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18 outubro 2009

Crónicas de Luís Freitas Lobo

O 'estado da nação' com bola

Por Luís Freitas Lobo in Expresso.pt

Benfica

A alta intensidade com que a equipa (velocidade dos jogadores) começa cada jogo é a imagem que mais impressiona num primeiro olhar ao 'admirável mundo novo' benfiquista. A velocidade é, porém, sobretudo táctica. Nessa nova dinâmica, a âncora que, em 4x4x2, mantém toda esta vertigem de jogo presa ao relvado é o pivô à frente da defesa: Javi Garcia. Sempre mais perto dos centrais do que dos médios, mantém a equipa equilibrada quando perde a bola. E quando sente que esse equilíbrio se pode perder, não hesita em dar uns passos mais à frente e fazer uma falta. São as chamadas 'faltas tácticas', uma arma fundamental na transição defensiva do Benfica.

No centro criativo do meio-campo um jogador renascido: Aimar. Conecta agora melhor com o jogo, porque conecta melhor com os colegas mais próximos, entre eles um coelho que recua desde o ataque, Saviola, e invade o espaço nas imediações da área, o local onde, fazendo saltar as marcações adversárias, abrem-se espaços para os criativos benfiquistas furar. A dúvida individual que suscita o futebol de Aimar é, no fundo, a que se coloca a toda a equipa: será ela capaz de manter este nível de intensidade de jogo tão alto até ao final? A resposta passa, fundamentalmente, por saber como será gerida a forma dos jogadores (entendida aqui como o triângulo físico-táctica-mente).

O facto de nos jogos da Liga Europa esses níveis baixarem claramente, é, penso, um processo intencional. A alta intensidade está guardada para os jogos do campeonato, sobretudo no início. Falta ainda ver jogos em que mais do que aumentar ritmos, seja necessário controlar ritmos. Já se viu que a equipa é forte a dominar. Falta saber, a controlar. Algo decisivo sobretudo vendo nas faixas jogadores que jogam sempre a correr (Di Maria, sobretudo). A chave está na tal conexão central Javi-Aimar, mas quem agarra a equipa de uma área até a outra tem outro nome e apenas duas pernas: Ramires, o supremo elo de ligação.

A dúvida fica só em saber como, com o olhar do treinador, irão estes principais jogadores gerir esta alta intensidade com o acumular da época.


FC Porto

O futebol é um jogo colectivo, mas a melhor forma de levitar os adeptos é através das qualidades individuais. A chamada criação da estrela. Sem Lisandro e Lucho, o mundo azul-e-branco necessitava de outra estrela. Ela nasceu pela força dos golos. Falcão encaixou no estilo luso-europeu porque encontrou uma equipa que sabe dar-lhe os espaços ideais para ele se movimentar, não o obrigando a recuar como fazia o seu antecessor na posição. O espaço de Falcão é a área. Pelo ar, de cabeça, ou pela terra, de calcanhar.

Mas, claro, além dos detalhes dos golos, existe o plano táctico global. Em permanente reconstrução, é o quarto
puzzle que Jesualdo monta. Porque as peças (jogadores) mudam de época para época. Nessa mudança, também a evolução. Depois do 4x3x3 puro, as variantes que permitem o 4x4x2. Nesse sentido, o principal problema hoje é resgatar Rodriguez para o seu plano táctico de avanços e recuos, activado por um jogador que ora é o terceiro avançado ora é o quarto médio. Nesta equação do meio-campo, Meireles está a sentir muito o peso de ligar sozinho as suas várias linhas (as tais transições defesa-ataque-defesa). Antes tinha Lucho, agora olha para o lado e vê Belluschi. Não é a mesma coisa. Também mestre no passe mas apenas para terrenos mais adiantados. Por isso, o renascer de Guarin. Mais robusto e capaz de ocupar mais espaços no meio-campo.

O outro case study chama-se Hulk. Quando parecia imparável, nas explosões individuais e no saber colectivo, passou a transformar o seu jogo numa sucessão de aventuras individuais que, quase sempre, chocam contra o 'muro' das defesas. Falta-lhe o antigo avançado mais móvel na posição 9 para abrir-lhe os espaços que ele próprio sozinho não consegue criar. Um dilema interactico para Jesualdo resolver.

Sporting

Será estranho falar de táctica e jogadores numa semana em que o debate que concentrou o mundo sportinguista se baseou em valores imobiliários obrigatoriamente convertíveis. O grande problema é que, no meio de tudo isto, existe uma equipa de futebol que joga todas as semanas. Nem o primeiro, segundo ou terceiro lugar, são uma consequência directa do valor dos orçamentos. Estes são, no início, uma condição para entrar nos chamados grandes mercados, mas não para fazer uma melhor equipa. Em primeiro, sendo mais astuto noutras brechas de 'outros mercados'.

Em segundo, pensando no actual onze, descobrir como fazer uma melhor equipa, para jogar melhor. Dificilmente, porém, para fugir à 'cristalização táctica' que o losango lhe provocou. Só a inspiração dos jogadores individualmente pode dar outra dinâmica ao colectivo. Para isso, neste momento, a chave passa pela recuperação de Izmailov para 'quebrar o gelo' do meio-campo, e por Matias Fernandez perceber melhor a equipa, e a equipa a ele. Dois jogadores que, ao lado de Moutinho e do novo Veloso, podem revitalizar a geometria do meio-campo e fazer a bola chegar com outra 'cara' perto de Liedson.

