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29 abril 2010

Entrevista a Rui Águas - Por Nuno Reis


Por Nuno Reis in A Bola


«Cardozo tem um pé esquerdo de Messi»

Rui Águas entra hoje no clube dos 50, ele que parou de jogar em 1995, saturado dos relvados. Nunca deixou, no entanto, morrer o bichinho do futebol e hoje em dia é coordenador da prospecção do Benfica. Aceitou fazer uma viagem pela sua vida e pelo clube do coração e, de ponta-de-lança para ponta-de-lança, até analisou Cardozo

ESTÁ a comemorar 50 anos de vida, a maior parte relacionada com o futebol. Sente a falta dos tempos de jogador, após tanto tempo neste desporto?
— Não são assim tantos anos... Cortei quase por completo quando deixei a profissão, em 1994/95, pois bastou aquilo que joguei. Não sinto saudades, nem sequer a brincar costumo jogar. Devo tê-lo feito meia dúzia de vezes nestes 15 anos. Estava saturado.

— Prefere a relva ou o gabinete?

— Nesta fase da minha vida digo que as pessoas são eternas insatisfeitas. As duas actividades são muito diferentes e têm o seu interesse específico. O que me agrada mais, faça o que fizer, é sentir que posso ser útil, neste caso ao clube do qual sou adepto, contribuir para o seu desenvolvimento.

— Dá gosto descobrir jogadores? É diferente de festejar um golo...

— Muito diferente. Este é um trajecto mais difícil, o golo é algo imediato, ao passo que isto é um processo longo, complexo, muito dependente de diversos factores. Há o futuro dos miúdos, o talento, o desenvolvimento, toda uma série de questões que podem redundar ou não no êxito.

— Qual é a percentagem de êxito?

— Em termos de fazer carreira no Benfica é ínfima...

— Poderá voltar a ser visto no banco como treinador?

— Poderei voltar a ser visto no banco, mas não é fácil, actualmente não é algo que me distraia. Em Portugal, como eu percebo aquilo que se vai passando, não é fácil. Falam muito de projectos, mas não há projectos e como assim é... Não digo que um dia não o faça, mas não é algo que me preocupe.

— Coordena agora um gabinete de prospecção que ganha cada vez maior importância, mas já fez também observação de jogadores para o plantel profissional...

— Trabalhamos com jogadores até aos 19 anos. Entendeu-se, e muito bem, após a saída de Rui Costa da sua carreira de jogador profissional, que são áreas de tal complexidade que não faz sentido ser uma só pessoa a coordená-las. Nessa altura, então, o Rui ficou com o pelouro de todo o futebol, mas mais virado para os profissionais, e eu para os não profissionais.

BOLA DE PRATA GANHA

a domingos paciência

— Que recorda da luta pela Bola de Prata da temporada de 1990/91, que conquistou na última jornada, com 25 golos, precisamente perante Domingos Paciência, actual treinador do Braga, mas na altura o mais temível ponta-de-lança do FC Porto?

— Lembro-me que foi uma luta até ao fim, que foi uma grande transpiração. Mas na minha carreira nada foi fácil. Essa conquista também foi assim porque aconteceu mesmo ali nos jogos finais. Ganhámos o último jogo e marquei dois golos. Nunca fui, no entanto, um finalizador nato, pois as minhas características sempre foram muito colectivas.

— O duelo do actual campeonato entre Óscar Cardozo e Falcao leva-o a recordar de alguma forma o seu próprio mano-a-mano com Domingos?

— Um pouco, pela proximidade do número de golos, mas são jogadores muito diferentes, mais ainda do que eu e o Domingos.

— Como antigo ponta-de-lança, qual a opinião sobre Cardozo?

— Aprecio Cardozo, faz muitos golos, mas não é consensual, julgo que mais pela aparência, pois as pessoas vão pelo estilo, se é bonito se não é. E o Cardozo de facto não é bem feito, mas tanto na Argentina como em Portugal tem provado que é grande avançado. Com um pé esquerdo de Messi.


QUE lhe passa pela cabeça no momento em que se prepara para comemorar meio século de vida? Eis uma questão que fez sorrir Rui Águas e para a qual demorou a encontrar resposta: «É apenas um número redondo e tudo o que é redondo no caso das idades tem um significado diferente, é o início de uma nova década para mim, apenas isso.»
Mas o facto de continuar ligado ao futebol faz parecer os tempos de jogador menos distantes...

«Sim, tenho tido a felicidade de trabalhar naquilo que gosto e em variadas funções, o que é estimulante», explicou, antes de revelar um pouco da forma como tudo aconteceu: «Era o filho de um ex-futebolista famoso, que escolheu outro desporto para se entreter e desenvolver na adolescência, o voleibol. O futebol praticamente não existia para mim. Depois comecei a jogar por brincadeira a convite de um amigo, mas a verdade é que o voleibol me deu uma característica que me fez mais forte e distinguiu, o poder de salto. Ajudou-me a fazer carreira. Joguei no CDUL, principalmente, mas também no Escola Pedro de Santarém.»

Rui Águas recorda que nos seniores nunca foi «jogador de comer a bola». «Há a qualidade técnica e física e nesse aspecto perdi para muita gente, mas no conjunto consegui ter consistência e capacidade de sacrifício, capacidade para ler o jogo. Não sendo especialmente forte em determinados aspectos como alguns colegas, acabei por aproveitar os meus pontos fortes. As grandes carreiras determinam-se do pescoço para cima», sublinha.

JOGO PECULIAR NO DRAGÃO

O FC Porto-Benfica é diferente, segundo Águas: «É um jogo peculiar, é difícil recordar uma ocasião tão especial e rara.» Nem mesmo o 2-0, com golos de César Brito, serve de paralelismo: «Não, aqui o Benfica é praticamente campeão e pode conquistar o título no terreno da equipa que vem dominando os nossos campeonatos. Por isso é uma data importante, um simbolismno grande, que espero que marque alguma viragem, uma grande viragem. Um Benfica com estatura para ser campeão regularmente. O Benfica tem cada vez mais com essa possibilidade.»



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