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22 julho 2009

Crónicas de Luís Freitas Lobo


Os 'construtores' de jogo

Por Luís Freitas Lobo in A Bola

É das frases mais ouvidas no futebol: «a equipa começa a construir-se de trás para a frente». Até pode ser verdade, mas só se o construtor (treinador) dessa equipa tiver a noção que para a frase fazer sentido, deve ser cruzada com outra ideia, na qual, afinal, só muda uma palavra: «o jogo começa a construir-se de trás para a frente».


Só entendendo estas duas palavras — equipa e jogo — na mesma frase e ideia, aquela velha noção de construção fará sentido num futebol moderno, intenso, de ataque-defesa, defesa-ataque. Poucas vezes, porém, aquela frase inicial é vista desta forma ampla de conceber o jogar da equipa. Na verdade, ela revela, quase sempre, que o treinador no início de construção já imagina a equipa sem a bola, esperando o adversário. É uma questão conceptual de jogo.

Porque pode-se na mesma começar a construir a equipa de trás para a frente, mas com… a bola nos pés. Esta diferença ideológica condiciona desde logo o tipo de jogadores (sobretudo centrais e médios mais defensivos) eleitos para as linhas mais recuadas do onze.

Mas, para explicar o moderno, nada como voltar aos… clássicos. Penso num jogador que explicava em campo este cruzamento de ideias em cada jogada. Já passaram uns anos. Humberto Coelho. Tinha algo que assombrava só pela forma como estava em campo. Era a simples forma de pisar a relva e olhar de frente para o jogo. Ordenava os colegas da defesa, dava carácter, marcava o seu território aos avançados, sem osso, imperial de cabeça, recebia a bola, peito feito, saía rápido, disciplina táctica total. Em suma, «fazia a equipa de trás para a frente». Percebia que a melhor forma de um jogador brilhar individualmente é fazendo, através dele, brilhar o colectivo. Esta casta de jogadores, de trás para a frente, esfumou-se.

Só que perder a bola para uma equipa grande não é a mesma coisa que para uma equipa pequena, pois a qualidade táctica (colectiva e individual) dos jogadores não é a mesma. O treinador sente isso e protege-se. Na equipa grande, porém, a bola nunca pode ser vista como uma granada. Perdida a posse, deve comportar-se como se a fosse recuperar em poucos segundos. Sem mexer um nervo da face, ler o posicionamento adversário e ter a flexibilidade para, como num jogo de espelhos, mexer as suas linhas (por todo o campo). Interceptar o passe ou forçar o erro. E recuperar a bola.

Um dos gestos que mais aborrecem o público é quando um jogador (equipa) faz um passe atrasado. É consequência da ansiedade com que seguem o jogo. Exactamente o sentimento oposto que deve ter uma equipa (jogador). Esse gesto pode ser o começo de uma nova tentativa de construção. Desde trás. É preciso, porém, que o jogo seja pensado desde essas zonas, desde esse conceito. Por isso, um passe atrasado para Humberto fazia a equipa… avançar.
Era outro futebol? Talvez outro ritmo. A ideia, essa, é intemporal. Hoje, como antes, é o princípio do jogador construtor. Porque a dimensão de uma equipa mede-se pela sua dimensão de assumir riscos. Com ou sem bola.

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