Por Luís Freitas Lobo in expresso
A liderança, por si só, não traz felicidade. Falta a alma. Os jogadores encontram a dificuldade que encontra a equipa e não vice-versa...
Uma equipa só agarrada à fria realidade dos resultados não pode ser verdadeiramente uma equipa. Pode até ser um modelo de sucesso mas falta-lhe mais qualquer coisa. Falta-lhe a alma. Terminou a primeira volta do campeonato. Quinze jogos com o mesmo líder. Mesmo assim, continuam a desconfiar dele. No fundo, quem olha de fora só vê os resultados. A liderança, por si só, não dá felicidade. Mas, basta ver um jogo seu para perceber que este líder é uma equipa que sorri em campo, na táctica e na técnica. O Braga é um intruso até agora quase 'acarinhado' por Benfica e FC Porto, os suspeitos do costume. Não o levam muito a sério porque são ainda incapazes de ver a sua alma. A pergunta, agora, é se irá aguentar a 'pressão' da aventura na segunda volta. Neste momento, dá a ideia que Domingos, sempre de pé no banco, tem pendurado no pescoço um fio com a chave para todos os problemas, mas a qualquer momento as portas vão ficar muito mais 'estreitas'. Será mesmo nos jogos contra os clássicos candidatos? Pode ser...
O actual FC Porto, aquele que vem hesitando e tropeçando desde o início da época, não é o melhor FC Porto que conhecemos. Ficou perdido em épocas passadas. Agarrado a melhores jogadores. Quando isto sucede, é comum dizer-se que a equipa 'está em construção'. É a melhor forma de iludir as razões para uma exibição mais fraca. Os treinadores refugiam-se muito nessa imagem. Jesualdo tem tocado nesse ponto. Na verdade, é uma explicação que 'mascara' as carências da equipa. O onze corre, sua, mas como que parece ter um problema 'eléctrico'. Ora se conecta, ora perde a ligação. Joga 'a espaços'. O maior problema está no meio-campo. Isto é, nas diversas ligações que nele se fazem (as transições). Saber construir com bola, saber reagir à sua perda. Sem nunca perder o equilíbrio a defender e a capacidade de desequilibrar a atacar. Chegar ao título jogando 'a espaços' é um projecto demasiado arriscado. Sem novos jogadores, só uma grande subida de forma de alguns (Fernando-Meireles-Rodríguez) poderá mudar o destino. Falta-lhe, ainda, o 'homem invisível', quem (como interior-direito do meio-campo) consiga que o jogador mais falado no final dos jogos não seja alguém que já foi embora há mais de meio ano.
Noutra perspectiva, outra pergunta corre no Dragão: onde poderá o Benfica perder pontos? A equipa de Jesus continua imperturbável. Está a interiorizar a 'rotina' de ganhar. O onze empolgante que atropelava adversários deu agora lugar a uma equipa de rosto mais 'humano'. Menos excitante, mais cirúrgico tacticamente. Percebeu onde estão as suas lacunas (ao mesmo tempo que também os adversários as detectavam) e aprendeu a defender-se delas. O meio-campo endureceu os processos defensivos. Pode entusiasmar menos, mas visto à 'lupa táctica', está mais 'equipa'. Nenhum campeonato se ganha em 'permanente velocidade'. O segredo está em saber manejar as mudanças de ritmo. Na classificação (diferenças pontuais) e na relva, onde o seu futebol se explica, a cada lance, através das diferentes conexões estabelecidas por Saviola, ora com o meio-campo, ora com o avançado mais fixo.
Braga, Benfica e FC Porto. Domingos, Jesus e Jesualdo. Cada qual com as suas virtudes e defeitos futebolísticos espelhados nas forças e fraquezas das suas equipas. Ao contrário do que parece, são os jogadores que se deparam (e sofrem) com as dificuldades que encontram nas equipas e nunca vice-versa. