Uma futebolada épica, caros amigos. Na Catedral da bola, debaixo de uma fria tempestade pós-Copenhaga, Benfica e FC Porto não produziram obras de arte, é verdade, nenhuma jogada assim de deitar abaixo as estátuas dos deuses, mas cumpriram a promessa de todo o “clássico”. À hora marcada, juntando onze tipos para cada lado, uma bola e duas balizas, puxaram a emoção a níveis perfeitamente beethovenianos. Quem não sofreu nesse dia em Portugal?
Da minha parte, deixem-me destacar um momento, só um, um minimíssimo momentozinho. Com a intuitiva esperança dos sempre-audazes, David atira a bola para a frente, um passe-estoiro, misto de alívio e de assistência; Saviola segura a bola primeiro só com o olhar; depois abalança-se, uma forma de correr que ao mesmo tempo avança e espera, uma figura de estilo argentina, gesto intraduzível; por fim, vira a chuteira de lado e – não chuta, não fuzila, não se deslumbra, não – empurra, apenas empurra, o esférico para o golo. Dito assim, parece pouco, não é? Mas que colosso: com um simples toque, resolver tanto. Tão grandes nuvens de electricidade, tanto coração no sofá, todo o emaranhado “meteorológico” de um Benfica-FC Porto.
Mas o encontro de domingo passado não foi só malta a chutar bolas à chuva. O “clássico” foi também uma partida de xadrez entre dois mestres. E, no que diz respeito a esse especial um-contra-um, podemos dizer (exagerando só um nadinha para efeitos de clareza) que o homem ganhou à máquina. De um lado, seguindo uma lógica “pura”, Jesualdo escolheu mudar o onze e meter Guarín em vez de Belluschi. Estava a chover muito, os “clássicos” são sempre jogos físicos, nervosos, com muito vai-e-vem, e o Benfica em casa teria tendência a ser dominador. Percebe-se bem a intenção do treinador do FC Porto. Do outro lado, seguindo uma ideia-impulso, um pressentimento-pensamento, uma iluminação qualquer misteriosa, Jesus chama Urretavizcaya para o onze inicial. Urreta? Urreta! Um jogador inexperiente, sem minutos de jogo, à espera de ser emprestado já em Janeiro... E não é que acerta?
É por estas e por outras – os cerebrais que me perdoem – que eu prefiro futebol a xadrez todos os trezentos e sessenta e cinco dias do ano.
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