É a minha sina este ano. Escrever terça-feira à tarde sobre jogos de terça-feira à noite para leitores de quarta-feira de manhã. Na página branca do presente, escrever sobre o futuro em tempo pretérito. Parece confuso? E é mesmo. É por isso, caros leitores, que hoje começo por fazer um pedido à moda dos advogados das séries americanas: concedam-me, por favor, alguma latitude, um certo espaço de manobra, sim? Prometo que não farei “literaturas”, não darei “música” a ninguém, nenhuma batota complicada. Pelo contrário, serei o mais directo e claro que é possível nestas estranhas circunstâncias temporais. Mas comecemos pelo que sabemos de saber provado.
Aimar toca a bola ainda antes da linha de meio-campo e, de imediato, a bola muda. Dá para ver se olharmos com muita atenção. Ganha uns arredondados mais felizes, de repente toda ela é leveza e graça, poesia e geometria. Faz todo o sentido, claro, que a bola é uma velha amiga das chuteiras argentinas do Maestro Mágico. Planando sobre a relva, Pablito leva-a a passear pelos lugares perigosos do ataque. O cenário é a Luz, o convidado é o Paços de Ferreira. Que belo dia para estarmos vivos, hã, caros amigos? O nosso craque faz aquilo com tal estilo que até parece fácil. Um herói contemporâneo: alguém capaz de ser uma pessoa inteira sob a violência das luzes, alguém igual a nós fazendo o gesto mais verdadeiro e mais impossível. Não exagero, não senhor. Seja como for, não há verdade completa sem o excesso da imaginação.
Mas, sim, podemos usar outras palavras. Pablo Aimar limita-se a dançar ao som da música silenciosa do futebol. Simulação, olhar, mudança de velocidade. Dúvida, quebra, mudança de direcção. Levantar os olhos, pensar a bola lá dentro. Cumprir o pensamento até ao fim: que golo, Maestro! Uma obra-prima daquelas que valem mais que resultados e pontinhos. Um golo de vencer o vazio de todo o esquecimento, uma memória mesmo futura. Sim, não exagero. Maravilha, Pablito. Palmas, palmas! Agora só falta tudo o resto, não é? Que a alegria, a ousadia, a lúcida loucura desse momento, passe para o jogo colectivo, os noventa minutos do Benfica em campo.
Mas, portanto, aí vai – daqui, deste futuro-passado em que estou preso a escrever – a minha pergunta trocada, destraduzida, pela máquina-do-tempo: ontem o Glorioso ensinará o Lyon a engolir a expressão “baixar as expectativas”? Amanhã o Benfica alegrou?
Jacinto Lucas Pires
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