Poucas equipas querem jogar como o Benfica a nível internacional, muito distinta do plano interno. Luzes e sombras de... jogos diferentes.
Conceptualmente, em teoria, todos os jogos são iguais. Do outro lado vão estar sempre, de início, onze jogadores, e a equipa deve tentar ser protagonista durante o maior tempo possível. Qualquer outra forma de viver os dias prévios a um jogo confunde a sua identidade e convicções mais profundas. O supremo desejo: jogar no meio-campo adversário e dominar a bola.
O problema é que, depois, os jogos são todos diferentes. Dizia Jorge Jesus antes do jogo de Lyon que "há poucas equipas no mundo a jogar como o Benfica, sobretudo em termos defensivos". É, de facto, verdade. Desde logo, pelo esquema tático preferencial: 4x1x3x2, apenas com um médio-defensivo à frente da defesa, embora vestindo mais a pele de trinco (missão de recuperação de bola) do que de pivô (missão de condução de bola). A grande questão tática coloca-se depois no perfil bífido (capacidade de atacar e defender, alternadamente) que, em face desse solitário médio recuado, é exigível aos outros médios (ou pelo menos um ou dois deles) da chamada segunda linha (o tal '3' que no esquema surge atrás dos '2' avançados).
A fórmula é teoricamente simples: 'pressão alta' (isto é, capacidade de começar a tirar espaço e roubar a bola, em zonas o mais adiantadas possíveis, e, depois, grande capacidade de posse). O problema de 'jogo global' - isto é, o equilíbrio entre todos os seus sectores - deste atual Benfica reside neste ponto. Nenhum dos seus três médios subidos tem características de recuperador ou equilibrador defensivo após a perda da bola.
Penso no trio de Lyon, o mais utilizado esta época: Carlos Martins, Aimar, Gaitán. Todos querem ter a bola, mas, apesar de se perceber que entram com a missão clara de correr atrás dela e, antes, pressionar de imediato o adversário quando a perdem (a tal 'pressão alta'), essa tarefa choca com a vocação natural de cada um. A equipa perde, então, capacidade de se transformar sem bola. Ou seja, limita a estratégia que um 'jogo diferente" (entenda-se, neste caso, frente a um adversário mais forte do que é normal encontrar no nosso campeonato interno) lhe exigia.
É uma limitação que resulta das características dos jogadores, claramente mais vocacionados para o processo ofensivo, e que, em campo, condicionam um objetivo que Jesus explicara também na antevisão ao jogo: "É possível manter o mesmo onze e ao mesmo tempo fazer mudanças. Como? Pelo posicionamento no terreno de alguns elementos, pela estratégia, etc.". Em teoria, é verdade. Neste Benfica, ou melhor, com este meio-campo, isso é, porém, quase impossível (e será desnecessário voltar a lembrar o médio que partiu esta época).
Ao mesmo tempo, olhamos para como Mourinho, no Real Madrid, frente ao Milan, adota um claro duplo pivô de contenção (Khedira-Xabi Alonso) em 4x2x3x1, depois de ter sido campeão europeu, no Inter, com um 'tri' de duros médios defensivos, e percebemos melhor as regras competitivas que a 'dimensão internacional' exige. O Benfica tem um estilo de jogo sedutor. Daqueles que quase resgatam princípios de outros tempos na intenção ofensiva. O processo defensivo é, porém, demasiado sensível a qualquer falha de pressão individual que a espontaneidade criativa de Aimar, Martins e Gaitán tendem a cometer. A nível interno, a realidade então já é outra e os jogos, de facto, até parecem quase todos 'iguais'.
Durante o jogo, em qualquer momento, há sempre uma razão para o jogador estar a correr (ou em movimento) mesmo com a bola longe. A mecanização defensiva tende a aumentar responsabilidades. Por isso, um erro individual (uma bola perdida, um passe mal feito) pode tornar-se tão decisivo.
