O tempo certo

Por Jacinto Lucas Pires in JN

Caros amigos, pensemos em Mozart. Não a figura histórica dos bustos das escolas de música, mas o miúdo, o puto Wolfgang, que começou a compor aos cinco anos. Imaginem que o punham a compor aos três ou aos dois. Certamente, Wolfgang falharia, sofreria, e nós com ele, para sempre. Se, nesse imaginário século XVIII, tivesse sido cometido tamanho erro de “timing”, hoje não teríamos Requiem nenhum e Mozart não seria este nome maiúsculo, sinónimo de puro génio, que nos redime e inspira. Onde é que quero chegar? Pois, àquele penálti de Óscar Cardozo.

Há, já lá diz a Bíblia, um tempo para isto e um tempo para aquilo, e, nesta altura do campeonato, não era difícil ver que aquele não era de todo o tempo de pôr Cardozo no lugar da pressão. Ele há coisas que, pura e simplesmente, não se fazem. Percebe-se a ideia de ajudar o ponta-de-lança na corrida ao óscar de melhor marcador. Mas a paraguaia melancolia do nosso craque não merecia aquele teste de cruz, entre a espada e a parede. Sim, os ganhadores também se perdem. E, sábado, contra o Nacional, Jesus foi traído por uma das suas melhores qualidades: a casmurrice.

O brilhante da história veio a seguir. O miúdo Amorim pega na bola – naquele seu estilo característico de inclinar a cabeça e pisar forte, algures entre um introvertido jogador de râguebi e o português empreendedor que leva tudo à frente –, corre, estica o rectângulo do campo mesmo até aos limites e, pás, cruza da linha de fundo para a linha de golo. Como quem se limita a fazer o óbvio, Cardozo toca a bola em fogo para a baliza. Concentrado e contido, um grande senhor escondendo uma ferida. Viu a jogada toda em pensamento, adivinhou ao milímetro o passe e, no tempo certo, lá estava ele, sem medos nem tremeliques, a assinar a vitória.

Primeiro falhou, sim. Mas depois não ficou agarrado à cabeça, a puxar cabelos, a lamentar-se e a desculpar-se, como seria normal. Levantou-se e fez por dar a volta à história. O país que é cada um de nós tem de aprender também a fazer isto, caramba. Falhámos? Pois sim, mas não se vão já embora. Vamos fazer muito melhor. Não é amanhã, não é daqui a bocado, é para já.

Posted in: Crónicas de Jacinto Lucas Pires