Quiseram as misteriosas forças do Acaso que eu estivesse longe, muito longe, num dos países menos televisivos do mundo, no dia daquela nossa desgraça inglesa. Fui recebendo as más notícias por sms, num português telegráfico, num ecrã estreito, com pouco espaço para entrelinhas, nem imaginam o que eu sofri, caros amigos. Agigantavam-se os minutos e eu imaginava grandiosas reviravoltas, golaços de alma que nos puxariam de novo para a jornada seguinte da Europa, brilhos à Eusébio. Mas nada. Depois do 3-1, acreditei sinceramente que chegaríamos ao segundo golo, daquelas crenças tão fortes que parecem só poder resultar em verdade. Mas não, era mentira, fantasia, fumo. Desta vez, o crer e o querer confundiram-se, foi a desgraça que se sabe.
Com esta bagagem de tristeza europeia, chegámos à Luz para o jogo com o Sporting. Não é um peso pequeno, e isso notou-se na primeira parte. A correr, a tocar a bola, a defender e a atacar, parecíamos melancólicos, pensativos, pausados, pesadões. Até guerreiros como Javi García ou Ramires se mostravam demasiado suaves, cerimoniosos no mau sentido. Depois entra Pablo, Pablito, o nosso grande maestro Aimar e, a partir daí, mudou tudo, tudo, tudo. A história do jogo começa nesse instantezinho. Na entrevista do final, o mau-perder de João Moutinho falou de “campo inclinado”, mas a verdade é que a única “inclinação” foi futebolística e deve-se aos pés geniais de Pablo.
O momento decisivo é o momento da segunda parte em que percebemos, nós de fora e eles lá dentro, que o carrossel ofensivo do Benfica está de volta. O momento decisivo é o momento em que um Cardozo de tornozelo estragado atira a primeira bola para dentro da baliza. O momento decisivo do jogo é o momento em que o nosso número 10, o nosso craque máximo Aimar, beija o emblema depois do segundo golo.
Ramires, cheio de uma recuperada alegria, toca para o espaço livre (uma entrelinha no relvado!), o maestro argentino corre, leva a bola, finta o guarda-redes só com um ligeiro movimento de corpo (um virar de cabeça, um olhar), e não pára, segue sempre, espera até ao último momento possível e (sim, sim) atira com o pé pior para o ponto da máxima alegria. Vamos ser campeões.
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