Por Fernando Seara in A Bola
Eu estive lá. Nessa quinta-feira fria que se viveu na cidade dos Beatles. Recordando-os, diria que o estado de espírito que se viveu naquelas bancadas coloridas por muitos vermelhos, ou melhor, por vermelhos de muitos tons, variou entre o Imagine, o Let it be e o Give me peace at chance. Todos imaginámos, de um lado e do outro, que a qualidade das nossas equipas se evidenciaria no relvado e permitiria a passagem da eliminatória. Depois, todos entendemos que o jogo ganhou vida própria, fruto das muitas circunstâncias que se foram vivendo e reflectindo no comportamento das equipas e dos jogadores. Desde o primeiro golo — e que estranho que foi — à reacção do Benfica, ao segundo golo — que gelou a alma benfiquista —, ao fantástico livre de Cardozo — que tudo voltou a questionar —, à reacção final, calculista e fria, do Liverpool. E, finalmente, por entre tanta e tanta emoção, perante um jogo disputado e aceso, com domínio territorial do Benfica e a exuberante rapidez do contra-ataque inglês, todos aguardámos uma paz final, paz que enobreceu os contentores, dignificou as equipas e salvaguardou a honra internacional de clubes com um historial tão rico como aqueles que desfilaram na passerelle de Anfield.
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Eu estive lá. Com milhares de portugueses. Alimentando um sonho comum: o regresso do Benfica ao topo do futebol europeu. O resultado foi pesado demais para quem tanto porfiou. Ao contrário de muitos críticos, não vi nem apatia, nem menos apetrechamento táctico, nem poupança de esforço. Jorge Jesus montou a equipa com uma lógica perceptível. Tapar os flancos e contrariar o balanço do futebol do adversário. A força física e capacidade defensiva de David Luís garantia-lhe isso à esquerda e a polivalência e rapidez de Ruben Amorim, combinado com um Ramirez mais rotinado nas dobras defensivas do que Di Maria, assegurava-lhe esse desiderato à direita. Jesus sabia — e demonstrou sabê-lo — que o grande adversário do Benfica neste jogo seria a rapidez dos ingleses. Quis prevenir, reforçando o meio-campo e dando músculo às laterais. O problema, a meu ver, não foi, porém esse. Foi um Liverpool com uma exibição inteiramente conseguida e um Benfica exaurido de muitos jogos, pondo alma nas pernas e fazendo das tripas coração. Ver Luisão em manifesto esforço e sacrifício, como Cardozo, como Ramirez, como Javi Garcia, como Di Maria, dando tudo o que podiam, mas não podendo ultrapassar as debilidades humanas que lhes prendiam os músculos e lhes causticavam as pernas. Porventura à excepção de David Luiz, sempre em jogo e sempre em campo, sempre à procura da bola, sempre em velocidade, imune ao sofrimento e inconformado com o destino, o Benfica esgotou-se em campo. Jorge Jesus tinha avisado. 24 horas de repouso e recuperação teriam feito a diferença. E, demonstradamente, tinha razão.
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Eu estive lá. E vi o convívio entre os adeptos de ambos os clubes, a camaradagem entre claques, sem violência, sem crispação, sem azedume. Estavam ali para assistir e participar num grande jogo de futebol. Por isso, ouviam-se aplausos indiferenciados a jogadas de espectáculo, aos artistas que marcavam o seu talento desenhando lances e passes naquele tapete verde que recebeu intérpretes de eleição como tal reconhecidos por um público também de eleição. Assistir a esta vivência colectiva e contagiante — em que, no final do jogo, mais tristes uns, mais contentes outros, todos festejaram em conjunto a festa do futebol — num País e numa cidade que viveram, combateram e venceram o hooliganismo constitui um sentimento reconfortante e esperançoso. É certo que no Reino Unido governava então Margareth Tachter; É certo que não se entreteve em discussões e grandes e sofisticadas laborações legislativas; É certo que o Estado assumiu muitos dos poderes públicos que estavam entregues às federações; É certo que fechou estádios, impôs jogos à porta fechada, criou bases de dados de delinquentes desportivos, impediu entradas em recintos desportivos, lembrou, enfim, o movimento desportivo de que nada poderá justificar a violência e que o Estado não pode deixar de utilizar os poderes necessários para a combater. O resultado está à vista. Os estádios estão cheios. A festa do futebol regressou. Os desordeiros não cabem neste ambiente.
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Eu estive lá. E vi as manifestações de desagrado dos adeptos do Liverpool relativamente ao domínio accionista do clube por interesses americanos. Não é só o patriotismo — ou uma certa imagem dele — a falar. É a concepção de que o futebol não pode ser apenas e somente negócio. O futebol sem paixão, sem alma e sem chama definha. E dominar um clube implica partilhar estes mesmos sentimentos e não considerar o jogo como uma mera actividade económica. A emoção faz parte deste mundo. E só quem a sente e vive pode exercer o seu domínio. Esta a última lição de Anfield.
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Quando regressei sexta-feira a Sintra, um miúdo abeirou-se de mim com ar apreensivo e perguntou-me: «Presidente, vamos ganhar ao Sporting, não vamos?». Respondi-lhe: «Claro que sim. Então não vez a águia Vitória sobrevoar o Estádio da Luz mesmo em noites de vendaval?» E na próxima terça-feira lá estarei para assistir a mais uma grande exibição desta equipa que não sucumbe nem se apaga. Como diz o nosso hino, «ser benfiquista é ter na alma a chama imensa»!
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Eu estive lá. Na primeira final da Taça de Portugal de futebol feminino no Estádio Nacional e que opôs o Boavista ao 1º de Dezembro. O 1º de Dezembro, um dos clubes emblemáticos de Sintra, venceu, goleando, e com muito mérito, a edição deste ano. Para além dos cumprimentos à estrutura directiva e técnica, permitam-me que evidencie duas jogadoras. Em primeiro lugar, a mulher do jogo: Carla Couto. Em segundo lugar, o último jogo oficial, nesta competição, de uma das grandes senhoras do futebol feminino em Portugal, Carla Cristina. Valeu a pena ter estado lá.
1 comentários:
Eu também estarei lá.
Rumo à vitória.
Saudações Benfiquistas.
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