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03 outubro 2009

Crónicas de Vítor Serpa

Será sempre um lento despertar...

Por VÍTOR SERPA in A Bola

SE a euforia é quente, a derrota é o duche frio que ajuda a arrefecê-la. No fundo, são estas manifestações da natureza que nos ajudam a perceber que nem tudo acontece, mesmo quando se pensa que tudo o homem fez para acontecer. Não há, sequer, que ir à procura de explicações muito complexas para se entender por que razão uma equipa como a do Benfica, que tudo parecia ser capaz de levar na sua frente, se empobrece e se diminui sempre que sai de passaporte na mão.


Repare-se no FC Porto. Repare-se na cultura vencedora da equipa, nos seus comportamentos em campo, na forma sentida como sofre — verdadeiramente sofre — quando perde pontos, quando a exibição afrouxa, quando os objectivos ficam aquém do esperado. Repare-se, pois, no FC Porto, muito para além daquela canção repetida em que o seu presidente se demora na vã tentativa de que ninguém note os seus pressentimentos e os seus receios. Veja-se como tresanda a rigor e a sentido de responsabilidade, que o faz negar qualquer sentimento de conformismo quando perde. Levou anos e anos a mudar de estado de alma. Foi preciso acreditar que não havia fantasmas além do Douro, que as derrotas não tinham necessariamente de ser inevitáveis e que o poder, ciclicamente alternado, do Benfica e do Sporting, podia e devia ser combatido e vencido.

Veio dos tempos de Pedroto, essa convicção que, depois, ganhou bons discípulos. É verdade que para apressar a conquista lhe foi consentido avançar a ferro e fogo, mas acabaria, mais tarde ou mais cedo, por conseguir. Porque se tratava, além de uma simples vontade, de uma convicção, de um novo estado de alma, de uma nova cultura que sempre se estranha e só depois se entranha.

É essa cultura que esteve arredada do Benfica ao longo de muitos e muitos anos. Começa, agora, a ser recuperada, admite-se, o que deixa mais nervosos os principais adversários, mas não se pense que possa regressar, de uma forma sólida e regular num único ano de transição. Recaídas, como a que o Benfica teve em Atenas, serão, ainda, muitas. É tudo uma questão de não continuar a dizer que a culpa foi da relva e das botas e da chuva ou do sol e enfrentar essa culpa pelos cornos, como um forcado enfrenta o touro.

Quanto mais tolerância na derrota, mais longe estará o Benfica do regresso a essa sua antiga cultura de vitória e, por isso, longe estará ainda do FC Porto, que acabará por continuar a ter todas as vantagens para conquistar títulos e adiar esse crescimento do Benfica que, necessária e conscientemente, tanto teme.

Mas será inevitável, no futuro, mais ou menos próximo, essa mudança na ordem de poder? Julgo que sim, por uma razão forte e essencial: o FC Porto não soube capitalizar, como devia, estes anos de glória. Consolidou-se na região, mas cresceu pouco para o que podia e deveria ter crescido no País. Vai ser-lhe fatal.

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