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20 julho 2009

Entrevista a Simão Sabrosa no Jornal "A Bola"


«Claro que gostava de voltar ao Benfica»

Entrevista de João Bonzinho in A Bola

MADRID — Duas épocas em Espanha, duas vezes 4.º com o Atlético de Madrid. Expectativas para este ano?
— Mantenho a expectativa que já tinha para a última época,
porque já devíamos ter terminado a Liga no 3.º lugar. Pela equipa que temos, pelo grande esforço que o clube fez para ter um grupo tão forte, pelo que jogámos em boa parte do campeonato, devíamos ter ficado em 3.º e não terminado em 4.º, com aquele sofrimento todo para nos qualificarmos para o play-off da Liga dos Campeões, numa guerra com o Valência e com o Villarreal, por exemplo, que acabaram de fora.
Conseguir o acesso directo para a Liga dos Campeões é o grande objectivo. Em Portugal estava habituado a jogar para ser campeão, mas agora, no actual momento do Atlético de Madrid, o grande objectivo tem de ser entrar directo na Liga dos Campeões, a grande competição europeia de clubes e a prova na qual todos os jogadores querem estar.

- Quer dizer que o Atlético não pode ambicionar mais na Liga espanhola?
- Não, não quer dizer isso, porque se o clube continuar com esta aposta, a trabalhar como está a trabalhar, mantendo a base da equipa, que é o mais importante em todos os clubes, dentro de dois/três anos pode perfeitamente estar a lutar pelo título. Mas neste momento o Barcelona tem uma vantagem considerável sobre os adversários, porque tem uma equipa formada, com muitos jovens que cresceram no clube, e um futebol fantástico. O Real Madrid, por seu lado, está a querer reconstruir uma grande equipa e vamos ver o que vai conseguir fazer já este ano. Seja como for, o Atlético deve ambicionar tudo, com a noção de que o seu objectivo principal é, no imediato, entrar na Liga dos Campeões.

- Foi importante para o Atlético mudar de treinador, trocando Javier Aguirre por Abel Resino?
- Para a equipa acabou por ser. Até porque alguns jogadores, não digo que estivessem acomodados, mas precisavam de um abanão. Mudar de treinador provoca muitas vezes esse tipo de reacção numa equipa, cria-se uma espécie de primeiro momento, alguns parecem começar do zero, e quando isso acontece a equipa acaba por beneficiar desse abanão. No caso do Atlético de Madrid, a mudança de treinador espevitou a equipa.

- Abel Resino é uma velha figura do clube, é um antigo guarda-redes do Atlético de Madrid. Isso faz-se notar de algum modo particular?
- É sempre importante quando o treinador conhece a casa, conhece o clube, sabe como ele funciona e como as pessoas reagem à sua volta. O nosso treinador conhece, por exemplo, a mentalidade dos adeptos, sabe como vamos ser recebidos nesta ou naquela circunstância, e como eles se comportam.

- Está arrependido de ter saido do Benfica? Tem saudades?
- Nunca devemos arrepender-nos destas decisões. Claro que existe aquela saudade. Foram seis anos muito bons, nos quais consegui mostrar realmente o meu valor. Estive muito anos no Sporting na fase de formação, apenas dois anos como profissional, e por isso foi no Benfica que vivi a minha grande afirmação como profissional de futebol.
Tive momentos muito bons e alguns momentos maus, como todos os profissionais, mas os momentos bons que tive no Benfica foram excepcionais, ajudaram-me a crescer e a tornar-me melhor jogador. O facto de ter sido capitão muito jovem também foi muito importante para o meu crescimento. Tenho a certeza de ter conquistado as pessoas do Benfica.

- Como recorda hoje os primeiros tempos no Benfica?
- Não foram fáceis. Recordo perfeitamente que nos primeiros seis meses senti dificuldades, de vária ordem, e custou-me um bocadinho voltar a adaptar-me ao futebol português. Digo isso porque no primeiro ano no Barcelona, o treinador Van Gaal quis mudar a minha forma de jogar. Eu era um jovem que pegava na bola e gostava era de ir num um contra um, estava naquela idade de querer fintar, e quando cheguei ao Barcelona Van Gaal quase me obrigou a jogar sempre a dois toques.

