MINUTO 90. A jogada parece caída do céu e coloca nas costas do protagonista todo o peso do jogo. A equipa defendia-se, segurando o empate, mas eis que a bola salta para o meio-campo adversário e um jogador surge isolado, com terreno livre para correr em direcção à baliza. Estava ali a vitória épica. Eram alguns metros, pareciam quilómetros. A cabeça torna-se uma metralhadora. Imaginar o golo, a festa, ou o falhanço, a desilusão. Os adeptos, com os olhos esbugalhados, a respiração suspensa. Para esse jogador, na hora do remate, tudo isto deve parecer ficar em câmara lenta. Como naqueles filmes em que até o som fica distorcido. Nem é uma questão de cansaço, mental que seja. É algo mais para além do futebol puro. É agora o remate, ai está, todo aquele peso leva-o a hesitar, ups, já perdeu tempo de remate, mas ainda dá, olha o ângulo, o guarda-redes já parece maior, e é… como se todo o peso do mundo lhe caísse em cima, tropeça, desequilibra-se e o remate já nem sai verdadeiramente com esse nome. E a bola, claro, vai para fora.
Tudo isto pode parecer demasiado romanceado, mesmo para uma jogada decisiva. E todos os jogadores podem tropeçar. E falhar golos. Tengarrinha tinha entrado pouco antes para segurar o empate. Aquela jogada colocou-o, subitamente, numa improvável fronteira do heroísmo. Terá sido o jogador errado na hora… certa. Imagine-se o truculento Ukra, um rato do contra-ataque, naquele lance. Também podia falhar, claro. Duvido é que falhasse da mesma maneira. Até podia enfiar um balázio por cima da barra que arrancasse a cabeça de um adepto atrás da baliza, mas o peso do mundo seria diferente. Isto é, falharia o golo de forma diferente. De forma mais humana. Ou desumana, não sei, depende da perspectiva.
Foi um final surreal para um jogo disputado sempre nos limites da emoção. A armadilha em que os jogadores do Benfica caíram vezes demais. Ver a importância de um jogador quando ele não joga é quase como conseguir brilhar pela ausência. Perceber Aimar é perceber hoje o homem que acende as luzes (alma criativa e cerebral) do onze de Jesus. Ver um jogador, Di María, que pensa sempre o jogo no um-para-um (isto é, driblar o adversário e correr) num espaço onde fundamental é simular e passar, mudança de velocidade em espaço curto, inverte a lógica fundamental de funcionamento de toda a equipa. Em campo, cada jogador tem o seu sítio certo. Não impede claro que apareça noutros. É saudável conhecer locais diferentes. Não pode é ser durante muito tempo. É quase como a diferença entre o turista e o viajante.
O Olhanense, com o coração táctico nas mãos, fizera dois golos em bolas paradas que se mexeram com dois belos centros de Rui Duarte. Mas, depois, o jogo pode levar-nos para os locais improváveis. Que não são claramente os nossos. Como no caso de Tengarrinha. Isolado perante a sua essência. A insustentável leveza humana perante a oportunidade de, num ápice, virar o mundo (jogo) de pernas para o ar. Não virou. E tudo voltou à terrível normalidade.
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