Por Bruno Prata in Público
Quem não consegue entender o insucesso dificilmente estará preparado para conviver com a vitória, e o Benfica, mais do que os reforços anunciados em catadupa pela imprensa, precisa de tranquilidade para descobrir o porquê das suas recentes maleitas. Porque o sucesso poucas vezes é uma via de sentido único e, ao invés, possui uma enorme e estranha capacidade de esconder as imperfeições e os vícios. É esse o actual desafio de Jorge Jesus: provar que também sabe lidar com a síndroma do sucesso.
A minicrise benfiquista tem sido principalmente relacionada com as transferências de Di María e Ramires e com a ausência de substitutos à altura. O Benfica joga sem asas - foi o diagnóstico quase generalizado, como se o voo esplêndido que o clube da águia realizou na época passada tivesse dependido exclusivamente dos seus médios-alas.
É verdade que o primeiro dava verticalidade, fantasia e ajudava a resolver os problemas com iniciativas individuais quando mais nada parecia resultar. Por isso é que foi eleito o melhor jogador do último campeonato. É também sabido que o brasileiro garantia uma rara intensidade e disponibilidade física. Mas também é verdade que o Benfica fez bons jogos e somou vitórias em jogos em que não contou com eles, não podendo as suas ausências servir para justificar a insípida exibição frente ao FC Porto e, menos ainda, a última e escandalosa derrota na Luz.
Perto do final da época passada, soube-se que o Benfica contratara Nicólas Gaitán por 8,4 milhões, antecipando assim a saída de Di María. Isso foi confirmado por Jorge Jesus, quando assumiu ser ele o sucessor do reforço do Real Madrid. O que se lê e ouve agora? Que o Benfica volta a procurar um substituto de Di María, sucedendo-se as manchetes em torno dos negócios quase feitos e depois falhados. A última versão é que talvez seja melhor comprar um defesa-esquerdo (Traoré, do Arsenal) e fazer subir no campo Fábio Coentrão, como se isso não ameaçasse deitar ao lixo todo o trabalho que, ao fim de muitos anos, permitiu que Portugal voltasse a ter um lateral-esquerdo de dimensão internacional.
É verdade que Gaitán tem estado a recuperar de uma lesão e, por isso, impedido de confirmar a qualidade revelada no Boca Juniors. É também sabido que se trata de um jogador jovem (mas com um futebol já mais adulto do que revelava Di María quando chegou à Luz) e com características diferentes das do seu compatriota argentino. Mas não era mais razoável dar-lhe tempo para se adaptar e enquadrar numa nova forma de jogar do que entrar em desespero e ir a correr ao mercado? Claro que sim, a não ser que se esteja já à procura de uma segunda alternativa, principalmente depois de César Peixoto ter voltado a deixar claras as suas insuficiências ao treinador que lhe deu a enésima oportunidade.
Já no que respeita a Ramires, parece sensato que o Benfica tenha procurado um substituto à sua imagem. Podia ter sido Wesley (Santos), Willians (Flamengo) ou Maylson (Grémio), mas acabou por ser Salvio. O jogador emprestado pelo Atlético de Madrid é mais um jovem de 20 anos que Jesus terá de depurar, opção com vantagens e prejuízos óbvios. Para além disso, é mais um jogador à imagem de Di María do que de Ramires, não deixando, por isso, de ser uma opção interessante. Rúben Amorim era uma alternativa credível ao agora jogador do Chelsea, mas não é a mesma coisa, enquanto Carlos Martins rende mais em terrenos interiores. Mas estamos a discutir somente uma posição numa equipa que ainda há 15 dias era apontada como superfavorita à renovação do título e que, nas palavras do seu treinador, não despreza sequer a eventualidade de fazer história na Champions.
Outra falácia que começa a propagar-se é a de que o Benfica passou a estar pior servido na baliza com a troca de Quim por Roberto. Os 8,5 milhões de euros que custou o espanhol foram, de facto, muito dinheiro, ainda por cima por um guarda-redes desconhecido para boa parte dos adeptos. Mas nem isso devia toldar a lucidez aos que conhecem as regras do marcado e sabem bem que comprar em Espanha é sempre mais exigente do ponto de vista financeiro. E isso acontece precisamente por dar mais garantias de qualidade, como ficou provado nos casos de Aimar e Saviola. É verdade que começou mal e que, com isso, se deixou intranquilizar mais do que seria suposto. Mas não parece curial que se lhe aponte o dedo mesmo quando fez duas enormes defesas e esteve tecnicamente perfeito e sem qualquer responsabilidade nos dois golos da Académica. Ainda não garante pontos, como é desejo de Jesus, mas lá chegará se lhe derem tranquilidade e tempo.
As outras razões que normalmente são apontadas por muitos dos que fazem o diagnóstico ao momento benfiquista é o desgaste físico dos "mundialistas" (notório no caso de Maxi Pereira) e a eventual menor concentração de jogadores que brilharam e ajudaram à conquista do último título e que agora são alvo do assédio dos grandes colossos europeus. Estarão neste lote, por exemplo, David Luiz, Luisão e Cardozo.
Uma e outra coisa podem ter influência, mas não justificam as más exibições generalizadas e a má forma de outros, como Sidnei, Peixoto, Carlos Martins, Saviola e até Javier Garcia (a sua exibição ajudou a perceber porque é que Jesus começou por apostar em Airton, que ainda precisa de ser trabalhado, mas tem tudo para se tornar num "6" de eleição). E muito menos explicam como é que Coentrão esteve no Mundial, surgiu abúlico frente ao FC Porto (não colhe a explicação de que isso aconteceu por ter jogado onde jogou anos a fio) e agora apareceu fresco e fiável como nunca perante a Académica.
A verdade é que, depois de um pré-época intensa e de relativo sucesso, o Benfica, em poucos dias, sofreu duas derrotas em jogos oficiais em que pareceu fazer tudo em esforço, como se as chuteiras pesassem chumbo. Uma realidade que indicia uma crise que se vê com frequência em Itália, onde os jogadores são sujeitos a grandes "tareias" na pré-época. Não deve ser esse o problema do Benfica, porque a sobrecarga pode contribuir para a falta de intensidade e de fiabilidade no passe, mas não justifica as falhas de concentração, os desequilíbrios defensivos e as falhas nos lances de bola parada.
O problema parece ser de outra monta, mais de índole psicossomática, eventualmente relacionado tanto com alguma soberba dos mais autoconfiantes como, por outro lado, com o medo dos que temem não ser capazes de repetir o êxito. Tem cura. E é capaz de ajudar se Jorge Jesus for capaz de lhes explicar, mesmo sem citar Winston Churchill, que o sucesso é também a capacidade de ir de fracasso em fracasso sem perder o entusiasmo...
2 comentários:
As declarações proferidas hoje pelo JJ há muito que estavam a ser aguardadas pela massa benfiquista. Pelo menos eu esperava isso.
uma análise séria e objectiva, ao contrário de muitos que são de encomenda e com objectivos perniciosos...
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