Alto, meio desengonçado, pernas longas e fininhas. Não tinha pinta de jogador de futebol, muito menos correspondia ao tipo do jogador português, pequenino, rápido e habilidoso. Mas José Torres tinha 1,91m de altura e foi mesmo jogador, dos melhores avançados da história do futebol português. Um homem sem defeitos, como garantiu, ontem, o seu amigo e antigo colega António Simões. Portugal chamou-lhe o "Bom Gigante". Uma alcunha "muito feliz, apropriada, fiel", diz Simões. Torres morreu na madrugada de ontem, após duas semanas internado no hospital, já uma fracção do homem que foi, afectado por Alzheimer, uma doença degenerativa do sistema nervoso que lhe tirou as memórias e a autonomia. Tinha 71 anos o homem que pediu um dia que o deixassem sonhar.
Torres já não tinha memória dos golos que marcou pelo Benfica e pela selecção portuguesa, nem do sonho concretizado enquanto seleccionador nacional do apuramento para o Mundial do México em 1986, nem do pesadelo que se seguiu em Saltillo. Os primeiros sintomas da doença começaram a aparecer em 2000, primeiro com pequenas falhas de memória e coordenação, depois a progressiva degeneração do corpo e da mente.
Os últimos anos passou-os em casa, na Amadora, uma vida agravada por problemas financeiros que algumas iniciativas de solidariedade foram tentando compensar, porque Torres, quando chegou à idade da reforma, se apercebeu de que os únicos descontos em seu nome eram do tempo em que foi aprendiz de serralheiro, antes de ser futebolista. O seu funeral realiza-se hoje às 11h30, no Cemitério da Amadora.
Os pombos
José Augusto da Costa Sénica Torres nasceu a 8 de Setembro de 1938, em Torres Novas. Francisco, o pai, era futebolista, no Carcavelinhos, e o tio Carlos tinha jogado no Benfica, como avançado. José gostava de futebol, mas o pai não queria e tentou criar-lhe outra paixão - a columbofilia, que o jovem Torres começou por rejeitar com violência. Um dia, matou todos os pombos da família, mas logo a seguir começou a chorar e o pai, para o consolar, ofereceu-lhe uma bola e libertou-o para o futebol.
Começou no clube da terra, o Torres Novas, onde imediatamente se revelou goleador. Em duas temporadas marcou 105 golos e, em 1959, foi para o Benfica, onde brilhava José Águas, um ponta-de-lança elegante, nada como o espigado Torres. Nas três primeiras épocas de "encarnado", apenas jogou 16 jogos, mas, ainda assim, marcou 28 golos.
Apesar de fazer parte da equipa da Luz, não foi campeão europeu em campo, nem em 1961, nem em 1962. Mas na época seguinte, Torres assumiu o lugar no ataque "encarnado", no ocaso da carreira de Águas, e pagou com golos a confiança do técnico Fernando Riera: 35 golos em 27 jogos. Foi uma das grandes figuras do grande Benfica europeu dos anos 60, marcando presença em três finais da Taça dos Campeões Europeus (1963, 1965 e 1968). Ao serviço do Benfica, em 12 temporadas, Torres participou em 259 partidas, marcando 226 golos e conquistando nove títulos de campeão português e três Taças de Portugal.
Quando não era Torres a marcar, era Eusébio. Os dois tinham um entendimento perfeito nos anos em que jogaram juntos, tanto no Benfica como na selecção nacional. Torres era o que ganhava bolas de cabeça e assistia para os golos do "Pantera Negra". Eram eles que comandavam o ataque de Portugal no Mundial de 66, em Inglaterra, em que a selecção chegou ao terceiro lugar - Torres marcou três golos. Apesar da sua natural humildade, Torres (13 golos em 33 internacionalizações) não renegou esse momento de glória. "Tenho de ser um dos vaidosos", declarou em 1998.
Saiu do Benfica em 1972, mas alinhou no V. Setúbal e no Estoril, onde deixou de jogar aos 42 anos, em 1980. Depois, passou a treinador, chegando a seleccionador nacional em 1984, com a missão de qualificar Portugal para o México 86. Torres fez um pedido a quem o ouviu antes do decisivo jogo com a Alemanha, em Estugarda, que Portugal tinha de vencer: "Deixem-me sonhar". O sonho concretizou-se com aquele pontapé de Carlos Manuel em Outubro de 1985, que deu a vitória e o apuramento.
Esse optimismo quase infantil de Torres foi mesmo a única coisa boa. Depois veio Saltillo... Foi Torres quem mais sofreu com a campanha mexicana, em que Portugal não passou da fase de grupos. "Os momentos mais horríveis da minha carreira", disse Torres, que após o desastre Saltillo só treinou mais um clube, o Portimonense. Depois, retirou-se do futebol, desiludido e também limitado por problemas físicos, dedicando-se à columbofilia, uma paixão que, entretanto, assumiu depois de a ter rejeitado naquela fúria juvenil porque apenas queria jogar à bola.
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