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14 agosto 2010

"Tráfico de emoções": o início - Por Luís Freitas Lobo


Por Luís Freitas Lobo in expresso

Futebol. Transmitir emoções é mais eficaz do que transmitir ideias. Para Benfica e FC Porto, a Supertaça vale por esse poder de comunicação.


Nenhuma equipa escapa aos frágeis equilíbrios do futebol, cuja habitual diversão é conspirar contra aqueles que buscam a perfeição. É, no fundo, um jogo que vive das ameaças e das esperanças que cria. Embora seja claro que é aos jogadores que, em campo, cabe o principal mérito de criar estas situações, também é verdade que, antes disso, está, muitas vezes, a ideia do treinador. A competitividade é uma qualidade prioritariamente espiritual. Só depois se torna puramente futebolística. A emoção com que se comunicam ilusões é o segredo de um bom início de época em torno de uma equipa. Ou seja: transmitir uma emoção é mais eficaz do que transmitir uma ideia. Para o treinador moderno essa capacidade de ser um "traficante de emoções" é fundamental para ganhar essa "primeira batalha".

Foi nisso que o FC Porto pensou ao contratar André Villas-Boas. Foi por esse caminho que Jesus começou a conquistar o universo benfiquista. Depois, claro, surgiu o "futebol verdadeiro". Para o novo dono do banco do Dragão falta a segunda parte do trajeto. Neste momento procura que a confiança faça disparar o talento de uma equipa que ainda vive presa a muitas dúvidas. A fase de aprendizagem tática que atravessa ainda não a ensinou a... sofrer. Isto é, nos primeiros jogos da época, o futebol que quis jogar foi sempre excessivamente aburguesado. Apenas destinado a momentos em que tinha a bola. No Benfica, Jesus tenta novas soluções para a mesma ideia de jogo. Isto é, não muda a forma de jogar, procura apenas criar alternativas para a forma de... atacar (ou construir jogadas de ataque).

Nestes processos de transformação (assente na manutenção das bases) e (re)construção (assente na alteração das bases) por que passam respetivamente Benfica e FC Porto, não é tempo para destaques individuais.

Sempre que ouço este tipo de elogios recordo o que, em todas as entrevistas, diz Di Stefano quando lhe pedem para falar dos seus tempos como melhor jogador do mundo: "Sim, mas eu não jogava só!", responde todas as vezes o mítico don Alfredo. Com esta simples resposta, Di Stefano estava, afinal, a afirmar, pelo raciocínio e valores futebolísticos que ela encerra, que era mesmo o melhor jogador do mundo.

Salvo as devidas proporções, penso nisto como uma parábola do que deve ser um grande jogador e uma grande equipa. Fim e princípio (a ordem é mesmo esta, não me enganei). Por vezes, vendo estes jogos de pré-época, fico com a ideia que os treinadores procuram a otimização dos movimentos. A tal "perfeição" que a ironia do futebol despreza. Porque as coisas acontecem (transformam-se) a uma velocidade desconcertante.

Nesta fase, Villas-Boas precisa mais disso do que Jesus. Atacar pelos flancos sem extremos é um dilema que invade as duas equipas. Cada qual o procura resolver à sua maneira. O FC Porto tenta encontrar a melhor composição (e dinâmica) do triângulo do meio-campo. Ao Benfica, no mesmo sector, falta saber quais os efeitos colaterais que a saída de Ramires irá causar no equilíbrio tático global.

Para Benfica e FC Porto (seus treinadores) ganhar a Supertaça, um simples jogo, simples 90 minutos que escondem o primeiro troféu da época, tem a força de uma "bomba anímica" com detonação fragmentada nos próximos meses.

Jogadores e ritmo

Primeiros passos na construção do novo FC Porto. Primeiros problemas: defesa e meio-campo. A saída de Bruno Alves abre um vazio de liderança no centro da defesa. Um problema de identidade genética azul-e-branca que sempre teve nesse espaço um central que transmitia caráter a todo o onze. No meio-campo, um puzzle de três peças (em 4x3x3) no qual Fernando é a base e onde todos olham para Moutinho. A exigência de ser o novo dono do sector não é um processo fácil. Na essência, Moutinho é um "construtor operário". Aquilo que mais me perturbava no Sporting era vê-lo correr... de mais. Não parar para pensar (e passar/executar). No FC Porto, em 4x3x3 terá de jogar com maior serenidade para receber, controlar e passar.