Jogar com 10
Não existe uma fórmula de jogar quando uma equipa fica em inferioridade numérica, mas há uma regra essencial: não perder o equilíbrio defensivo (manter defesa e meio-campo completos). Assim, em geral, quando existe uma expulsão de um elemento desses setores, o mais lógico taticamente é tirar um avançado para repor o equilíbrio defensivo (metendo um defesa ou um médio, dependendo de qual foi expulso). Ou seja, ficar a jogar com menos um jogador não significa, obrigatoriamente, ficar a jogar em... inferioridade numérica no campo todo. Há espaços onde, com esta alteração, esse equilíbrio numérico se mantém, ficando a inferioridade apenas no ataque, o que leva a um jogo mais de passes longos para o avançado que, em geral, deve ser o mais móvel e veloz.
Foi o que fez o FC Porto frente ao Besiktas, quando o central Maicon foi expulso: tirou um avançado (Falcão) meteu um defesa-central (Otamendi), recompôs a defesa, Moutinho redobrou a marcação a meio-campo e deixou solta na frente a velocidade de Hulk, agora servido mais em passes longos (como no 0-2). Assim (em 4x4x1) nunca se viu o FC Porto em inferioridade numérica a defender. E a atacar lançou uma nova solução.
Em Lyon, o Benfica viu Gaitán (médio-ala esquerdo) expulso e em vez de tirar um avançado (como Kardeck, deixando Saviola solto), para meter um médio e reequilibrar numericamente o meio-campo, manteve a mesma estrutura (4x3x2). Apenas recuou Carlos Martins e Aimar para perto do trinco Javi Garcia e, assim, ficar a jogar com menos um jogador foi mesmo ficar a jogar em inferioridade. Com mais espaços, o Lyon circulou, circulou e voltou a marcar.
De Istambul a Lyon, diferentes visões (e resultados) de jogar com dez.
O olhar de Pelé
Pelé, o rei, fez 70 anos. O seu futebol, porém, não envelhecerá nunca. Subiu à eternidade no dia em que pendurou as chuteiras. As memórias das suas jogadas e golos sucedem-se. Por entre esse mundo de magia, histórias fantásticas. Das muitas definições que ouvi sobre o seu futebol, a melhor para mim foi a de um defesa quase anónimo (Vítor, do São Paulo) que o marcou no campeonato do Brasil nos anos 60. "O que assusta é o olhar do Pelé. Já marquei avançados que olham na bola e sabia lidar com eles. Outros olham no olho da gente e isso nunca me intimidou. Há outros que olham para os colegas e vê-se logo que é o tipo de gente boa que não mexe com a nossa vida. Agora, o olhar do Pelé, eu não consigo entender, nem pegar. Parece que só os olhos estão ali no rosto. O olhar não. Compreendem o que digo?" Esta sublime descrição provoca-nos uma fantástica viagem imaginária. Como seria estar no relvado e ver Pelé passar por perto? A sua dimensão foi tal que uma tarde, conta o saudoso Armando Nogueira, até a bola lhe pediu um autógrafo.
A pergunta é legítima face aos resultados: por que razão o Sporting se transforma na Liga Europa? Taticamente não existem grandes explicações, pois as opções de Paulo Sérgio são sensivelmente as mesmas. O que muda, então? Os adversários, mais débeis no plano da segunda linha europeia (Levski e Gent, sem argumentos, o melhor jogo foi em Lille), e a 'cabeça' dos jogadores, menos pressionada do túnel até à relva. Isso também deverá ser percetível na palestra de Paulo Sérgio. Basta ver como Salomão entra a titular, com a sua forma truculenta e simples de jogar (tornando o drible complexo numa coisa simples). O Sporting europeu é mais liberto. Não é fácil, porém, fazer este transfer mental para o campeonato. A realidade (adversários e pressão interna) é outra.
"Duplo" Sporting
A pergunta é legítima face aos resultados: por que razão o Sporting se transforma na Liga Europa? Taticamente não existem grandes explicações, pois as opções de Paulo Sérgio são sensivelmente as mesmas. O que muda, então? Os adversários, mais débeis no plano da segunda linha europeia (Levski e Gent, sem argumentos, o melhor jogo foi em Lille), e a 'cabeça' dos jogadores, menos pressionada do túnel até à relva. Isso também deverá ser percetível na palestra de Paulo Sérgio. Basta ver como Salomão entra a titular, com a sua forma truculenta e simples de jogar (tornando o drible complexo numa coisa simples). O Sporting europeu é mais liberto. Não é fácil, porém, fazer este transfer mental para o campeonato. A realidade (adversários e pressão interna) é outra.
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