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27 janeiro 2011

Ópera, rock, tango e jazz

Nos caminhos da 'futebolândia' definir o que é jogar bem não é uma missão esteticamente assim tão linear. As diferentes formas de vida que as equipas adquirirem espelham sobretudo diferentes identidades. Mais ou menos sedutoras, sem dúvida, mas é abusivo relacionar diretamente esse 'poder de atração' adepto-equipa com a beleza do jogo.

Nos últimos tempos (jogos) cresceu a tese de que a qualidade de jogo do FC Porto está a decrescer. Diria, porém, que o que tem decrescido mais é a capacidade de empolgamento da equipa. Porque o jogo é o mesmo (posse e circulação de bola até desmontar as fechadas defesas adversárias). Pode ser um paradoxo, mas é esse estilo de jogo demasiado 'paciente' (sem a vertigem de meter a bola rapidamente na área adversária) que, muitas vezes, mais mexe com os nervos dos adeptos.

Reagindo a essas críticas, Villas-Boas foi direto: 'Se estão à espera de ópera em todos os jogos, é melhor partirem para outra'. O entendimento de 'ópera futebolística' procura o transfer de um estilo musical onde a exuberância das prestações individuais e coletivas atinge níveis de conhecimento 'musical-futebolístico' (dos tenores às sopranos, da cenografia à atuação) que o comum do adepto não atinge. Nenhum deles espera ópera no futebol. Nem a entende. Traduzindo isto para a movimentação de onze jogadores com bola, todos eles esperam mais 'rock and roll', o estilo que o All Music Guide define como tendo apenas 'três acordes, um forte e insistente contratempo e uma melodia cativante'.

Mas, de repente, surge Hulk. As suas explosões e, sobretudo, remates fulminantes, rompem os três acordes através de um solo individual. E o mais curioso é verificar como é o jogador menos cativado (ou vocacionado) pelo modelo-Villas Boas de segurar a bola e fazê-la andar de pé para pé que consegue, muitas vezes, dar rosto ganhador a essa filosofia global à qual, por natureza explosiva, o seu jogo foge.

Por isso, cada vez mais entendo a frase do velho técnico italiano Berzot: "Se o futebol fosse um estilo de música seria jazz, a arte da improvisação". Hulk é, nesse sentido, um 'jogador de jazz' no futebol moderno. A ambição máxima da equipa também deve ser essa.

Chegados à segunda volta a pergunta é simples: e a partir de agora o que vai (pode) acontecer? No fundo, revendo as primeiras 16 jornadas, a esperança benfiquista reside em que o terramoto que abalou a equipa nas primeiras quatro (três derrotas) possa agora acontecer na casa portista. Apesar da 'negação da ópera', não existem grandes sinais nesse sentido, tal a facilidade de Hulk dominar outros estilos musicais.

Na Luz, o renascer do tango redimensionou a equipa para a manter mais dinâmica e, ao mesmo tempo, equilibrada (com e sem bola, a atacar ou defender) nas diferentes fases dos 90 minutos. Em tempos houve mesmo um treinador, Jaime Pacheco, que falava na importância dos 'tocadores de bombo' numa equipa (e ganhou, no Boavista, um campeonato assim) mas a estética de vitória tem critérios mais exigentes. As melhores equipas são as que dominam a arte da improvisação. O treinador gosta de falar logo no coletivo, mas o jogo (e olhos dos adeptos) buscam logo outros 'sons de futebol': os solistas. O Benfica também precisa de um jogador para 'resolver jogos'. Redimensionar a improvisação de movimentos de um coelho, Saviola, pode ser o melhor caminho. Em qualquer situação ou cenário (azul e branco ou encarnado) esqueçam a ópera. No futebol, quem ganha são as equipas com mais 'rock' e 'jazz'.

Assistir o goleador

Três avançados, três equipas, três formas diferentes de servir os seus maiores goleadores para o remate à baliza. Vejamos:

Falcão (FC Porto)

É o nº 9 que joga mais fixo na área, em função dele próprio na busca do golo, quando o processo ofensivo da equipa entra na sua fase de conclusão. O facto de jogar em 4x3x3 como nº 9 clássico implica essa situação, mas é sobretudo também uma questão de estilo. Fora da área, serve sobretudo de apoio, recebe a bola e mete-a numa faixa, dando depois logo meia-volta para regressar para a área, à espera da bola, procurando antecipar-se quase sempre ao primeiro poste, para num espaço curto a rematar.

Cardozo (Benfica)

Pelo estilo, alto e lento, deveria ser o mais fixo na área, mas o facto de jogar (em 4x1x3x2) numa dupla de avançados, com um avançado mais veloz e esquivo ao lado (Saviola) obriga-o, muitas vezes, a abrir um espaço mais central às entradas de trás dos médios ofensivos ou do tal segundo avançado rompedor. Executa muito bem em espaços curtos, momento em que evidencia os seus dotes técnicos, mas não fabrica espaços por si próprio. Pelo contrário, necessita que os outros, pelas movimentações ou arrastamentos, os abram para ele. Se nessa dinâmica lhe meterem a bola ao jeito do seu pé esquerdo, sai uma bomba para as redes.

Liedson (Sporting)

Durante muito tempo, Paulo Bento criou a ideia de que Liedson só podia jogar bem em 4x4x2, ou seja, com outro avançado a seu lado, muito próximo. Os tempos seguintes provaram o contrário. Liedson joga melhor com o apoio de outro avançado por perto, porque lhe abre mais espaços, mas o seu lado mais instintivo (não é jogador para perder muito tempo a prestar atenção a jogadas ensaiadas) do jogo permite-lhe jogar mais isolado. No fundo, o apoio que pede aos colegas é apenas para que lhe metam a bola na área. Esqueçam, pois, as jogadas estudadas. Liedson é instinto puro. Tem, porém, uma amplitude de movimentos enorme que lhe permite ir à faixa, passar, tabelar e depois surgir, esquivo, no espaço livre na área para rematar.

O 'leão' nervoso

A história de um clube é um permanente livro aberto. O Sporting é por direito histórico um clube grande, mas de Peyroteo, Yazalde, Manuel Fernandes a Liedson, dos 'violinos' às glórias ecléticas dos anos 70/80, até ao tempo empresarial presente não existe qualquer ponto de contacto. Falta ao atual 'mundo verde' entender esta mutação temporal e redimensionar a sua existência, avaliando a nova correlação de forças e realidade social, política e desportiva que entretanto se formou no futebol português. Ao contrário do Porto com dimensão regional forte e imutável ou do Benfica com extensão e base social menos volátil, as 'bases' leoninas são mais permeáveis aos 'ventos dos tempos'. O 'mundo verde' não entendeu essa mutação. Fez do futebol um projeto empresarial e com isso afastou-se das raízes ao ponto de turvar a identidade. A crise financeira é sobretudo consequência de erros de gestão desportiva.

A equipa tem alguns pontos de qualidade, mas tem um problema de origem na defesa que condiciona todo o equilíbrio e a dinâmica da equipa. Ou quer sair a jogar muito rápido pelos laterais (sem pensar o jogo) ou sai pelo centro (com dois médios que ainda não encontraram o timing certo de complementaridade entre ficar e sair). Dois fatores que, cruzados com a permanente mutação de sistema tático, condicionam todo o jogo.

Não acredito na 'belenencização' leonina mas o clube chegou a uma encruzilhada da sua existência. O seu renascimento passa por perceber historicamente qual o melhor caminho para reinventar a sua identidade. Nos gabinetes e na relva.

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