Por Luís Freitas Lobo in Expresso
Ficarem 10 contra 11 não significa, por si só, inferioridade numérica. Estranho? Isto não é matemática. É futebol, algo muito mais complicado.
O sistema de marcação não é, por si próprio, um esquema de jogo, mas tem uma grande influência na sua expressão em campo. Mais do que impedir a outra equipa de jogar, é a forma de controlar o jogo e os espaços quando a bola está na posse do adversário. Nesse jogo estratégico de 'fechar espaços', uma equipa pode optar por várias formas de marcação, mas o mais importante é fechar caminhos para impedir que os jogadores contrários descubram a baliza. As marcações individuais não têm essa visão colectiva da colocação defensiva. São, por definição, uma mera perseguição a jogadores adversários. Ou seja, quem marca 'ao homem' corre por onde o adversário quer. A outra forma de marcação (a chamada marcação 'à zona') tem um conceito diferente, no qual, primeiro do que o jogador, está o espaço. Assim, o grande segredo passa por ocupar primeiro as parcelas (zonas) de relvado no qual o adversário pode entrar e criar perigo. Os últimos jogos europeus de Benfica e Sporting foram, cada qual no seu estilo, um espelho perfeito deste lado estratégico das coberturas defensivas no futebol.
O jogo veloz e ofensivo do Benfica de Jesus sentiu na pele essa redução do espaço no jogo contra o Marselha. Mais do que fazer um jogo defensivo, caindo em cima dos jogadores benfiquistas, o onze gaulês lia primeiro os espaços por onde eles podiam entrar e, entrando neles, reduziam-no. Ou seja, de repente, os espaços de relva 'encurtavam-se' e a explosão de Di Maria ou Saviola, as fintas de Aimar e os remates de Cardozo, deixaram de encontrar tempo e relvado para aparecerem no jogo. A dimensão europeia tem exigências que o quadro competitivo português ainda não tem. No fundo, traduz-se na redução do tempo e espaço para executar. As grandes equipas do futebol moderno dominam essas bases que são, no jogo, quase como um contra-sistema.
Em Madrid, o Sporting, noutro estilo, também demonstrou a importância deste conceito. Também sem marcações individuais, fechou todos os caminhos aos terríveis avançados do Atlético de Madrid, como Aguero, membro da família 'maradoniana'. O 0-0 foi construído durante mais de 70 minutos a jogar reduzido a 10 jogadores (após a expulsão de Grimi). Pode parecer estranho, mas, no jogo, ficarem 10 contra 11 não se traduz automaticamente por ficarem a jogar em inferioridade numérica. Estranho? Nem tanto. Porque o que em rigor acontece nestes casos é apenas ficar com menos um jogador numa determinada zona do terreno. Isto é, fica-se, em geral, com menos jogadores no ataque. No caso em concreto, Carvalhal reagiu logo puxando Veloso para lateral e... recuando Moutinho. Desta forma, ficou logo outra vez com a defesa e seus sistemas de marcação novamente 'completos' a fechar espaços. Nesse território recuado continuou com os mesmos jogadores. Onde, pelo contrário, ficou em inferioridade numérica foi no outro lado do território (relvado), o atacante. Passou então a fazer um jogo essencialmente a tentar 'fechar espaços'. Com precisão cirúrgica foi tapando caminhos e escondendo a sua baliza. Como guia espiritual deste 'sangue frio' defensivo, Pedro Mendes. Um jogador que serena a equipa em cada bola que toca ou em cada... espaço onde entra.
O futebol é, em termos de choques em campo, uma sucessão de duelos entre defender e atacar. Tende-se apenas a entender a criatividade quando ligada ao ataque (e aos avançados). Não é justo. Os defesas (e sua forma de defender) também podem ter imaginação nessa tarefa. É a chamada 'criatividade defensiva'. A estranha 'arte de roubar espaços' até quase fazer desaparecer a relva da vista.