- Mas até que ponto foi Van Gaal importante na sua evolução como jogador?
- Muito importante. Devemos tirar sempre o melhor que podemos de qualquer treinador. No fundo, todos eles têm coisas boas. Aprender é um acto de inteligência, mostra que queremos evoluir. E eu felizmente tive grandes treinadores. Van Gaal era um treinador que trabalhava muito bem no campo. Ele preparava treinos fantásticos, quase sempre com bola, que José Mourinho executava. Com eles, evolui muito tecnicamente. Tínhamos treinos só de técnica - controlar a bola, passá-la, centrá-la, rematá-la. Hoje, sou melhor jogador também graças a essa aprendizagem no Barcelona.

- Primeiro ano difícil em Barcelona mas, pelos vistos, muito útil...
- Sim, difícil, porque Figo e Rivaldo eram os titulares, e não joguei o que gostaria de ter jogado. No segundo ano, já sem Figo, fui praticamente titular com o treinador Serra Ferrer. E só não joguei na parte final porque me lesionei e a troca de treinadores (Ferrer por Resaxch) também não me beneficiou. Foi, aliás, também isso que me fez decidir sair de Barcelona. Há pessoas que pensam que fui dispensado, mas não. O Barcelona estava um pouco instável, tinha trocado de treinador, tinha trocado também de presidente, e eu é que pedi para sair, porque sentia que iria voltar a viver um período muito difícil.

- E lá apareceu o Benfica...
- Apareceu o Benfica mas também o Sporting, só que o Sporting acabou por desistir, porque queria que o Barcelona me emprestasse e o Barcelona só queria vender-me. Vim para o Benfica porque o Benfica era o único clube que aceitava pagar o que o Barcelona pedia. Como profissional de futebol, apesar do carinho especial que tinha e tenho pelo Sporting, não podia deixar de aceitar o convite do Benfica. Houve pessoas ligadas ao Sporting que pareceram não entender isso, mas não ia ficar sem jogar, não é?...
A verdade é que vim a passar seis anos fantásticos no Benfica, não ganhando o que queria ganhar, eu e o clube, mas que me deixaram muitas, muitas saudades.

- Continua a sofrer pelo Benfica?
- Agora sofro de maneira diferente. Vejo os jogos sempre que posso, em casa, faço as minhas críticas, como todos os adeptos [sorri], porque agora sou um adepto e vibro e comento como tal, é normal [sorri de novo]. Mas tenho saudades, sim, saudades de jogar na Luz. Tocou-me muito despedir-me do Benfica. Recordo que na sala de imprensa, quando me despedi, chorei. Foram seis anos muito bons.

- Balanço destes dois anos em Madrid: como foi a adaptação à vida espanhola?
- Voltou a não ser fácil porque vivi sempre com a família durante os anos em que estive no Benfica. Tinha as minhas rotinas. Estava habituado a ir buscar a Mariana à escola, e o Martim, a levá-los, enfim, tudo aquilo que um pai faz. Quando vim para Madrid optámos por dividir a família, porque a Mariana começou na 1.ª classe.Felizmente, correu tudo muito bem, a Mariana é uma óptima aluna, tem excelentes notas, e acho que valeu a pena a dificuldade, para mim e para eles, da distância. Mas não é fácil, realmente, estar longe deles, é um silêncio enorme em casa... Aos poucos, com a competição, muitas vezes com dois jogos por semana, vamos superando essa ausência. Além disso, eles vêm muitas vezes a Madrid, quase sempre que jogamos em casa, de quinze em quinze dias

- Como é a relação da Mariana, já com 8 anos, com o futebol e com a profissão do pai?
- Tem a noção exacta de tudo. Fica orgulhosa quando pedem autógrafos ao pai. O Martim, que faz os 6 anos em Setembro, não tem ainda a noção do que o pai faz. A Mariana sim, e ao mesmo tempo sente muito o afastamento. Ainda no outro dia perguntava porque tinha de partir outra vez para Madrid. Voltei a explicar-lhe e ela saiu-se com esta: 'Ah, era muito melhor quando jogavas no Benfica'. Até me comovi.

- E gosta de ver os jogos?
- Gosta muito, fica super atenta e pergunta tudo, porque perdemos, porque fiz assim ou assado. Gosta de estar a par de tudo, mostra muito interesse naquilo que o pai faz e eu adoro explicar-lhe, porque todos esses momentos são únicos. E tão depressa não esqueço ela ter dito que era muito melhor quando estava no Benfica... Senti um aperto no coração quando a ouvi, mas é a pensar no futuro deles que também aceitamos estes desafios.

