Crónicas

O Mourinho da Brandoa

Por João Bonzinho in A Bola

ENTREVISTA, no mínimo, muitíssimo interessante a do novo treinador do Benfica a este jornal, publicada na edição de ontem. Podemos ou não gostar do estilo de Jorge Jesus (pelo qual, confesso, nunca morri de amores), da sua maneira de estar, do seu discurso, de como fala ou como se veste, mas é muito difícil que ele nos seja indiferente.

Claro que por ser agora o treinador do Benfica, Jesus ganha dimensão mediática. Fala-se mais nele e fala-se mais dele. Tendemos a pensar mais e melhor no que diz. Jesus pode não mudar, como ele próprio diz, pelo facto de estar no lugar em que está. Mas estar nele muda muita coisa. Ou melhor, muda tudo. E Jesus vai perceber rapidamente isso. Como escreveu Ricardo Araújo Pereira, por piada, em A BOLA, há qualquer coisa de Mourinho em Jesus, o que faz de Jesus uma espécie de Mourinho, como lhe chamou Ricardo, o Mourinho da Brandoa. Ainda que por piada, talvez o que foi escrito tenha o seu lado verdadeiro, quanto mais não seja porque Jesus, tal como Mourinho desde o início, também foge ao politicamente correcto e nunca passa pelas coisas sem lhes dar o respectivo nome.

Menos bem falante, menos elegante a vestir, menos fashion na imagem, mas igualmente obcecado pelo futebol, pelo trabalho, pelo jogo, pelo treino, pela evolução dos jogadores, pelos arquivos, pela memória dos dados, Jesus tem esse lado fascinante dos que vivem para o que fazem e dos que, também por isso, se julgam genuinamente bons.

Jesus e Mourinho parecem saber ambos exactamente o que fizeram ou disseram naquele jogo em Junho de 2000, ou de 1997, ou de 2003, ou de Fevereiro, de Abril ou de Setembro. E isso só o consegue quem vive o futebol como eles. Recordo, por exemplo, o que respondeu André, ex-jogador e antigo internacional, hoje elemento técnico do FC Porto, no final de um Rio Ave-FC Porto, se não me engano, logo nos primeiros tempos de Mourinho como treinador do FCP (ainda longe dos sucessos), quando lhe perguntaram o que tinha Mourinho assim de tão diferente para ser considerado tão bom e tão arrojado técnico: «A diferença é que Mourinho nasceu para ser treinador de futebol». Talvez muitos não tivessem compreendido exactamente o que queria dizer André. Mas hoje já ninguém tem dúvidas.

Talvez com Jesus se passe hoje um bocadinho a mesma coisa. Tal como Mourinho, também Jesus acredita profundamente que o treinador de futebol deve estudar pelos livros mas deve treinar e trabalhar as equipas sem eles, o que quer dizer que, como Mourinho, também Jesus explora, por exemplo, o seu lado criativo nos treinos e por isso diz que quase todos os seus treinos são diferentes e todos eles desenhados por si. À imagem de Mourinho, também a Jesus parece não faltar aquela pontinha a que chamamos arrogância mas que no fundo não é mais do que ambição e crença no que fazem.

Podendo Jesus vir a ser treinador para o Benfica, discute-se muito agora se será o Benfica clube para Jesus. É fácil perceber que o Benfica é um clube muito complicado, muito emocional, ainda estruturalmente frágil no futebol, por isso instável, muito pressionado e também por isso nem sempre capaz de tomar as melhores decisões. Se Jesus der certo, será certamente Jesus a fazer bem ao Benfica; se não der, será certamente mais o Benfica a fazer mal a Jesus. É inevitável.

O que já se sabe é que Jesus foi capaz de pagar do seu bolso ao Sp. Braga qualquer coisa como 345 mil euros para ser treinador do Benfica. É uma aposta fortíssima. Há quem tenha muito dinheiro e faça apostas dessas em jogos de sorte, há quem não deva ter assim tanto e aposte isso na sua própria capacidade e na convicção de que essa aposta vai dar resultado. É este o caso de Jesus.

Só por isso já merecia Jesus o que nem ele nem Mourinho procuram mas também precisam obviamente de ter: um pouco de sorte.

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