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26 novembro 2009

Pois se era preciso inventar uma crise…




Por Leonor Pinhão in A Bola

Ninguém sabe como vai correr o fim-de-semana que só começa amanhã à hora de pousar o trabalho. O fim-de-semana promete ser animado com dois jogos de decisão imprevisível. O FC Porto recebe o Rio Ave e toda a gente sabe que, nesta temporada, o Rio Ave é a equipa das recuperações espectaculares. Ainda agora, na última jornada da Liga, encontrando-se a perder por 2-0 ao intervalo com o Sporting conseguiu dar a volta ao infortúnio e, num instantinho, empatou o jogo com dois bonitos golos de João Tomás. O outro jogo de decisão imprevisível é o Sporting-Benfica e toda a gente sabe que, nesta temporada, o Benfica é a equipa das recuperações impossíveis. O Benfica de Jorge Jesus encanta quando se apanha na frente do marcador mas, quando se apanha atrás, ainda nunca conseguiu dar a volta ao resultado.
Aconteceu em Braga com a atenuante do árbitro ter invalidado um golo limpo que permitiria o empate aos encarnados quando faltava ainda muito tempo para jogar e aconteceu, no domingo, na Luz, frente ao Vitória de Guimarães sem que haja o mínimo a apontar ao juiz da partida, o que é sempre bonito de assinalar por muito que custe o adeus à Taça de Portugal.
Os adeptos levam estas coisas muito a sério. E logo se tornam superstições que os fazem temer os factos mais simples e corriqueiros de um jogo de futebol. Como a questão de quem marca primeiro, que é a questão que, naturalmente, está na ordem do dia para os estudiosos da matéria que são aos milhões.
Assim, para este fim-de-semana de decisões imprevisíveis, fazem votos os adeptos do FC Porto para que seja o Rio Ave a primeira equipa a marcar no Estádio do Dragão de modo a não permitir à equipa de Carlos Brito a glória de mais uma recuperação e fazem votos os adeptos do Sporting para que, em Alvalade, seja a sua equipa a inaugurar o marcador no jogo com o Benfica porque é certo e sabido — e cientificamente — que este Benfica de 2009/2010 consegue fazer tudo menos recuperar de uma desvantagem.
Permitam que haja quem discorde destes estados de espírito.
Tudo isto não passa de encenações estratégicas pensadas e repensadas por Carlos Brito e por Jorge Jesus, dois dos melhores treinadores portugueses.
Brito apontou todas as baterias para o jogo com o FC Porto e, conhecedor das fragilidades psicológicas da equipa de Jesualdo Ferreira nesta prova nacional, tenta instaurar um estado de ansiedade nos campeões nacionais provocando-lhes uma dúvida metódica sobre quem há-de marcar primeiro. E isto enerva, sobretudo quando os minutos passam e não há golos nem para um lado nem para o outro.
Jesus, talvez por as ambições do Benfica serem maiores do que as ambições do Rio Ave, levou o seu raciocínio estratégico mais longe, muito mais longe.
E não será de admirar que, no sábado à noite, o Benfica deixe o Sporting chegar aos 2-0 de vantagem de modo a ficarem tão tranquilos os jogadores de Carlos Carvalhal que, quando derem por isso, está feita e assinada a reviravolta a favor dos visitantes.
Aliás, reviravoltas no marcador em derbies lisboetas são a coisa mais vulgar deste mundo. É verdade, sim. Há dois anos, para a Taça de Portugal, também em Alvalade, aconteceu precisamente a mesma coisa mas com benefício final do Sporting. E nos célebre 6-3, de 1994, ainda e sempre em Alvalade, foi o Benfica quem deixou o Sporting chegar ao 1-0 e ao 2-1 para, depois, acontecer aquilo que aconteceu.
Por tudo isto é bem provável que Jorge Jesus pensando que o jogo com o Sporting e o campeonato são bem mais importantes do que a Taça de Portugal, enfim, nem mais nem menos do que uma questão de prioridades, e tenha sacrificado o jogo com o Vitória de Guimarães em função das superstições correntes e de alguns factos do passado.
Um dos chamados «factos do passado» tornou-se numa espécie de mito da Segunda Circular. E que se define assim: quem está em crise é quem ganha, quem está pior é quem fica melhor. Ora, tendo em conta este mito, como é que o Benfica poderia ir ganhar a Alvalade, depois de amanhã, se vai chegar até a casa do adversário e vizinho, dispondo 11 pontos de vantagem somados em apenas 10 jornadas do campeonato?
Jorge Jesus anda no futebol há muitos anos e sabe como estas coisas são. Para além de ser um excelente treinador é também um estudioso do fenómeno do futebol. E assim que João Tomás fez os dois golos frente ao Sporting, empatando o jogo em Vila do Conde, logo o nosso treinador iniciou a gestão da invenção de uma crise no Benfica, tão necessária quanto urgente porque o derby aproximava-se no calendário.
O primeiro passo foi logo dado na última jornada do campeonato. Era preciso vencer a Naval. na Luz — porque 3 pontos são 3 pontos — mas, muito principalmente, era preciso acabar rapidamente com as goleadas e com os bailaricos. A estratégia de Jesus resultou em cheio. O Benfica venceu a Naval mas apenas por um golo marcado já em tempo de compensação. Brilhantemente, os jogadores do Benfica cumpriram as instruções do mister que os instruíra com precisão: «É só um golinho e é só no fim, ouviram?»
E ouviram.
Lembram-se das declarações de Javi Garcia, o autor do tal golinho, no final do jogo? «Limitamo-nos a cumprir as instruções do nosso treinador», disse o espanhol revelando um bocadinho da verdade sobre tão aparentemente sofrida vitória.
Mas, para ganhar em Alvalade aquela mini-crise com a Naval poderá não chegar… E foi preciso inventar outra, relativamente maior, que causasse impacto, que fizesse esquecer por toda a semana a vantagem de 11 pontos com que o Benfica se vai apresentar no campo do seu velho e histórico rival.
E, então, lá se perdeu o jogo em casa com o Vitória de Guimarães, para a Taça. Pois se era preciso inventar uma crise… tinha de ser uma crise que se visse.
Agora os papéis inverteram-se, com grande alívio para Jorge Jesus.
Quem está pior é quem ganha? Nesse caso, ganhamos nós porque o Sporting está em grande. Tem um treinador novo, portanto beneficia do impacto positivo da chicotada psicológica, e vem de uma vitória retumbante sobre os Pescadores da Costa de Caparica, beneficiando da alta moralização que lhe confere a proeza de ter conseguido dar a volta ao resultado já que ao intervalo perdia por 1-0. E a coisa não parecia nada fácil.
Quanto ao Benfica, vai entrar em Alvalade em crise com 11 pontos de avanço porque Luisão teve uma apendicite, o Chelsea desistiu de Di María e, finalmente, por causa do adeus à Taça de Portugal.
Curiosamente, não me sinto minimamente optimista.
No histórico da sua carreira passada, ao serviço de outros emblemas menos sonantes do que o do Sporting, Carlos Carvalhal só por uma vez ganhou ao Benfica. Aconteceu na época de 2004/2005, quando Carvalhal era treinador do Belenenses e aplicou, no Restelo, ao Benfica de Giovanni Trapattoni uns sonoros 4-1. Nessa época o Benfica acabou por ser campeão…
Pronto, regressou-me o optimismo.

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