Não temo rigorosamente uma virgula, nem me envergonho em tropeçar nuns clichés de trazer por casa, nesta crónica que dedico ao Natal. Porque esta é a data que se sente transversalmente no género, na indiferente cor da pele, nas discrepantes classes sociais, e nas múltiplas doutrinas filosóficas. Hoje, também se sentam à mesa agnósticos e ateus, em cumprimento de um cerimonial ao qual nem eles resistem. Só lhes fica bem.
Aproliferação – para os mais ortodoxos doutras crenças, invasão da fé cristã – deste ritual comemorativo a outros locais de tradição religiosa díspar demonstra a maior de todas as conspirações: o Amor. Mesmo correndo o risco de já ter perdido a sua atenção, que aguardava qualquer dissertação, em jeito de apreciação anual, ao panorama desportivo, exorto, ao invés, o Nascimento exemplar.
Num olhar contemplativo deparamo-nos num quadro de família desestruturada, com o futuro comprometido. Maria, mãe adolescente. José, carpinteiro a biscate. Segundo as Escrituras, este casal foi compulsivamente posto em risco, tendo de confiar em promessas anunciadoras de responsabilidade, e não propriamente numa predição auspiciosa de regalias materiais ou sociais.
Entre muitos chavões desta época, o “Natal ser quando um homem quiser” tem autor. Chama-se José Carlos Ary dos Santos, poeta maior da cultura portuguesa, que no Natal de 1975, em conjunto com Fernando Tordo, autor da musica, e Paulo de Carvalho na interpretação, deixaram impresso para a eternidade uma das mais belas odes a esta quadra. Com a devida vénia aqui fica:
“Tu que dormes à noite na calçada do relento
Numa cama de chuva com lençóis feitos de vento
Tu que tens o Natal da solidão, do sofrimento
És meu irmão amigo
És meu irmão
E tu que dormes só no pesadelo do ciúme
Numa cama de raiva com lençóis feitos de lume
E sofres o Natal da solidão sem um queixume
És meu irmão amigo
És meu irmão
Natal é em Dezembro
Mas em Maio pode ser
Natal é em Setembro
É quando um homem quiser
Tu que inventas ternura e brinquedos para dar
Tu que inventas bonecas e comboios de luar
E mentes ao teu filho por não os poderes comprar
És meu irmão amigo
És meu irmão
E tu que vês na montra a tua fome que eu não sei
Fatias de tristeza em cada alegre bolo-rei
Pões um sabor amargo em cada doce que eu comprei
És meu irmão amigo
És meu irmão
Natal é em Dezembro
Mas em Maio pode ser
Natal é em Setembro
É quando um homem quiser
Natal é quando nasce uma vida a amanhecer
Natal é sempre o fruto que há no ventre da Mulher”
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