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06 fevereiro 2011

Minha amiga Vanessa


Não tivesse eu uma testemunha, acima de qualquer suspeita, jamais arriscaria confidenciar-te que estive a falar sobre ti, horas antes de tomares a decisão de suspenderes a prática desportiva. Foi exatamente por estranharmos a tua ausência que questionamos as razões para tão demorada recuperação da forma que te tornou a mais conceituada triatleta do mundo. Na última vez em que nos cruzámos, no Instituto Piaget, em Canelas, paredes meias com a tua casa, senti-te mais desinibida, confiante até, do que era costume. Disseste-me, recordo-me na perfeição, que necessitavas de vagar para ti. Era excessivo o tempo que tinhas dedicado à alta competição, desde os 15 anos, e a impaciência superava as corridas, as braçadas e as pedaladas.

Augurei-te um retemperado sossego, para que, no futuro, soltasse novo grito de satisfação após ver-te a cruzar a linha de chegada de braços no ar, de semblante tímido e têmpera de campeã. Sempre que te cito, como exemplo, lembro-me dos milhares de quilómetros que percorreste, das negas para saíres da cama dadas ao Venceslau, do tempo investido no treino ao invés de curtires a noite, namorares, apanhares uns pifos, gritares sempre que te apetecesse, tocar às campainhas e fugir, eu sei lá... um sem-número de travessuras de um adolescente comum, de uma E.B. 2,3 qualquer, de uma freguesia de Vila Nova de Gaia.

Porém, a tua fibra é de quilate raro. Daquela que produz a loucura no mineiro quando encontra uma pepita invulgar. Tens o instinto felino da bela chita quando caça a sua presa. És metódica e precisa como qualquer relógio suíço de apurada mecânica. E principalmente, és arrebatadora de corações. Milhares de homens e mulheres, de crianças, que um dia ansiavam ser como tu. Nem é tanto a inebriante fama (como ela pesa nos ombros e nos esmaga com responsabilidades), é o teu dom.

Tu desfazes o cansaço em sorrisos humildes, envergonhados por vezes por usares aparelho, galgas milhas de alcatrão numa suavidade desconcertante, nesse teu corpinho esguio, próprio de uma atleta refinada. E confesso, que quando nadas dificilmente te vislumbro, mas descanso porque sei que estás por ali. Entre as primeiras, disfarçando o teu inconveniente sector. Na bicicleta desconfio que fazes batota, tal a combinação herdada pela genética. Tu sulcas o vento como se a inércia fosse permanentemente tua aliada.

Compreendo que não nos queiras desiludir e apenas pretendas competir ao mais alto nível. Reconheço que 20 vitórias na Taça do Mundo de Triatlo, títulos mundiais já lhes perdi a conta, igualmente no Duatlo, ser número 1 da Europa em Sub-23 e no escalão sénior, uma medalha de Prata nos Jogos Olímpicos de Pequim e tantas outras conquistas, possam ser suficientes para considerares que a tua missão está cumprida. Desculpa então este meu pedido para não desistires. Este é o meu sincero desejo. Esta vontade de acreditar que qualquer português, desde que trabalhe, supere a dor, sustente o esforço, como tu consegues, e tenha o teu talento, atingirá o templo dos campeões. Daquele lugar mítico para onde querem voltar, Justin Henin e Ian Thorpe.

1 comentários:

Um sportinguista a elogiar um atleta encarnado só demonstra que o nosso SLB está muito acima das clubites.

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