NO dia em que foi apresentado como treinador do Benfica disse que estava ali para ser campeão. Conseguiu esse desígnio, mas em algum momento sentiu que poderia não vencer o campeonato?
— Não. A cada dia que passava durante a época mais convicção tinha de que ia ser campeão. Só não tinha a certeza absoluta porque em futebol não há certezas absolutas. Mas convenci-me que ia ser mais fácil de concretizar do que pensava. Porque depois de estar no clube, de o conhecer e conhecer os jogadores fiquei com a certeza que dificilmente não conseguiríamos o êxito de ser campeões.
— Mais fácil porquê? Devido às condições que o Benfica oferece ou porque o potencial dos adversários o convenceu que podia ser campeão?
— O Benfica de facto tem uma estrutura humana que eu aproveitei e à qual incuti as minhas ideias, incuti que o dia-a-dia é assente num conhecimento de antecipação e as pessoas foram percebendo que tinham de trabalhar ao meu ritmo, não só os jogadores mas todas as pessoas que envolviam a estrutura futebol. E depois de analisar que a matéria humana tinha de facto muita qualidade, principalmente os jogadores, nunca coloquei em dúvida que iríamos ser campeões... Ou melhor, houve um momento em que tive algum receio: foi na última jornada, com o Rio Ave. Mas por causa da ansiedade que se instalara em toda a gente, sobretudo nos jogadores. Era um jogo que, teoricamente, até era fácil, mas nós sabemos que no futebol por vezes acontecem certas coisas para as quais não estamos preparados. Mas ao longo da minha carreira nunca me aconteceu morrer na praia como é costume dizer-se e sentia que também não seria nesse dia.
— Quando chegou ao Benfica proclamou que a equipa tinha de jogar o dobro. Foi isso que tentou ao longo da época, colocar o Benfica a jogar mais que em anos anteriores?
— Eu quando disse isso nunca quis criticar ninguém. Mas via o Benfica jogar, via os jogadores que a equipa tinha e sabia que a minha forma de trabalhar iria colocar esses jogadores a render mais. E à medida que os fui conhecendo melhor, e eles a mim, fui ficando com a ideia cada vez mais clara de como potenciar aqueles jogadores... E na minha opinião jogaram mesmo mais.
— Mas teve consciência do que estava a dizer realmente, sabendo que ia encontrar jogadores de um nível com o qual nunca tinha trabalhado, como Saviola, Cardozo, Ramires, Aimar ou Luisão? Os jogadores não ficaram desconfiados de si?
— Os jogadores perceberam rapidamente a minha mensagem. Eu sabia que ia ter no grupo internacionais de vários países mas isso para mim não era sinónimo de causar complicações à minha comunicação porque sabia e sei que, independentemente do valor do jogador, o fundamental está no treinador, face às ideias e às ambições que consiga passar para os jogadores. A minha forma de estar, a minha maneira de ser é de uma personalidade com convicções muito fortes... Mas aquilo que eu digo é que é muito mais fácil trabalhar com os grandes jogadores: é muito mais fácil trabalhar com Aimar, Di María, Saviola, Luisão, com todos aqueles que são internacionais dos seus países, do que trabalhar com um jogador de nível médio. Estes são egocêntricos: julgam que são, mas não são... e é muito mais difícil trabalhar com eles.
— Você tem uma forma muito directa de abordar algumas situações. Isso no treino com os jogadores não lhe cria algumas animosidades?
— Nunca me importei muito com isso. Para mim o que conta são as ideias que eu tenho e sei que se as colocar em prática o êxito fica mais próximo. Nunca fui nem sou um treinador estilo quero, posso e mando mas há vários itens dos quais não abdico, fundamentalmente de três situações: disciplina de grupo, disciplina táctica e disciplina de jogo. Passo isto aos jogadores e o que tem de ser feito mediante cada uma destas ideias. Todos, a partir daí, sabem o que têm de fazer. E quem não quiser partilhar isto ou adaptar-se a estas ideias... comigo não trabalha mais. Seja quem for.
