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01 outubro 2010

Os melhores jogadores usam "relógio"


Este é dos momentos mais solenes para uma equipa de futebol e seus jogadores. A preleção do treinador antes do início do jogo. Será nesse espaço sagrado que começa a nascer o seu jogo e motivação. Ganhar coragem para atacar ou criar resistência para defender. É esta dicotomia defesa-ataque que acaba, muitas vezes, por ser mais confusa. Porque um dos piores sinais que uma equipa pode dar é quando, no final, se elogia apenas um desses fatores. Nasce assim a tal 'equipa defensiva' que parece só pensar em fechar a baliza ou o onze forte a atacar mas sem rigor a defender. Esta avaliação por compartimentos estanques também se aplica, muitas vezes, aos jogadores. Não faz sentido.

Conta-se que, um dia, quando um treinador chamado Hugo Arduzzo - personagem entre o real e o imaginário -, então no banco do recôndito Parejas FC, disse, empolgado, nessa preleção, que queria mais ambição, a jogadores a quem antes apenas pedia esforço, todos eles ficaram meio assustados. Gritava sobretudo com os defesas, queria que esquecessem as posições e, quando recuperassem a bola, saíssem como flechas para o ataque. Depois de algum silêncio, um deles, por fim, atreveu-se a perguntar: "Ok, mister, é uma boa ideia, mas... a que horas voltamos?"

Aquela equipa (jogadores) não estava preparada para pensar o jogo dessa forma. Unir defesa e ataque, ataque e defesa, controlar ritmos e timings do jogo. Ou corria de mais ou ficava quase parada. Ou seja, em campo, jogava sem 'relógio'. Por isso, a importância das chamadas 'transições', o momento em que os jogadores mudam o chip defensivo para o ofensivo e vice-versa.

Esta é a forma ideal de perceber o estranho caso do futebol de Fábio Coentrão que, mesmo passando, no último jogo contra o Sporting, para extremo-esquerdo continuou, em campo, a ser o melhor defesa-esquerdo da equipa, a sua posição anterior. O enigma resolve-se com a correta utilização do chamado 'relógio das transições' que, naquele jogo específico, tinha a nuance estratégica de travar o mais cedo possível (entenda-se o mais adiantado possível no relvado) o defesa-direito do Sporting muito forte a... atacar. João Pereira, claro. Estes dois jogadores sabem sempre a 'hora certa para voltar'.

Depois de observar Coentrão, sigam Varela no onze do FC Porto. Além de saber atacar e recuar quando a equipa perde a bola para fechar o seu flanco, o que mais impressiona ver no seu jogo é como quase parece parar em corrida. Esta última parte da frase parece um paradoxo. Pura ilusão. Como é, afinal, o jogo ilusionista de Varela que, quando avança com a bola, sabe sempre o timing certo de travar, a chamada temporização com a bola nos pés (como se parasse o tempo) e, em curtos segundos, voltar a decidir o que fazer, arrancar outra vez ou procurar jogar mais para zonas interiores. Além de um 'relógio', tem também uma 'bússola' em campo.

O ideal numa equipa é conseguir estender esta ideia à maioria dos seus jogadores. A melhoria do jogo do Benfica (vista contra o Sporting) passa muito por esse fator, sobretudo quando perde a bola e os jogadores têm de 'voltar' para defender (a tal transição defensiva). Depois, quanto maior for a velocidade com que faz essa transição, mais eficaz se torna em todo o jogo.

Tudo isto pode parecer uma análise demasiado técnica, mas basta seguir jogadores como Fábio Coentrão e Varela para perceber a reação assustada do jogador de Arduzzo. Porque não é fácil ter, no relvado, essa noção temporal dentro da vertigem (física e emocional) de um jogo. Por isso, os melhores jogadores são os que usam 'relógio'. Não são muitos no nosso campeonato, mas quando aparecem decidem os jogos.

