Germano, José Carlos, Hilário, Jaime Graça, Festa e Carvalho;
José Augusto, Eusébio, José Torres, Coluna e Simões.
O i falou pelo telefone com seis Magriços, de voz embargada, que foram ao baú procurar histórias sobre Torres e os anos 60
"Há outras histórias um bocado mais picantes mas que não se podem contar", diz entre gargalhadas José Augusto, antes de sucumbir a uma nostalgia que lhe roubou as palavras e entorpeceu a voz. "Estou muito abalado com o que aconteceu, ponho-me a relembrar os momentos que vivi com ele e depois fico assim", lamenta.
Por momentos deixámos de ouvi-lo do outro lado da linha. José Augusto, um dos Magriços que nos anos 60 alinharam lado a lado na selecção nacional com José Torres, partilhou o quarto com o "bom gigante" quando ambos integravam a formação benfiquista. "Escolher entre milhentas histórias engraçadas é muito difícil. Mas uma ficou-me na memória. O Torres todas as segundas-feiras vinha de Torres Novas, onde ia visitar a família, e trazia de lá doces típicos regionais. E havia um indivíduo, o Barroca [guarda-redes do Benfica], que costumava ir roubá-los. Um dia, eu e o Torres tivemos uma ideia. Decidimos encher os doces com piripíri. Olhe, o homem ficou com a boca tão empolada que nunca mais lá voltou", ri refeito e afável José Augusto, salientando que como esta há muitas outras histórias capazes de arrancar gargalhadas ao mais sisudo dos ouvintes. "As malandrices e as partidas feitas uns aos outros aconteciam sempre durante a noite. Mas havia um sentimento de solidariedade dentro do grupo, éramos muito unidos, não havia grandes chatices", diz o antigo futebolista. "Ele foi realmente um homem de muito carácter e muito humilde. Jamais será esquecido...muito menos por mim". E desapareceu dentro da sua última frase.
José Torres foi um rei num tabuleiro de xadrez arrasado. "Quando entrámos no autocarro depois da derrota do Mundial-66, estávamos praticamente mortos e ele, com a sua imensa alegria, conseguiu contagiar toda a gente. Pouco tempo depois já estávamos todos na galhofa", relembra Carvalho, guarda-redes do Sporting. "Era um grande amigo, ele era um ser maravilhoso. E o mais engraçado disto tudo era que apesar de estarmos todos divididos por razões clubísticas, éramos os maiores amigos do mundo", e faz uma pausa antes de terminar. "Peço desculpa, não sou capaz de continuar, ainda me estou a refazer do choque". Jaime Graça, médio que se transferiu do V. Setúbal para o Benfica durante o Mundial-66, também se fechou em copas. Abalado murmurou que não se sentia em condições para falar.
"O Torres era um homem sem vícios, o único que lhe conhecia eram os pombos. Ele era columbófilo, sabe, mas também gostava muito de jogar bilhar", conta o lateral-esquerdo Hilário, também verde de clube, rindo-se do outro lado do telefone à medida que se vai lembrando das histórias que lhe pedimos para contar. "Uma vez, estávamos em estágio e apareceu lá um senhor que dizia que jogava muito bem bilhar. E o Torres, danado nestas coisas, disse-lhe assim: ''Consigo até vou jogar com a mão esquerda''. Começaram a jogar e tal e o Torres deu-lhe um baile, ganhou-lhe. O que o homem não sabia era que o Torres era canhoto e que não tinha feito esforço nenhum a jogar com a mão esquerda", ri Hilário. "E ele ainda se virou para o homem e disse-lhe: ''Imagine agora se eu tivesse jogado com a mão direita!''"
Mas as histórias que preencheram a vida de uns escondem a revolta de outros. Simões, extremo-esquerdo dessa selecção de 1966, foi rápido como se tivesse a lição já estudada, pronto a defender a memória do "bom gigante". "Quero dizer três coisas. Primeiro: ele pôs mãos ao trabalho quando chegou ao Benfica e não parou até ser titular. Foi um bom exemplo de trabalho. Segundo ponto: o Torres foi vítima daquilo que se passou em Saltillo [o caso Saltillo é sinónimo de greve de jogadores da selecção nacional durante o Mundial-86, no México]", diz zangado. "Espero, 24 anos depois, não ter de ouvir desse senhor [alusão a Amândio de Carvalho, vice-presidente da Federação Portuguesa de Futebol nesse Mundial no México e ainda em funções] e de outros ligados ao poder político um discurso hipócrita", reclamou. No terceiro ponto, Simões amoleceu, sem, no entanto, deixar de ser assertivo. Disse não ter encontrado defeitos, apenas virtudes em José Torres. "É hábito em Portugal falar bem dos mortos e mal dos vivos. O povo português reconheceu que ele foi um bom gigante num país em que não se pode ser bom, num país onde não se cultiva o bem".
Coluna, o grande capitão, optou por uma abordagem mais desportiva. "Sempre foi uma jóia de pessoa. Dentro do campo, era a nossa âncora, a referência para fazer afundar os adversários, porque o seu jogo de cabeça era claramente superior aos demais. Quando estávamos empatados ou a perder, bastava fazer um passe longo do meio-campo que ele lá marcava. Fora dos relvados, era um gentleman, que sabia estar em todas as situações, fosse interpelado por um jovem adepto ou fosse recebido pelo Salazar."
José Torres faleceu aos 71 anos, vítima de doença prolongada, no hospital dos Lusíadas, em Lisboa, onde estava internado há duas semanas. O bom gigante morreu, mas as histórias que reflectem a sua grandeza ainda ficam por contar.
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