— Os jogadores perceberam que não havia lugares cativos, quem não trabalhasse tinha os dias contados...
—Não é só não trabalhar... é, por exemplo, não perceber que em primeiro está o grupo; quem não perceber que as minhas ideias é que contam. Acho que pela minha vivência, pela forma como fui criado (fui criado em ambientes de conflito, na rua) adoro o conflito, só sei viver assim e é isso que me dá um grande gozo.
— E alguma vez teve algum conflito com algum jogador?
— Nunca.
— Sabendo que o Benfica quer ser novamente campeão e ir o mais longe possível na Champions, está preparado para a eventualidade de perder alguns jogadores... fiquemos só por dois: Di María e David Luiz?
— Não é fácil no Mundo encontrar substitutos à altura desses dois jogadores...
— O presidente Luís Filipe Vieira já lhe comunicou essa possibilidade de eles saírem?
— Já disse que podemos perder alguns, Di María um deles. Mas não há certezas quanto a isso. A única certeza é que a SAD tem as mesmas ideias que eu, queremos ter uma equipa forte e só deixarão sair jogadores se pagarem as cláusulas de rescisão. Se houver mais um ou outro jogador para sair... faz parte do meu trabalho também, que é valorizar os activos do clube.
— Mas reconhece que não é fácil substituir Di María e David Luiz?
- Não é fácil, principalmente o Di María. É um jogador que cresceu muito comigo, é um menino com o qual tive muito orgulho em trabalhar, sempre muito atento, muito humilde. E sempre tentei explicar-lhe que o jogo tem várias fases para se saber jogar e há uma fase em que, para mim, ele é dos melhores do Mundo: na zona da decisão. E foi aí que muitas vezes ele levou a equipa às costas.
— Foi o melhor jogador deste campeonato?
— Não direi isso. O Benfica teve grandes jogadores que fizeram que a equipa colectivamente fosse forte e se tiver de destacar, destacarei sempre a equipa, o colectivo e não um jogador em particular. Agora cada um especificamente na sua posição foram importantes, tal como Saviola, tal como os elementos do corredor central em termos defensivos... O Benfica teve vários jogadores do campeonato. Nenhum dos nossos adversários tiveram jogadores que colocaram em campo o perfume, a mestria, a arte, a eficácia como nós tivemos ao longo da época.
— Gaitán e Jara são jogadores com perfil para ajudarem o Benfica a ser melhor?
— A ideia é essa. Desde que cheguei ao Benfica todas as contratações que temos feito é aposta em jovens, miúdos entre os 20/22 anos... Mas já disse ao presidente que temos de ter atenção: parece que estamos a contratar uma equipa de juniores. É um risco, apostar em jogadores que ainda não se afirmaram, que têm valor, mas que só os mais atrevidos é que os vão buscar, porque há sempre a dúvida sobre se depois rendem ou não. Mas o Benfica tem de começar a contratar jogadores como fez na época passada com o Saviola e o Javi García.
— Mas em relação a esse dois argentinos em concreto, são jogadores para se imporem como titulares?
— Vou dar o exemplo de dois treinadores: Arsène Wenger e José Mourinho, o Wenger contrata jogadores para crescerem com ele, mas isso tem os seus dissabores, os seus riscos. Ele valoriza os jogadores, mas não valoriza os títulos da equipa, não tem nenhum há vários anos. O Mourinho contrata jogadores feitos para conquistar títulos. Eu pretendo estar nos dois lados.
— (...)
— Em relação ao Jara e ao Gaitán, conheço-os bem. Não contratamos jogadores por vídeo. Mandámos um treinador que trabalha connosco da máxima confiança observá-los, eu também já os tinha visto. Mas são dois jovens...
— Quantas aquisições é que vai fazer mais Benfica?
— Depende dos que saírem, pois teremos de repor. Se não sair ninguém...
— Por si não saía ninguém?
— Por mim não deixava ninguém sair. Vamos imaginar que isso acontece, nesse caso o Benfica precisa de dois jogadores.
