Na ânsia de fazer precisamente o contrário
Por Leonor Pinhão in A Bola
NUM clube democrático, como é o nosso, primamos em considerar toda e qualquer unanimidade como um grande desconforto. Por isso mesmo, há vezes em que até temos de inventar assuntos que nos dividam. Tudo isto é muito saudável, naturalmente.
No corrente arranque da época de 2009/2010 temos estado mais ou menos de acordo num sem número de assuntos o que, indo contra a nossa natureza, também não deixa de ser um descanso, aliás, bem merecido.
Há, no entanto, a registar um pormenor que nos continua a dividir. Trata-se da questão do guarda-redes. Nos últimos anos tem sido grande a discussão entre os pró-Quim e os pró-Moreira e, frequentemente, de modo inesperado, ocorreram casos de mudança de campo entre os afectos a um e a outro e tudo isto sem a menor justificação plausível.
Nem Quim nem Moreira beneficiaram nada com este prolongado debate interno sobre as suas capacidades e sobre as suas fraquezas e muito menos beneficiou o Benfica, como todos sabemos de cor e salteado em função do palmarés.
Este ano foi-se embora Moretto, que tinha a melhor estampa mas estampou-se exageradamente, e chegou Júlio César que, para já, soube aproveitar sem deslizes, as duas oportunidades que lhe foram concedidas.
Objectivamente, os guarda-redes são analisados pelo número de golos que sofrem e pela maneira como os sofrem. Há muitos, muitos anos, um antigo jornalista desta casa, Aurélio Márcio, quando ouvia alguém elogiar um guarda-redes por estar «atento» ou «bem colocado» entre os postes, saía-se sempre com esta pérola de sabedoria:
- Então mas não é para isso que lhe pagam?
A pedagogia de desvalorizar o básico tocou-me profundamente, devo confessar.
Tudo isto para dizer que, no domingo passado, em Leiria, Quim protagonizou a melhor exibição que vi fazer a um guarda-redes do Benfica nos últimos tempos.
Nem sequer estão em causa ou em avaliação as suas duas belíssimas defesas, aos 39 minutos, parando um remate de Tall e, já nos descontos, impedindo que Ronny, de livre, empatasse o jogo, porque, sempre de acordo com o aprendido com Aurélio Márcio, «é para isso que lhe pagam».
O momento maravilhoso de Quim, em Leiria, aconteceu aos 18 minutos de jogo quando David Luiz, na ânsia de fazer precisamente o contrário, entrou de rompante na pequena área e fuzilou o colega de equipa com um tiro indefensável.
Pois o nosso Quim foi tudo menos básico. Ajudou David Luiz a levantar-se do chão, passou-lhe a mão com ternura pelos louros caracóis, sorriu-lhe, deu-lhe uma palmadinha nas costas e piscou-lhe o olho.
E foi, precisamente, aí que o Benfica começou a ganhar o jogo.
Um amigo meu, versado em cultura futebolística, comentou:
- Temos balneário!
Assistindo à cena pela televisão, uma amiga minha, totalmente ignorante dos mesmos assuntos e, por isso menos, menos básica, foi bem mais justa e lapidar:
- Bom, este guarda-redes é amoroso…
Sim, até porque não é para isso que lhe pagam.
NA ânsia de fazer precisamente o contrário, ou seja, um centro para a área adversária, o bracarense Alain acertou num pontapé mirabolante que levou a bola a descrever um arco fatal e a entrar na baliza de Heldon.
No final do jogo, Alan confessou sorridente o feliz acaso. Não só foi sério como foi bom colega de profissão, ilibando o guarda-redes do FC Porto de quaisquer culpas ao referir que a trajectória foi definida por um raspanço em Fucile que enganou o desconcertado Helton.
Foi justa a vitória do Sporting de Braga como o próprio Jesualdo Ferreira haveria de reconhecer embora lhe fosse dispensável o exagero de sentir «vergonha» pela exibição da sua equipa.
Foi, curiosamente, uma jornada de invulgares momentos de sinceridade. Alan a dizer que a sua intenção não era fazer golo, Jesualdo a dizer que o FC Porto não jogou bem. E, já na segunda-feira, Paulo Bento a dizer que não houve falta que justificasse a grande penalidade que permitiu ao Sporting empatar o jogo, a beira do intervalo. Só faltou mesmo que os árbitros falassem, tal como Jorge Costa lamentou no fim do Sporting-Olhanense.
Na ânsia de ajuizar bem o árbitro do jogo de Braga perdoou uma grande penalidade ao FC Porto e, na mesma ânsia, o árbitro que esteve em Alvalade, beneficiou o Sporting da tal forma que até o próprio treinador do Sporting reconheceu.
Gostaríamos de os ouvir falar porque só no futebol português é que a mudez é apanágio de competência e de seriedade.
Gostaríamos também de ouvir falar o árbitro do jogo entre a União de Leiria e o Benfica. Quem, senão ele, poderá explicar que, de acordo com a Lei XII, jogo perigoso com contacto físico é punido com livre directo?
Comparar os lances na área dos jogos do FC Porto e do Sporting com o lance sobre Aimar, em Leiria, é uma indecência muito grande.
E, por estas e por outras, é que foi essencial aquele período em que Cardozo não acertava na baliza nos remates a onze metros.
Para os árbitros não terem medo de marcar as devidas grandes penalidades a favor do Benfica… Científico!
AUEFA experimentou na última jornada europeia a novidade de haver árbitros atrás da baliza e, pelas primeiras impressões, o grande beneficiado foi logo o Sporting.
A imprensa holandesa, necessariamente patriótica, referiu que a bola rematada pelas cores do Heerenveen esteve «um metro» para lá da linha de golo sem que o árbitro-balizeiro tivesse dado conta.
Parece franco exagero. No máximo, meio metro, mas lá que entrou, entrou…
Lá terão os responsáveis da UEFA de repensar o assunto.
Talvez o ideal seja meter os árbitros dentro da baliza.
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