“Pensar jogo a jogo”, pois. Agora é assim, temos de jogar sob o monstruoso peso do clichê. É o que nos resta depois do desbaratar de pontos do começo do campeonato, depois daquele dilúvio no estádio do Dragão, depois da vergonha de Telavive. Mas, se não adianta chorar sobre o leite derramado - não é assim a expressão? -, também não podemos pôr a vaca louca. Seria pior a emenda que o soneto se, à primeira vitoriazinha pós-descalabro, começássemos logo a disparatar contra o “sistema”, ressuscitando “teorias da conspiração” que não dão em nada. Ou, pior, dão em asneira, porque são sinais de fraqueza que facilmente resvalam para fraquezas em campo.
Até porque há um lado bom neste modesto “pensar jogo a jogo”. É um pouco como ser criativo fora da hora de ponto: assim podemos imaginar futebóis com outro à-vontade. Jogar com uma alegria desinteressada que dará espectáculo e golos. E que, quem sabe, até poderá trazer de volta a alma que se esfumou com a saída do nosso eterno Queniano para os nevoeiros ingleses. Sim, caros amigos, tudo está na maneira de ler a realidade. Se, em vez de um resignado “nada a ganhar”, virmos neste momento do Glorioso um esperançado “nada a perder”, ainda podemos resgatar muita glória fresquinha aos fins-de-semana nacionais.
Por falar nisso, este domingo o cenário não estava nada amigo. Depois da hecatombe israelita, e com o F.C. Porto a uma distância proibitiva, uma discussão séria com o Beira-Mar não é pêra doce nenhuma. Ainda para mais, Pablo Aimar, o único sobrevivente da nossa crise futebolística, estava lesionado...
A primeira parte foi certinha mas também desensabida. Jogávamos com medo ou com um excesso de cerimónia muito parecido com medo. O futebol de quem vai pela primeira vez jantar a casa dos pais dela. Longos, longuíssimos minutos. Alguém tinha de desatar aquele nó ou arriscávamo-nos a cometer uma gafe fatal antes do fim do convívio.
E é aí que entra o nosso matador paraguaio. “Para quê?” Paraguaio! Sim, sem dúvida: a hora agá do jogo de domingo foi aquela bela malandragem do nosso tímido Tacuara. No momento de estoirar o penálti para um dos lados, a chuteira paraguaia do matador atreve-se a tocar de mansinho, devagar-devagar, para o meio... e é golo. Um gesto arriscado, capaz de exorcizar mil fantasmas. Sim? Agora é continuar, golo a golo. Joguem à bola, vamo-nos divertir, cambada.
Jacinto Lucas Pires
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