— Um guarda-redes e mais?
— Dois jogadores. Não especifico posições.
— Quim e Moreira estão ambos em final de contrato. Conta com algum deles para a próxima época?
— Eles vão saber por nós no momento certo quais são as nossas ideias. E sem passarmos as ideias aos jogadores não a vamos passar para o exterior... apesar de eu já ter conversado com a maior parte da equipa em relação ao futuro.
— Mas está nos planos a chegada de mais um guarda-redes?
— A aposta para a nova época é de formarmos aquele lugar específico com três guarda-redes de valor em relação às exigências que o Benfica irá enfrentar. E como já demonstramos durante o ano, isso passa por ir ao mercado à procura de mais um guarda-redes.
— Acreditava que o Cardozo iria ter uma época tão concretizadora como a que teve: Bola de Prata, melhor marcador da Liga Europa?
— O Cardozo era um daqueles jogadores que quando eu ainda não estava no Benfica via jogar e dizia para o Raul [José] que se trabalhasse connosco valia mais de 20 golos por época. E foi aquilo que fizemos.
— Teve de o abanar, como chegou a dizer?
— A ele e aos outros tive de o trabalhar em função da sua qualidade. Eu, na verdade, não faço milagres. Eu, e outros treinadores, só conseguimos potenciar a qualidade de um jogador quando ele efectivamente tem qualidade. O difícil é saber descobrir o que é que ele tem e encontrar meios para o desenvolver.
— Mas tem consciência que apesar dos golos, há muita gente que desconfia do Cardozo, de ser lento... não ser elegante como jogador?
— É conforme olharem para o jogo. Se olharem para o Cardozo à procura de um jogador de nota artística, como eu costumo dizer, então não gostam dele. Mas se olharem para o Cardozo como um goleador, como um jogador que poucas equipas na Europa têm jogadores com aquelas características, que são goleadores, que é aquilo que conta... então. A beleza do Cardozo é fazer golos. A beleza do Cardozo não é o Aimar, que tira dois do caminho e assiste o avançado... por isso é que o futebol é arte como eu já disse citando o exemplo dos pintores. Os pintores misturam as tintas e depois uns dão uma pincelada e aquilo não vale nada, outros fazem um risco e vale milhões. Porquê? Porque é arte. E a arte não se aprende, nasce connosco.
— Quando o Cardozo falhou os penalties, falhou quatro ao longo da época, teve vontade de lhe retirar essa responsabilidade e entregá-la a outro jogador?
— Nunca, porque eu penso como os jogadores. Eu também fui jogador e sei como eles pensam. Se fizesse isso... Se tivesse um segundo batedor tão bom como ele era capaz de pensar duas vezes, mas como estava convicto que não o tinha, o Cardozo continuou a ter toda a confiança da equipa.
— O Benfica foi a melhor equipa deste Campeonato?
— Nem há comparação possível.
— Que explicação, então, é que encontra face aos que dizem que este foi o 'campeonato dos túneis'?
— Quando não se têm muitos argumentos para apresentar, por vezes é preciso branquear determinadas situações para defender as suas equipas. E penso que foi o que alguns dos nossos adversários tentaram fazer: viram que o Benfica estava muito forte, não havia muitos argumentos para nos poder desestabilizar... e distraíram-se a inventar questões de túneis. Esse é que foi o erro fatal dos nossos rivais: distraíram-se com essas situações menores e nunca perceberam que eles não tinham os argumentos do Benfica. E fomos justos campeões.
— Mas acha que se o FC Porto tem jogado a época toda com o Hulk e o Sp. Braga com o Vandinho as coisas poderiam ter sido diferentes?
— Um jogador não faz uma equipa. Nós jogámos tantas vezes sem Di María, sem Saviola, sem Cardozo... e continuámos a ganhar. Compreendo que não é fácil jogar sem o Vandinho, que é de facto um grande jogador... fui eu que o coloquei numa posição onde ele nunca tinha jogado e onde demonstrou que é um dos melhores em Portugal naquele sector. Mas não foi por causa de ele não jogar que o Benfica foi campeão... Tal como o Hulk, que jogou contra o Benfica na Luz e o FC Porto perdeu.