- Mas a sua vida aqui estabilizou; vive numa zona tranquila...
- Sim, vivo mesmo ao lado do centro de treinos. Quando estava no Benfica, tinha que acordar muito cedo; vivia em Cascais, tinha de ir para o Seixal e demorava sensivelmente hora e meia. Aqui, até porque estou sozinho, optei então por viver mesmo ao lado do trabalho, numa zona tranquila.

- Gosta de viver em Espanha?
- Gosto, gosto. A adaptação à vida espanhola foi fácil.

- E à comida?
- Também. Come-se bem em Espanha e a comida não é muito diferente da nossa. Não é que vá todos os dias ao restaurante, porque não vou, aliás, como a maior parte dos dias em casa porque tenho de cuidar da minha alimentação, mas há muitos bons restaurantes.

- Quem lhe faz a comida?
- Uma empregada. Mas às vezes faço eu ao jantar...

- E gosta de cozinhar?
- Desenrasco-me. Coisas que não sejam muito difíceis e que têm a ver com a alimentação que preciso, massas, frango grelhado, sopa, saladas, arroz, e, sim, gosto de o fazer. Sempre me cuidei ao máximo. Alimentação e descanso são fundamentais para um profissional de futebol. Há, aliás, três coisas essenciais nesta profissão: treinarmos bem, alimentarmo-nos bem e descansarmos bem. É tão importante treinar bem como descansar bem.

- Isso ajuda-o a não ter lesões...
- No primeiro ano aqui, em Madrid, até tive algumas a que não estava habituado, e sofri um bocadinho, sobretudo porque queria jogar rápido e complicava a recuperação. Mas a época passada correu-me sem problemas, tive apenas uma lesão, num jogo contra o Getafe, quando o Casquero caiu em cima do meu joelho direito...

- Casquero? Não foi com Casquero que Pepe teve aquela infeliz cena no final do campeonato?
- Sim, foi com ele.

- Que comentário lhe sugere o que aconteceu?
- Mandei uma mensagem a Pepe logo a seguir àquele jogo. Não quis ligar-lhe porque acho que naquele momento não apetece falar com ninguém. Fiz questão de lhe mandar uma mensagem a que ele me respondeu, uma mensagem de apoio, a dar-lhe força. Até no meu balneário, quando os jogadores me perguntavam como foi possível ele ter feito aquilo, fiz questão de dizer que o Pepe é um extraordinário rapaz, um jovem muito tranquilo, um jogador muito respeitador, que não cria confusões com ninguém, super divertido. É muito difícil explicar o que aconteceu, mas ele não é nada daquilo, nada agressivo, nada do que as imagens deixam entender. Acredito que nem ele próprio conseguirá explicar o que lhe passou pela cabeça.

- Estava a ver o jogo na TV?
- Sim, estava a ver em directo.

- Pensa que Pepe vai superar facilmente a situação?
- Sim, sem dúvida. As pessoas adoram-no no Real Madrid, sabem do valor dele, é um dos melhores centrais do campeonato espanhol. É um jogador muito forte fisicamente, foi apoiado pelos companheiros e pelo clube, e as pessoas praticamente já esqueceram o que aconteceu. Pepe voltará a jogar ao seu melhor nível.

- A sua adaptação ao futebol espanhol foi mais fácil ou difícil do que esperava?
- Foi boa, ao futebol espanhol e ao clube. O Atlético de Madrid é um clube grande em Espanha, e aqui é como se todos fossemos uma só família, conhecemo-nos todos, jogadores, funcionários, directores, todos, e estamos muito próximos. Os jogadores novos são muito bem recebidos, muito acarinhados pelos mais velhos que já cá estavam, e isso é muito importante, era o que fazíamos no Benfica. Saber receber os que chegam é fundamental para o espírito do grupo, porque a adaptação de quem chega é sempre um pouco mais difícil, aos métodos de trabalho, ao clube, a uma nova cidade. Quanto mais rápido um novo jogador se adapta, mais rápido a equipa beneficia dele.

- Como viu esse louco movimento à volta da chegada de Cristiano Ronaldo ao Real Madrid?
- Tudo o que foi montado em volta do Cristiano vai fazer com que ele tenha muito mais pressão do que já iria ter. Mas ele também já está habituado à pressão, saiu muito novo quando foi para Manchester e rapidamente conquistou as pessoas. O futebol espanhol é, porém, diferente do futebol inglês, e ele vai ter que ser muito forte psicologicamente para aguentar tudo. Sabe que se já era notícia em Manchester, aqui vai ser muito pior, vai ser notícia por tudo e por nada, bastará respirar. Espero que ele consiga atingir tudo o que deseja e que consiga corresponder às expectativas elevadas.
No Manchester, julgo que a equipa estava montada para ele, aqui no Real vai encontrar uma equipa nova, que ainda está a ser construída, e toda a gente vai ficar à espera do que ele vai fazer. Espero que se as coisas correrem mal não o culpem a ele, ou pelo menos só a ele. Já se sabe que é mais fácil culpar um jogador que custou 94 milhões do que outro que já está no clube há um par de anos. Mas acredito que o Cristiano vai ter sucesso porque é um jogador com muita qualidade. Acredito que esteja preparado psicologicamente para todo este tremendo desafio, mas deve saber que isso requer uma preparação quase diária. Aqui vão esperar que ele seja o melhor marcador, que decida todos os jogos, vão cair sobre ele as comparações com Messi, o que faz um, o que faz outro, vai ser uma pressão constante. Não vai ser fácil mas acredito que triunfará.

- Satisfeito com o seu rendimento até agora?
- Nesta segunda época, sim, claro que podemos dar sempre mais, mas neste segundo ano fui já o Simão que era no Benfica. Marquei menos golos, é certo, marquei dez golos, mas também jogo agora numa posição diferente e sobretudo com funções um bocadinho diferentes. No Benfica, com Fernando Santos, tinha muita liberdade, jogávamos com o losango e eu por trás dos dois avançados, e às vezes até mesmo a avançado, numa posição que também gosto. Aqui estou mais encostado à linha, a pensar mais na equipa, ataco mas também defendo muito mais. Tenho de estar sempre em movimento e sempre disposto a atacar e a defender. Também gosto de o fazer, já estou habituado e sinto-me bem. E no final de cada jogo gosto de saber quantos quilómetros corri, quantas bolas recuoeri, enfim...

- E quantos quilómetros corre em média por jogo?
- Entre 11 e 12 quilómetros. É muito para um jogador com as minhas características, na minha posição, como extremo. Só faço esses quilómetros porque tenho de ajudar muito a defender, e é verdade que por vezes sinto que me falta alguma frescura para atacar, mas já estou habituado a esta forma de jogar e tento melhorar o rendimento.

- Mesmo com mais dois anos e contrato com o Atlético, passa-lhe pela cabeça voltar ao Benfica?
- Claro que passa, mentiria se dissesse que não. Mas tenho mais dois anos de contrato e não quero voltar ao Benfica para acabar a carreira. Gostava de regressar para ser uma mais valia, e se tiver de acabar a carreira no Benfica acabo mas só depois de voltar a jogar com total condição, sendo mais valia para a equipa. De contrário, não. Vou fazer 30 anos mas tenho ainda mais seis/sete anos a bom nível. E nunca voltarei ao Benfica a pensar na reforma.


- Quatro/cinco anos no estrangeiro são suficientes para si?
- Acho que sim. Já ouvi alguns rumores sobre o Atlético querer renovar contrato comigo, mas até hoje ninguém falou de nada, são apenas rumores que se ouvem aqui ou ali.. Tenho mais dois anos de contrato, estou feliz, nunca escondi que gostaria de um dia jogar em Inglaterra, e se vier a renovar pelo Atlético acredito que isso já não venha a suceder. Mas nunca se sabe. E reafirmo que gostaria também de voltar ao Benfica. Veremos.

- Porque não foi para o Liverpool em 2005?
- Porque o presidente Luís Filipe Vieira não quis. Por momentos, chegou a parecer que o acordo entre os dois clubes estava feito mas em poucos minutos tudo se desfez.

- É verdade que chegou a estar dentro de um avião para partir?
- Não, dentro do avião não estive. Mas estive à porta do aeroporto, dentro de um carro, à espera. Lembro-me que estava num estágio da Selecção, mister Scolari deu autorização para sair porque era o último dia de inscrições e se fosse para o Liverpool tinha de viajar, fazer exames médicos, assinar e ser registado o contrato até ao final da tarde desse dia. Mas o presidente do Benfica não autorizou a minha ida.

- E porque não foi para o Valência no ano seguinte?
- Nesse caso foi porque eu não cheguei a acordo com o clube. Só isso. Viajámos para lá, o presidente do Benfica fez o acordo mas eu não. E voltámos para Lisboa.

- Esteve seis anos no Benfica, conhece bem a realidade do clube. Apesar de tantos investimentos, o que lhe parece, porque não tem o Benfica conseguido conquistar mais títulos nos últimos anos?
- Não é fácil falar. Fui capitão, tenho lá muitos amigos, muitas raízes. Não é fácil e não quero ser mal interpretado. No futebol é preciso medir bem as palavras que vamos dizer e por vezes somos criticados por sermos sinceros. Mas acho que o Benfica tem de criar a sua estabilidade, criar novamente uma base de jogadores onde assente essa estabilidade. É preciso dizer que o presidente Luís Filipe Vieira fez um grande trabalho no Benfica, fez o centro de estágio, que era essencial, deu credibilidade ao clube, em Portugal e no mundo, e todos sabemos como o Benfica estava e como tem hoje condições fantásticas, do melhor que há.
Mas os adeptos não ficam satisfeitos só com isso, os adeptos querem títulos. Também estive lá alguns anos sem ganhar nada, e depois conquistámos um campeonato, uma taça e uma supertaça, e no meu entender acho que também foi pouco. O Benfica tem pois de criar estabilidade para fazer frente ao FC Porto, que há muito tem no essencial uma estrutura estável. Espero que rapidamente o Benfica o consiga e tenho a certeza que o presidente vai continuar a fazer tudo para dar essa estabilidade ao clube. É preciso criar nova estrutura de jogadores importantes, mantê-la e ir depois retocando. A época passada só lá estavam três ou quatro jogadores do meu tempo.

- Vive-se uma pressão diferente no Benfica?
- No Benfica a pressão é muito maior do que na maioria dos clubes, o Benfica é um clube muito emocional, é o clube que vende, é o clube de que todos falam, adeptos ou adversários. Num certo sentido, comparo muito o Benfica ao Atlético de Madrid, onde se passa facilmente do 80 poara o 8 e vice-versa. Fazemos um jogo muito bom e logo vamos ser campeões, fazemos um mau e já ninguém presta. No Benfica, há pressão de todo o lado, até da própria imprensa. As capas dos jornais não são quase sempre sobre o Benfica?

- Vem aí o seu regresso ao Estádio da Luz [amanhã] e será a primeira vez que lá joga com outra camisola. Como vai ser?
- Ainda nem pensei muito nisso. E é melhor nem pensar. Verei no momento o que vou sentir. Acredito que serei bem recebido, por tudo aquilo que fiz no Benfica. Julgo que as pessoas gostam de mim e não ficaram chateadas pela minha decisão de sair, porque sabem que o fiz a pensar no futuro da minha família. Mas só quando entrar na Luz saberei como vou sentir-me.

- Como é a sua relação com os adeptos do Benfica?
- Muito boa. Sempre que poso vou lá ver jogos. Começam a cantar e pedem-me para regressar.

- Que jogos viu na Luz mais recentemente?
- Fui ver o Benfica-Sporting da época passada, no qual o Reyes marcou um golo.

- Qual a melhor recordação que tem da Luz?
- Quando fomos campeões e chegámos a Lisboa, para festejar com os adeptos, e encontrámos o estádio cheio Uma loucura inesquecível. Todo aquele dia foi especial. O Benfica é um clube fantástico, e quando ganha os adeptos são imparáveis.

- Há quem defenda que um título ao Benfica já não chega...
- Compreendo. Quando ganhámos em 2005 também pensámos que no ano seguinte seríamos de novo campeões. E voltamos à questão: em tudo é preciso estabilidade, até no treinador. Fomos campeões com Trapattoni mas logo ele saiu. Depois veio o Koeman e tudo recomeçou, a adaptação ao treinador, adaptação do treinador aos jogadores e ao clube, depois o novo treinador quer contratar outros jogadores... Enfim. É preciso dar tempo. O Benfica precisa de manter um treinador, de encontrar a pessoa certa, e dar tempo. Espero que seja Jorge Jesus, que conhece o Benfica e a história do Benfica, e conhece bem o futebol português.Com ele, acredito que o Benfica possa começar a encontrar o caminho.

- É sócio do Benfica?
- Sou sócio e tenho dois lugares no estádio.

