da Sé, ao jogo que opôs o Benfica ao Sporting de lá. Durante o desafio fiz-me acompanhar de uns portentosos Rojões, condimentados com uma apurada tripa farinheira, batata aloirada em intensíssimo refogado, sarrabulho e grelos ensopados em delicado caldo de azeite e alho.

À medida que o jogo avançava e que eu ia devorando este prato supinamente confeccionado, cogitava em várias coisas, desde a imortalidade da alma à fantástica nomenclatura de Nico Gaitán. É que para além de um talento bruto, discretamente revelado nesta partida, Gaitán tem, de facto, nome de grande futebolista. Estará, por certo, ao nível de Enzo Scifo – o melhor nome de futebolista de todos os tempos, imortalizado no cósmico “Scifo, golo” de Rui Tovar - de Roberto Baggio, de Chrissie “Fucking” Waddle, de Mozer, de Shéu Han, de Jonas Thern (até dá gosto carregar no “rrr” de Thern), de Ljubinko Drulovic e de Preud'Homme. Tudo designativos poderosos, sonantes, sustenidos, capazes de encher a boca de qualquer relatador (salvo Gabriel Alves que era mau com os sotaques e que dizia “Proidóme” ao tentar dizer Preud'Homme). Do outro lado da barricada, Gil Baiano, Esquerdinha, Chicabala, Jorge Fucile, Carlitos, Nelo, Nandinho, El Hadrioui, Miguelito e Tote são exemplos acabados de jogadores condenados ao insucesso pela denominação. Exceptuam-se desta regra, eviendentemente, Ronaldinho Gaúcho e Cristiano Ronaldo, que tem o nome mais impensável de chamar a uma criança que tenho memória de ouvir. Mas adiante: como se sabe, ter nome de futebolista é meio caminho andado para se ser um grande futebolista. Nico Gaitán está, evidentemente, no bom caminho. Viu-se no domingo.

Devorada a travessa inteira de rojões e seguindo o jogo para um pudim Abade de Priscos, sou confrontado com a magnífica triangulação Fabinho-Saviola-Carlos Martins (lá está, nome de craque e de jazzman), que resulta no golão deste último. Considerando o estado de nervos em que me encontrava, a que não era alheia a demora na chegada de mais uma garrafa de um encorpado maduro tinto da região, explodi ali mesmo e gritei golo, seguido de expressão vernacular que rima com reviralho. No micronésimo de segundo em que o fiz, temi pela fúria brácara dos adeptos do Sporting local. Toda a gente sabe que um minhoto irritado é capaz do pior. Qual não é o meu espanto quando quatro quintos do restaurante gritam golo comigo. Recebo um abraço, dois palavrões e três sorrisos e compreendo a velha máxima que nos diz que em Braga o Benfica está tão em casa como na Estrada da Luz.

Ao engarfar o último trecho do sobredito pudim, reparo nas comemorações do autor do golo vermelho, que me deixaram bastante enjoado, como se acabasse de comer algo que leva vinte ovos e trezentos gramas de manteiga e açúcar: reparemos que Martins marca o golão, corre para a bandeirola de canto e simula qualquer coisa intravenosa – o que pode ser interpretado como algo para os lados do ilícito ou como uma crítica subtil à nomeação de Paulo Bento como seleccionador. Logo de seguida, pede uma bola ao apanha ditas, simula a gravidez e num gesto de extrema violência, esmurra a barriga grávida provocando parto extemporâneo do nascituro. O que quis Martins dizer com isto? Não fosse uma generosa aguardente envelhecida em carvalho, servida em balão aquecido, teria sido torturado por esta celebração plena de pós modernidade durante o resto do repasto.

Com o apito final do árbitro, depois do Benfica ter estado perto do dois a zero por duas vezes, dei por terminada a minha refeição. Quando me preparava para solicitar a conta ao Garçon, confronto-me com a entrevista relâmpago de Domingos Paciência: no seu fácies era legível a desesperada procura da perfeita desculpa para o sucedido. Não encontrou melhor que um fora de jogo assim-assim e a referência ao facto de o Benfica, depois do golo, ter jogado em queima-tempo. Após uma tirada deste calibre, fui forçado a mandar vir mais um digestivo. Fechei os olhos e, enquanto o bebia de penalty, consegui rever em fast forward os três minutos, dois beijos, seis apertos de mão, catorze palmas e cinquenta passos que o bracarense Vandinho deu para sair do campo instantes antes do fuzilamento Martineiro. “Ainda te lixas com f se dás um jogo como empatado aos setenta e três minutos”, já me dizia um tio meu, treinador adjunto (com curso de grau dois) do Marialvas de Cantanhede nos anos oitenta. Paguei a conta, saí do restaurante, e fui festejar com aqueles imensos benfiquistas que apitavam no Campo da Vinha. Afinal, estava “tipo do género” a jogar em casa.

1 comentários:

BRILHANTE TEXTO.

GLORIOSAS SAUDAÇÕES.

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