— Face ao que foi feito esta época, ao que foi conseguido e à forma como colocou a equipa a jogar, sente que na próxima época as exigências serão ainda maiores?
— A exigência será maior, sem dúvida. Temos um título e teremos que o saber defender e não vamos ser surpreendidos. No passado os adversários do Benfica iam à Luz e diziam que iam para tentar vencer, e este ano viu-se que uma das preocupações de quem ia ao nosso estádio era não sair de lá com goleadas. Isso deveu-se muito ao trabalho que foi feito e à qualidade dos jogadores.
— Diz que este ano os adversários andaram distraídos. Isso provavelmente na próxima época já não acontecerá. Equaciona mudar a estratégia?
— Acredito que as coisas possam ser mais complicadas, mas não será por aí que o Benfica vai deixar de apresentar o nível que tem tido. Os jogadores estão lá, o treinador é o mesmo e cada vez mais seremos mais fortes porque nos conhecemos cada vez melhor.
— E poderá repetir, tal como fez no ano passado, que está no Benfica para ser mais uma vez campeão?
— Claro. Mas não preciso de dizer isso. Quem treinar o Benfica vai dizer o quê? Quem está naquela casa, seja treinador ou jogador, não pode pensar de outra maneira. O Benfica é um clube que tem de pensar em grande e que tem de ter a qualidade nas pessoas que fazem parte da equipa para poder transportar essa ideia para o jogo. Foi isso que consegui fazer este ano e que para o ano vou fazer novamente.
— Acabou de renovar contrato até 2013 com uma cláusula de rescisão cujo valor não foi oficialmente revelado mas presume-se que alto...
— Já vi o valor escrito...
— 7,5 milhões de Euros.
— Exacto.
— Se chegasse amanhã um clube a pagar esse valor, deixava o Benfica?
— Não. Não posso fazer isso. Tive possibilidades de o fazer mas não podia desiludir os sócios e adeptos do Benfica. Sei que não serei um treinador eterno no Benfica, irei sair um dia mais tarde. Mas este ano tinha de ficar por aquilo que os adeptos representaram para a equipa e para mim, pela forma como eles acreditaram e também me ajudaram... Eu já tive oportunidade de dizer isto: os dois jogos mais importantes da época, que fizeram com que fossemos campeões, foram o da primeira jornada com o Marítimo e o da Taça de Portugal, que perdemos com o V. Guimarães. Foi aí que fomos campeões, quando os sócios do Benfica depois de um empate e de uma derrota aplaudiram a equipa no fim e os jogadores sentiram que quando errassem poderiam ficar serenos porque os adeptos estariam sempre do lado deles. Foi isso que fez com que a equipa nunca mais parasse.
— Depois de ter sido campeão disse que agora quer a Champions. Tem consciência das dificuldades que o esperam?
— Aquilo que eu disse, na sequência de uma pergunta que me fizeram, foi que se eu estivesse nos quartos-de-final da Champions como este ano estive na Liga Europa... que se calhar não tomava as mesmas opções que tomei este ano: ou seja, defender completamente o Campeonato, o que eu queria, e os sócios do Benfica sabiam isso desde a primeira hora, era ser campeão. E sabia que não podia ter as duas coisas, porque não tínhamos tempo de recuperação. Não tem nada a ver com o facto de jogar 50 ou 60 jogos, os jogadores não têm é capacidade para recuperar de jogo para jogo em dois ou três dias, que foi o que aconteceu, por exemplo, entre o jogo com a Naval e a ida a Liverpool. Não estavam preparados para corresponder à intensidade do jogo em termos fisiológicos e daí ter mudado alguns elementos importantes, em defesa do próximo jogo, sabendo que ia colocar em risco a passagem às meias finais.