O problema da insegurança defensiva contraria a tendência da época passadas e não nasce apenas da crise existencial de Polga. Começa no meio-campo, que hoje trabalha menos defensivamente quando perde a bola em posições adiantadas, e no facto dos laterais fecharem mal os flancos, sobretudo na esquerda. O lado onde, no centro, por perto, está... Polga, que assim fica mais exposto. Melhorar a forma de atacar da equipa, passa por melhorar a sua forma de defender, interligando melhor a recuperação de bola com o início de construção de jogo. Uma solução para este problema global poderia passar por readaptar Miguel Veloso a lateral-esquerdo e puxar Moutinho para pivô, à frente da defesa, na posição 6. Porque, em campo (defesa-ataque/ataque-defesa), tudo está relacionado, como explica Liedson a cada lance, em que o supergoleador parece o primeiro defesa na forma como pressiona o adversário que tenta sair com a bola.

O tunel da Estrela...
Seguindo as estrelas, este será um dos maiores enigmas do futebol actual: porque é que os grandes jogadores, os melhores do mundo, não brilham tanto na selecção como fazem nos seus clubes? No centro deste mistério, os maiores génios. Messi, Ibrahimovic e, claro, o nosso Cristiano Ronaldo.

Como não é possível o talento perder-se na viagem, existirá algo mais escondido nas profundezas do jogo que provoca este efeito, pois tecnicamente eles continuam a ser os 'mesmos jogadores'. Ou seja, conservam a mesma magia técnica individual (arranque, finta e remate). A diferença começa, pois, no enquadramento táctico-colectivo. Mais do que o sistema ou a posição (esses até podem ser igual nos dois lados) é a forma como se relacionam com os outros colegas da equipa que se altera, sobretudo com os que se movem mais perto de si. Sem esse reconhecimento automático de interacção de movimentos, o jogo de todos eles fica mais precipitado, menos pensado, com maior dificuldade em detectar o tempo e o local certo para executar tecnicamente (o arranque, a finta e o remate, outra vez). Porque até o génio, para ser eficaz, necessita de ser executado no local certo. Tudo isto é mais estranho porque vendo-os jogar nas suas selecções, fico sempre com a sensação que eles até correm mais do que nos clubes...

... do clube à selecção
Não pode existir, porém, pior sinal para a qualidade de jogo do que ver um jogador a correr demais. Porque ninguém joga bem por correr mais, mas sim por correr... melhor. A consequência dessa maior vertigem de jogo nota-se mais nos timings de pausa do que na pura velocidade. São muito diferentes e sem o mesmo critério táctico-colectivo. Era, por isso, que falando do seu Messi que não brilha tanto na Argentina como no clube, o sábio Menotti disse que enquanto no Barcelona ele... joga, na selecção ele... corre. Sucede o mesmo, com as devidas especificidades de cada equipa onde se inserem, com Ibrahimovic e Ronaldo. Todos eles, na selecção, correm... demais. E jogam menos.

Outro aspecto é reparar como, no jogo, com o passar do tempo, todos eles ficam emocionalmente mais ansiosos. Basta um grande plano de qualquer um deles para se detectar isso nos seus olhares. Ansiedade pura. Na selecção, são estrelas que tentam brilhar pela luz própria. No clube, são estrelas que brilham iluminadas pela luz da equipa. É o este segundo brilho que, no futebol moderno, táctico até ao tutano, tem em campo maior beleza e intensidade.

Portugal, o meu reino por mais um golo
Emoções Existem várias formas de festejar golos. A passividade de Simão depois de fazer o 1-0 contra a Hungria intrigou todo o Estádio da Luz. No 3-0, porém, regressou, com sorriso aberto, ao seu estilo habitual, braços abertos, simulando o voo. Uma transformação que, afinal, espelha os diferentes estados de espírito por que passou a selecção na tormentosa fase de apuramento. Contra Malta, emoções libertas, Simão voltou a marcar, um golão, e nessa altura, já todo o país estava reconquistado.
A selecção de Queiroz pode voltar a sonhar com o Mundial da África do Sul. Em 4x3x3 ou 4x4x2, provou que jogar bem é o caminho mais curto para ganhar um jogo.

Perdido no passado fica o pesadelo da derrota amarga com a Dinamarca. Com novas formas de jogar, com ou sem extremos, a selecção tornou-se mais imaginativa e com maior instinto goleador. É, também, o efeito-Liedson, a última expressão luso-brasileira em forma de golo. Com a lesão de Ronaldo, a caça ao golo passa agora muito por estes dois jogadores. Simão e Liedson, com Nani por perto e Deco a tentar regressar à melhor forma.

Mais atrás, descobriu-se o pêndulo perfeito: Pedro Mendes, do Glasgow Rangers que, aos 30 anos, vive o seu segundo fôlego na selecção.
Depois deste renascimento, o país está preparado para festejar mais golos.

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