A hora de Bento

Depois de tentar contratar um treinador (Mourinho) para dois jogos, a confirmação de um novo treinador (Paulo Bento) para dois anos. Entre estas duas estratégias para a seleção mediaram... dois dias. O futebol português (Federação) continua fiel à sua 'jangada de pedra'. Todas as decisões são meramente conjunturais. Continua sem se detetar um pensamento estrutural.

Paulo Bento assumiu o cargo de selecionador e logo na primeira conferência de imprensa cada frase saiu como uma afirmação de personalidade. Ou melhor, de tentativa de afirmação de personalidade. É importante que o faça dentro da equipa (face aos jogadores). É decisivo que o faça dentro do statu de poderes do futebol português (face à estrutura). Não está em causa a sua competência. Está em causa todo um processo que levou até ele num tempo e de forma quase circunstancial e que (injustamente) o torna, na hora da entrada, numa espécie de selecionador com 's' pequeno.

A comparação entre os estilos de Scolari e Queiroz, seus antecessores, leva, porém, a uma conclusão que funciona a seu favor: é muito mais fácil transmitir uma emoção do que uma ideia. O adepto não acredita mais em ideologias. Paulo Bento é, nesse contexto, um treinador de rosto "mais humano". Na forma como festeja um golo ou na forma como se enfurece com o árbitro que marca uma falta ao contrário a meio-campo. A ideia é... ganhar os próximos dois jogos. Emoções e ponto final.

A forma como enquadrou Carlos Martins e Varela, hoje referências de qualidade no nosso futebol, mas que, por razões diferentes (disciplinares e desportivas) não quis no Sporting, revela a astúcia de perceber que a mesma pergunta (jogador) em locais diferentes, pede respostas... diferentes. Desde o momento de forma do jogador, passando por questões pessoais anteriores agora descontextualizadas, até à ideia de jogo distinta que pretenda para a seleção.

E, assim, a cada frase, a cada jogo, dar passos decisivos para construir o tal "S" grande.

Um grito na relva

Quando um jogador alterna tanto o seu nível exibicional, entre "a luz e a sombra", acaba quase sempre por ser a 'sombra' a dominar a ideia que se tem dele. Durante muito tempo, penso que foi esse 'lado lunar' mais forte que dominou a carreira (e o jogo) de Carlos Martins, um temperamental por natureza, um talento por vocação. Chegou a ser visto quase como um 'caso perdido'. O Sporting (Paulo Bento) desistiu mesmo dele.

O aproximar da idade da razão futebolística (que situo entre os 26/27 anos) deu-lhe outra visão sobre o mundo e o futebol. Carlos Martins continua, claro, temperamental (reclama furioso por uma falta a meio-campo da mesma forma que grita contra um penalti no último minuto), mas o seu talento tem hoje, em campo, uma estrada tática e emocional mais equilibrada. No Benfica, tem o problema tático de muitas vezes jogar descaído de mais para um flanco. Como o talento, porém, aparece sempre em qualquer cenário, seja na luz ou na sombra, durante o jogo só resta esperar vê-lo surgir no melhor local (e momento).

Outro grito

No Sporting, existe outro jogador que coloca o seu (bom) futebol entre o caráter e o talento. Mais do que complementos, são, quase sempre, fatores de conflito. Penso em Vukcevic. Ninguém duvida que sabe jogar mas a ideia que fica, durante os jogos, sobretudo quando surge um grande plano seu, é que está a pensar numa coisa completamente diferente. Já disse mesmo que nem gostava de futebol e que era incapaz de se sentar a ver um jogo, nem que fosse a final da Champions. É uma personalidade quase indecifrável. O tipo de jogador que, numa equipa, em vez de ser "10+1", quer ser "1+10". É muito diferente. Porque nenhum jogador pode querer que a equipa comece por ele. O relvado é um território onde muitas vezes o jogador se sente... demasiado importante.

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