— (...)
— Mas se na próxima época, na Liga dos Campeões, chegar em idênticas circunstâncias aos quartos-de-final aí se calhar tomarei a opção inversa.
— Isso quer dizer o quê? Aposta mais na Champions e deixa o Campeonato?
— Não. Arrisco nos dois. Enquanto que eu este ano não coloquei em risco o Campeonato.
— Depois de ter visto a final da Liga Europa... não ficou com a sensação de que se calhar podia ter conquistado esta prova também este ano?
— Acho que podia ter ganho a Liga Europa... mas também estou convencido que se calhar não teria vencido o Campeonato. Porque o Sp. Braga foi até ao fim e não perdeu mais nenhum jogo e nós tínhamos jogos decisivos pela frente: com o Sporting, com a Académica. Jogos onde precisava de ter a equipa completamente recuperada da Liga Europa. E sabia que isso só seria possível se ficasse de fora... A equipa mais forte que defrontámos esta época na Europa até nem foi o Liverpool, foi o Marselha, nem há comparação possível! Mas não estou arrependido da opção que tomei.
— Ao assumir até ao exagero que a prioridade era o campeonato e não a Liga Europa, não terá conduzido os jogadores a pensar que esta prova não interessava tanto?
— Não era não interessar. Nós tínhamos uma prioridade bem definida. E eu sabia que em 99,9 por cento dos sócios do Benfica o sentimento era o mesmo. Eu não podia defraudar aquilo que eu prometi, que foi ser campeão nacional e não da Liga Europa. O que me importava era chegar longe e recuperar a identidade do Benfica na Europa e foi isso que fizemos. Para o ano temos o Campeonato, e para já a prioridade é passar a fase de grupos da Champions. E depois... tudo é possível.
— Aceita que se diga que o Rafa Benítez foi mais inteligente que Jorge Jesus no jogo de Liverpool?
— Não. Aceito antes que se diga que o Benítez não tinha mais nada para ganhar e preparou a equipa para a Liga Europa, ao contrário de mim. Respeitou o Benfica e jogou com uma estratégia com mais certeza, enquanto que para mim era mais importante ser campeão nacional...
— Disse numa entrevista que nos clubes por onde passou cumpriu sempre os objectivos...
— É verdade!
— Assumir o objectivo de querer ser campeão europeu não é um risco?
— A Champions é um objectivo da minha vida desportiva. Eu vou ter de ganhar a Champions, dê lá por onde der. Agora em que ano não sei, mas que a vou ganhar, disso não tenho dúvidas. Porque só a ganha quem está à altura dos grandes títulos e de ser considerado dos melhores treinadores do Mundo. E se eu quiser ser um dos melhores treinadores dom Mundo tenho de ganhar a Liga dos Campeões.
— E acredita que isso poderá ser pelo Benfica?
— Acredito que poderá ser pelo Benfica. Não direi se será este ano, isso não sei, porque é relativo... os sorteios têm sempre muita influência na conquista dessas provas. Mas que o Benfica tem tudo para que a possa vencer e que eu tenho capacidade para isso não tenho dúvidas. Porque acho que as grandes equipas da Europa, que são rotuladas como as grandes equipas, muitas delas não são aquilo que dizem...
— Mas terá o Benfica capacidade para ombrear com Barcelona, Chelsea e outros que tais?
— O Barcelona é a melhor equipa do Mundo. O Chelsea é uma boa equipa como o Liverpool, o Manchester United ou o Arsenal...
— E em que plano Europeu é que coloca o Benfica?
— Coloco-o num patamar em que poderá disputar as eliminatórias com os melhores. A diferença será de pormenor. Classifico o Benfica como estando ao nível das melhores da Europa. Faltará perceber como iremos enfrentar a Champions e a fase de grupos será determinante para isso. Penso que há muitas equipas que não são tão fortes como as pintam...
— Esta época o Benfica teve uma enorme percentagem de posse de bola e quando encontrou equipas que conseguiam o mesmo sentiu dificuldades. Passou por aí o segredo do seu Benfica, pela posse de bola?
