Por Luís Freitas Lobo in A Bola
É como, de repente, se antecipasse ao tempo. Como fica diferente o futebol sempre que o jogo (e a bola) anda perto de quem melhor o entende. O inverso, claro, também sucede. Antecipar a jogada, lendo o espaço e decidir a acção no mesmo instante. Quando um jogador destes aparece num jogo em que o bater do coração (acelerado e nervoso) da equipa ouvia-se desde a bancada, é como colocar um pacemaker na frequência táctico-cardíaca de todo o onze. Nessa atmosfera, a aparição de Rúben Amorim, sempre sensível a ler espaços, tocou o sistema nervoso da equipa. Com o atrevimento discreto que desenha todas as suas jogadas, descobriu por onde furar a primeira linha defensiva leonina e, subitamente, abriu uma clareira num jogo tacticamente amordaçado. Se, depois disso, a bola chega ao sítio eleito, a mensagem de bom futebol cumpriu o seu destino. É assim tão simples.
O Benfica encontrou a chave do jogo nas botas de um herói discreto, na repetição de um gesto táctico-técnico que ele já tinha desenhado na Choupana. Um jogador que entende o mecanismo colectivo em qualquer posição é, neste cenário de amarras tácticas, quase sempre decisivo. Entender todo o jogo, serenamente. Diferente de estar em todo o jogo, ansiosamente. Uma boa forma de distinguir Rúben Amorim e Carlos Martins e sua capacidade de transportar e transmitir mensagens. Um mundo onde também coexistem guerreiros puros, como David Luiz, outra forma de ansiedade, a de estar em todo o lado. Às vezes, vendo-o jogar, penso que a única coisa que o pode impedir de se tornar mesmo num dos melhores defesas-centrais do mundo é ele, no jogo, não se satisfazer em ser apenas isso. Quer ser muito mais, subir no terreno, levar a bola, atacar e nisso, muitas vezes, perde o seu ponto de origem. Tem, porém, sempre uma bússola que lhe indica, veloz, o caminho de regresso.
Quando um treinador sente a falta de um dos seus habituais titulares, o mais natural é procurar, no plantel, o jogador mais parecido com ele para, desta forma, reproduzir os mesmos princípios de jogo. Jesus terá visto isso em Eder Luis. É um erro de casting, porém, imaginá-lo a fazer os movimentos de Saviola. Rotinado em movimentos do 4x4x2 clássico, não tem dentro dele esses movimentos de avanço e recuo (antes tem os de flectir ou dar largura). Por isso, sentiu-se, noutro habitat, a mesma importância de ter (ou não ter) o jogador que antecipa o tempo e espaço. Porque a inteligência de jogo (que quando existe de verdade dentro de um jogador vai com ele para qualquer lugar ou sistema) sempre encontra uma saída. Quando entrou Aimar, entrou o poder hipnótico que salta os limites tácticos.
Acertar com os lugares e os movimentos é, em campo, obra dos jogadores, mas começa, primeiro, por nascer do pensamento do treinador. Nessa lógica, Rúben Amorim e Aimar, cada qual no seu lugar e estilo, anteciparam-se ao tempo. Rescreveram o jogo a partir da ordem táctica e da serenidade criativa. Não sejamos, pois, muito exigentes. Conformemo-nos com a perfeição.
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