- E os seus filhos?
- Não são, mas vou fazê-los sócios. Eles não têm de ser do Benfica ou do Sporting porque o pai é, devem sê-lo por gostarem de um clube, e eles gostam do Benfica, eles é que decidem. Por isso vão ser sócios. Além disso, quando for presidente vou precisar dos votos deles... [gargalhada] Estou a brincar, mas nunca se sabe... Os dois lugares no estádio estão em meu nome mas obviamente são da Mariana e do Martim.

- Foi só a brincar ou admite ser alguma coisa no Benfica que não jogador de futebol?
- Neste momento não penso nada disso.

- Mas admite ou não?
- Gostaria... mas não penso nisso. Quero continuar a jogar futebol ao mais alto nível, sem lesões, e poder um dia regressar como jogador ao Benfica, nas minhas melhores condições. E depois, como se costuma dizer, o futuro a Deus pertence... mas com o nosso trabalho.

- O Benfica volta a reforçar-se bastante. Pode discutir o título esta época?
- Vou torcer por isso. O Benfica como grande clube que é tem de lutar sempre pelo título. E acredito que encontre melhores condições para o fazer esta temporada. Por ser o campeão, o FC Porto parte com alguma vantagem. Mas é um recomeço e todos estão a zero. Sporting, Benfica, FC Porto, sobretudo, estão sempre na luta, mas atenção a Braga e agora Nacional da Madeira, equipas que aproveitarão um deslize dos grandes.

- Já pensou como vai ser marcar um golo, agora, na Luz?
- Já comecei a receber mensagens de amigos a pedirem-me, a brincar, 'por favor não marques ao Benfica'... Como profissional, claro que se tiver oportunidade tentarei marcar. Mas ainda bem que é um jogo amigável. Se marcar não festejarei. E espero que seja uma grande festa para todos. Para mim vai ser de certeza porque é o meu regresso ao Estádio da Luz. Mas vou tentar ser eu mesmo.
Como apurar a Selecção Nacional?
Simão Sabrosa diz que todos estão conscientes das dificuldades. Fala no divórcio dos adeptos e de como é a equipa que tem de os recuperar


- E a Selecção? Não está nada fácil chegar ao apuramento para o Mundial...
- Temos consciência do momento em que estamos e do que precisamos fazer para estar no Mundial. Não vai ser fácil, ainda no último jogo só vencemos no último minuto quando já estávamos todos desesperados. Mas vamos jogar contra a Hungria e Dinamarca cheio de vontade de vencer. Temos de vencer.
Temos consciência do que de mau fizemos e do que é preciso melhorar e aonde queremos chegar. Não basta conversar. Temos nível superior aos adversários e merecemos estar no Mundial mas é preciso prová-lo em campo. Enquanto for possível vamos lutar. Claro que queríamos ter mais pontos. Ninguém mais do que nós o queria. Sabemos que era impensável perder aquele jogo com a Dinamarca em Alvalade. Era impensável empatar em Braga com a Albânia. Mas esperamos que venha agora um momento bom e que consigamos estar ao melhor nível. Não a cem por cento mas a 200 por cento.

- As pessoas divorciaram-se da Selecção?
- Sentimos isso um bocadinho, é verdade. Temos de as reconquistar novamente. O que fizemos no passado traduziu-se numa imensa festa e essa festa agora esfriou. Temos de ser nós, ganhando, a trazer os adeptos de volta à Selecção. Independentemente de jogarmos bem ou mal, agora o mais importante é ganhar. De qualquer maneira. Como na Albânia, com o Bruno Alves a avançado e a dar tudo por tudo como naquele último minuto. Se não tivéssemos ganho aquele jogo teríamos as nossas férias completamente estragadas, ninguém duvide...
O OUTRO LADO DE SIMÃO

O inesquecível golo em Liverpool

- Prato preferido?
- Bacalhau à Brás. Mas gosto de muitos outros. Gosto muito de massas, por exemplo.

- Comida espanhola?
- O Chuleton, uma costeleta enorme, uma carne maravilhosa. E gosto de um bom arroz, de uma paella de qualquer coisa.

- Vê muita TV?
- Portuguesa.

- Programa?
- Sempre que posso acompanho o programa do Luís Miguel Pereira na SportTV. O Luís é um amigo e sempre que posso gosto de acompanhar o seu trabalho. E os Gato Fedorento. Sou amigo deles, são quase todos do Benfica... [riso]

- Gosta de ver futebol?
- Gosto.