— Não, o segredo desta equipa é a forma como se trabalha. O segredo dos jogadores do Benfica é forma como treinam, a paixão como se treinam e saem de lá completamente exaustos. Os treinos do Benfica são de uma intensidade muito alta. Esse foi o nosso segredo aliado à qualidade dos jogadores.
— Os jogadores agora já o conhecem melhor, acha que vão continuar a trabalhar da mesma forma, ou teme algum tipo de acomodação?
— Quem trabalha comigo sabe a mensagem que passo todos os dias...
— E não ficam 'cansados' de o ouvir, você que tem uma linguagem apaixonada pelo futebol?
— Cansados? Não. Estamos sempre a evoluir e com certeza que vamos introduzir algumas mudanças... Mas os jogadores do Benfica trabalham com uma intensidade muito alta e sabem que eu não os deixo adormecer, porque comigo quem adormece tem depois poucas possibilidades de acordar.
— David Luiz disse que algumas vezes o 'mister' lhe deu alguns ralhetes e isso permitiu-o evoluir. Os jogadores aceitaram bem esses seus ralhetes?
— Eu tenho uma forma de me expressar peculiar, sou muito emotivo. Sou um apaixonado pelo treino e tenho uma forma de comunicar alta... não digo a um jogador olha por favor não te importas de passar ali para aquele lado? Essa não é a minha linguagem. Utilizo a linguagem do futebol.
— Em vernáculo, por vezes...
— O futebol tem uma linguagem própria, não é um português universitário, poético com todas as vírgulas e pontos finais no lugar... porque senão nem eles me percebem. O que eu comunico é o conhecimento. O treino não é uma ciência exacta, é uma ciência humana. O treino é aquilo que nós sabemos criar e eu entendo que não é qualquer um que sabe ser treinador, tem de se nascer para ser treinador. Tal como se nasce para ser jogador, há que nascer para se ser treinador.
— E você nasceu para ser as duas coisas?
— Deus deu-me esse dom, como deu a outros.
— Mais treinador que jogador?
— Também cheguei a equipas grandes enquanto jogador... não ganhei títulos mas cheguei lá. Como treinador cheguei agora a um grande clube ao final de 20 anos de carreira e onde tive de ultrapassar muitas barreiras, muitos defeitos que me foram colocando, não como treinador porque nesse aspecto ninguém me podia apontar nada porque toda a gente notava que eu sabia mais que os outros. Mas ou porque vestia de preto, ou porque por vezes dava uma gafe, muitas delas por vezes inventadas, por tudo isso quiseram desvalorizar-me. E foi por isso que demorei mais tempo a chegar onde cheguei. Mas aquilo que é fundamental perceber, de uma vez por todas, é que no futebol discurso não é percurso! E as pessoas quiseram fazer o meu percurso em função do meu discurso. Não sou um catedrático de português, mas sou um catedrático do treino.
— E Jorge Jesus jogava numa equipa orientada pelo Jorge Jesus?
— Adorava. Porque se eu no meu tempo de jogador tivesse um treinador que passasse aquilo que eu passo aos meus jogadores, tenho a certeza absoluta que teria sido muito mais jogador do que fui.
— Luís Filipe Vieira revelou publicamente, numa entrevista, que quando contratou Jorge Jesus para o Benfica, teve de o fazer nessa altura caso contrário iria parar ao FC Porto. Esteve assim tão próximo de assinar pelo FC Porto?
— Eu tenho de respeitar as duas instituições, Benfica e FC Porto. E se há coisas que vão ficar no segredo da minha família e de mim, essa será uma delas. O presidente e o Rui Costa sabem o que se passou, não interessa divulgar o resto.
— Nos últimos anos o FC Porto tem dominado o futebol português. Acredita ser capaz de enfrentar essa hegemonia?