Ponto Final
Talvez o melhor título fosse ponto de exclamação. E de interrogação, juntos. Tentando expressar, ao mesmo tempo, as sensações que ficaram após o jogo do FC Porto em Londres. 5-0 é um resultado de pôr os cabelos em pé. O mais grave, porém, é que, no actual momento, ele é muito mais do que um mero resultado. Simboliza o beco em que caiu o FC Porto e as dúvidas que se lhe colocam para construir o futuro. O presente negro foi ditado por um plantel desequilibrado. Não é um problema de soluções. É antes um problema da qualidade das soluções. Neste jogo, um nome e posição em concreto: Fernando, o médio-centro-defensivo. Sem ele, podia jogar, respeitando hábitos e natureza dos jogadores, Tomás Costa, Guarín ou Meireles. Jesualdo optou antes por adaptar um defesa-central, André Coelho. Mais perturbante do que a opção em si, é ver que ela não teve como princípio manter a autodeterminação de jogo da equipa, mas porque era a melhor forma de travar o 'jogo frontal' do Arsenal.
Cada jogo obedece às suas 'nuances estratégicas' mas esta opção é mais do que isso. Altera a personalidade da equipa. Um 'plano de jogo' a partir do adversário. Nuno Coelho mais do que médio próximo dos outros médios, foi um médio próximo dos defesas, o seu lugar afinal. Chamar 'fim de ciclo' a este momento é redutor. Nas últimas épocas Jesualdo também teve de refundar as bases da equipa após a saída de jogadores-chave. A diferença deste novo fim de ciclo é que ele é determinado por uma série de jogadores sem qualidade para assegurar essa reinvenção de alto nível futebolístico. Neste caso, só faz sentido o ponto final. A todos os níveis.
Lição Francesa
O primeiro golo de Ronaldo parecia fazer cumprir o destino. Em pouco tempo, o Real Madrid estava a ganhar ao Lyon. Mas o onze gaulês tinha outros planos para o jogo. Ora pondo-lhe 'gelo', ora 'acendendo-o' a atacar, deu uma lição de personalidade no 'nariz galáctico'. Nunca abalou. Não trocou médios por defesas, nem hipotecou o seu jogo a estratégias para parar o adversário. Existiram, claro, mas nunca ao ponto de retirar-lhe capacidade para ver a outra baliza.
Este tipo de classe táctica tem um epicentro: o meio-campo, onde se lê, controla e gere um jogo. Inteligente, ora com a presença natural dos seus médios, ora com o recuo dos extremos sem bola, soube preencher esses espaços. Primeiro, roubou-os. Depois, aproveitou-os. Missão que teve nomes próprios - Makoun, Kalstrom, Pjanic, Delgado ou Lisandro. Depois de aguentar a pressão, souberam esperar e, na hora da verdade, surgiram no lado ofensivo. Uma lição de como sobreviver e ganhar um jogo que todos diziam perdido.
Enganar o cansaço
Ainda temos na mente os ecos dos jogos europeus e as equipas já estão com a cabeça noutro sitio. Passam dois, três dias e aí está logo outro jogo. O campeonato regressa. Nestas alturas, terrível nesta fase da época com jogos uns em cima dos outros, coloca-se sempre a questão de como é possível os jogadores recuperarem em tão curto espaço de tempo?
Existem várias respostas (isto é, metodologias de treino e suas especificidades de recuperação), mas o primeiro passo reside sempre na capacidade de refrescar a equipa (os jogadores) mentalmente. Refazer motivações e evitar a fadiga que, mais do que em correr menos, traduz-se em pensar pior e, como consequência disso, estar mais mal colocado no terreno e cometer erros tácticos. Ou seja, o segredo passa por saber enganar tacticamente o cansaço - físico e mental. Desafios para ver como Jesus, Carvalhal e Jesualdo (este com superior abalo mental) ultrapassam esta jornada.
Para o Benfica, a atracção pelo título será o máximo estímulo. Mais do que a táctica, o estado de alma.
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