- E adormece?
- Com o futebol italiano, às vezes [gargalhada]. Dá às duas da tarde, a seguir ao almoço, sempre dá aquela moleza [nova gargalhada]...

- Relação com a imprensa desportiva em Espanha?
- Óptima relação. Sou um jogador acessível. No Benfica, talvez não fosse tanto pelas regras que o clube tinha. Regras diferentes. Aqui é tudo mais aberto, dão liberdade para falar, devemos apenas dar conhecimento do clube. Em Portugal há muito aquela ideia da contenção verbal, do blackout, os clubes querem controlar mais, mas é importante darmos trabalho aos jornalistas para que eles não tenham que inventar. Vivemos do que fazemos e os jornalistas vivem do que nós fazemos. Precisam de ser alimentados e é importante que os jornais falem promovendo os clubes, o espectáculo, os jogadores e o futebol.

- Música preferida?
- U2, e a voz de Bono Vox., essencialmente. Gosto de hip-hop. Gosto dos Da Weasel, ouço muita música portuguesa.

- Bebida?
- Água.

- Um filme?
- Braveheart, com Mel Gibson.

- Um actor?
- Mel Gibson.

- Uma actriz?
- Angelina Jolie.

- Um estádio?
- O Estádio da Luz.


- Melhor golo que marcou?
- Ao Liverpool, pelo Benfica, em Anfield Road, em Março de 2006.


- Um sonho?
- Voltar a ser campeão nacional.

- Uma equipa que goste de ver jogar?
- Barcelona.

- Um jogador não português?
- Levado pela onda, diria Messi. Mas não, vou pelo Iniesta. Joguei com ele, conheço-o, é um jogador absolutamente fantástico.


- Jesualdo Ferreira é um treinador seu bem conhecido. Com ele trabalhou muito tempo nas selecções, nos sub-21, e no Benfica. É o primeiro treinador português tricampeão nacional no FC Porto. Um comentário:
- Sempre falei do professor em entrevistas, quando o defrontei, etc, nunca tive problema em falar dele, só tenho é pena que ele por vezes não diga o que sente em relação a mim. Talvez por ser treinador do FC Porto e as pessoas do FC Porto não gostarem de mim, Talvez tenha ali uma barreira que o impeça de falar naturalmente de mim. Mas eu sempre falei bem dele, e repito, é um grande treinador, com provas dadas, e fico contente por ele. Sempre me ajudou muito, ajudou-me quando cheguei ao Benfica, foi meu treinador na selecção de sub-21, sempre joguei com ele. Teve azar no Benfica e não conseguiu resultados, e foi certamente mais fácil consegui-los no FC Porto pela tal estrutura estabilizada que encontrou. Felicito-o mais uma vez por ter sido outra vez campeão, só tenho pena que não o tivesse podido ser no Benfica.
Quando a tragédia lhe bateu à porta
Simão perdeu um sobrinho (filho mais novo do seu irmão Serafim) em condições trágicas. Mas fala disso com enorme coragem. «É preciso olhar em frente»

- Viveu enorme tragédia [o falecimento dum sobrinho, filho mais novo do irmão Serafim] ainda antes de terminar o campeonato. Como lidou em Espanha com tudo isso?
- Jogando. Foi a única maneira. Custa-me muito estar longe do meu irmão e restante família depois do que aconteceu. Ele perdeu um filho que era a alegria da casa, eu perdi um sobrinho que era como se fosse mais um filho, a família perdeu uma criança muito querida. Parti de imediato quando soube do que acontecera, e quando regressei a Espanha o treinador perguntou-me o que queria fazer. Disse-lhe que queria jogar. A única maneira de irmos vencendo a dor é retomarmos aos poucos a nossa vida. É o que têm conseguido fazer o meu irmão e cunhada, apesar de sempre com acompanhamento psicológico. Eu e a minha mulher, Filipa, também tivemos de explicar aos nossos filhos tudo o que acontecera a conselho dos psicólogos. É muito difícil mas ao mesmo tempo é bom falar diso. Precisamos de olhar em frente, sentindo as tremendas saudades, mas continuando a vida, porque outros precisam de nós. Gostava de estar perto, ali ao lado do meu irmão, mas ele sabe que estou com ele mesmo a muitos quilómetros de distância.

2 comentários:

Jogadores como este já não se fazem!

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