Nesta linha, também entra Ruben Micael, um jogador de qualidade que revela uma ansiedade (ia a escrever nervosismo) excessiva no jogo. Parece zangado com tudo o que o rodeia. Com esse estado de espírito decide pior as jogadas. Necessita, nesta fase, de um 'divã futebolístico'.

Como o ataque, com Hulk e Falcão, vive por si próprio, o problema construtivo deste novo FC Porto está, neste contexto, essencialmente em serenar competitivamente o seu meio-campo (Moutinho-Micael), garantindo-lhe ao mesmo tempo qualidade e intensidade de jogo (com circulação de bola). Perceber onde pode entrar Belluschi nesta equação é fundamental. Ele é o 'quarto elemento' de um puzzle de médios com 'três peças'. De todos, é o que decide mais serenamente. Será também, porém, o que corre menos. Se fizer correr a bola, isso não é, no entanto, problema. Pelo contrário, é solução e exemplo para os outros. Moutinho e Ruben Micael inclusive.

A segunda tática

Em busca de novas soluções de jogo (e criar novos problemas aos adversários), o Benfica desenhou na pré-época uma estrutura tática alternativa (esquema acima), dando uma nova ocupação de espaços ao ataque. O motor da mudança foi, sem Di Maria, o extremo clássico, encontrar outra forma de atacar pelos flancos sem ficar tão dependente (como ainda está) das subidas do lateral Coentrão.

No fundo, Jesus sentiu que tinha de dar outra capacidade de movimentação aos seus elementos ofensivos sem perder as referências anteriores. E, assim, o imutável 4x1x3x2 da época passada (que só mudava de rosto quando Saviola caía numa faixa) passou a surgir, de início, reciclado numa espécie de 4x1x2x3. Nas faixas, surgem, sobretudo, rápidos e com jogo de cintura, Saviola e Jara, que depois, na dinâmica de jogo, também surgem em zonas centrais perto do ponta-de-lança. Como elementos construtivos, Aimar tem agora a presença mais próxima de um criativo rebelde como Carlos Martins, que larga a ala direita e recua para pegar na bola.

Para manter sempre o equilíbrio defensivo permanece atrás o "1" do sistema, a âncora com rosto de trinco, Javi Garcia ou Airton. É um Benfica com maior capacidade de metamorfose tática que, sem perder o respeito pelas bases, torna mais multidimensional o seu jogo ofensivo. Perceber como pode fazer a equipa crescer em todos os sectores é um processo complexo.

A busca pela perfeição será, no futebol, sempre vítima daqueles que conspiram contra ela (adversários e 'vontade' da bola), mas grande parte do segredo competitivo de uma boa equipa está em saber entender esse processo de crescimento. É o que tenta este segundo Benfica de Jesus.

A infância de David

Um grande jogador faz-se com o decorrer do tempo mas há algo que está, desde o berço, na sua essência. É quase genético. Até na forma como atira a chupeta para longe já se pode ver que, no futuro, se bem trabalhado, pode estar ali um grande defesa-central. Se depois também sair pelo quarto com ela dominada, então é mesmo craque em potência.

Acredito que a infância de David Luiz foi passada assim. A primeira vez que saltou do berço já foi com a atitude com que hoje sai da área do Benfica para impor respeito no jogo. Os grandes jogadores têm um código genético imutável. Depois, é necessário perceber o talento que têm e como fazê-lo crescer. Para David Luiz, chegar à seleção brasileira é apenas o cumprir do destino marcado desde que saltou do berço para a relva.

Postiga não é Pelé

Será das coisas mais estranhas da história do futebol, mas um dos golos mais famosos da carreira de Pelé foi, em rigor, um que não entrou. Trata-se daquele célebre remate desde o meio-campo num jogo com a Checoslováquia no Mundial 70, ao ver o guarda-redes adiantado. A bola voou, voou e quando já parecia ir entrar, saiu mesmo a rasar o poste. Esse remate ficou mais famoso do que outras bolas que entraram.

Postiga não é Pelé. E nas últimas épocas ficou famoso pelos golos que falhou. Aos poucos, embora longe do que prometera no início da carreira, vai surgindo mais compatível com as balizas. Fez um golo aos dinamarqueses com a bola já na pequena área. Até que, de repente, reconquistou a fama de goleador num remate que não entrou. Viu o guarda-redes dinamarquês adiantado e tentou o golo com um remate do meio-campo. A bola voou, voou, tinha o destino da baliza, mas o guarda-redes conseguiu recuperar e desviou-a para canto. Nada de dramas. Para Postiga valeu tanto como um golo. Depois de falhar este, os que marcar (ou falhar) a seguir já não terão tanto impacto.


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