— O mais difícil foi fazer o que fizemos este ano, que foi quebrar essa hegemonia. Agora temos de ver se temos capacidade para nos mantermos no caminho dos títulos e acreditamos que temos. Porque sabemos o que queremos e acreditamos todos uns nos outros.
— O jogo mais difícil da sua carreira de treinador foi aquele no Estádio do Dragão, com todo aquele ambiente?
— Não. Já disse que sou um treinador a quem o conflito dá um enorme gozo. Onde houver pedrada, ambiente pesado, é onde eu vou estar. Fui criado assim. Quando as coisas são muito serenas... aí é que fico incomodado. E quando digo pedradas é em sentido figurado... mas é isso que me dá gozo e adrenalina e não mexe absolutamente nada comigo. Naquele jogo o FC Porto ganhou porque foi melhor que nós. Só isso.
— É por causa disso que não tem bom relacionamento com alguns treinadores como Manuel Machado, Inácio, Domingos...
— Não vou entrar por aí... No caso do Domingos houve alguns mind games, como agora se diz, mas respeitou-me sempre e eu a ele.
— Como foi o relacionamento com a SAD, nomeadamente com Luís Filipe Vieira e Rui Costa?
— Foi fácil, porque quando se fala a mesma linguagem é fácil como é o caso do Rui Costa e também do presidente. Complicado é quando se tem de falar com alguém que tem a mania que sabe, mas não sabe nada. Desde miúdo que sempre fui ligado ao futebol e quando assim é existe uma outra maneira e outra capacidade de ver as coisas sempre numa lógica em defesa da equipa. Mas é claro que também tive a sorte de já conhecer o Rui Costa, já era amigo dele, do presidente a mesma coisa, logo acho que reunimos tudo para dar certo.
Shaffer
Shaffer
«Faltou-lhe qualidade em função das outras opções que eu tinha... havia César Peixoto, que é um jogador mais colectivo do que ele, e depois surgiu o Fábio. É um profissional espectacular, um miúdo espectacular a quem eu tive muita pena de dizer que não ia contar com ele e que o melhor para ele era procurar outro caminho. É assim que eu trabalho, é assim que falo com os jogadores e não os engano. Custa ouvir as verdades, mas eu não tenho problema em enfrentar as situações e os jogadores perceberam que digo a verdade à equipa, e para quem entender esta linguagem as coisas tornam-se fáceis.»
Felipe Menezes
«Um menino que tem muito valor. Está ainda um pouco habituado ao futebol brasileiro, mais pousado, em que há tempo para pensar, para executar e em Portugal isso não acontece. Mas ele tem tudo, física e tecnicamente, para ser um grande número 10. Terá de crescer. Vai crescer no Benfica, na competição. O grande problema do Felipe Menezes é que tem à frente dele o Aimar e o Carlos Martins e isso faz com que ele não entre muito. Quando o fui buscar foi a pensar no futuro e acredito que será um grande jogador. Se tiver de sair para jogar e para se valorizar irá fazê-lo, mas neste momento não tenho essa ideia.»
Éder Luís
«Chegou com 24 anos e era um jogador já com algum estatuto no Brasil, tem grande nível. Mas há coisas que nós não conhecemos quando contratamos um jogador, nomeadamente a sua estrutura mental. Ele tem tido alguma dificuldade de adaptação à pressão, à minha pressão do treino. Porque há muitos jogadores que não aguentam a minha pressão nos treinos. Porque a nossa vida é pressão, que é aquilo que acontece nos jogadores. E há alguns que abanam um pouco. O Éder teve um pouco a dificuldade de enfrentar a agressividade do Campeonato... e, verdade seja dita, também não o tenho colocado a jogar onde ele mais rende, que é como segundo avançado.»
Keirrison
«Vi-o jogar muitas vezes antes da lesão que o afectou, ainda no Brasil, teve de ser operado aos ligamentos cruzados. E depois disso nunca conseguiu ser o mesmo. Mas o Keirrison que eu conheço, que eu vi jogar no Brasil, não tenho dúvida nenhuma que tinha valor para se fixar no Benfica.»
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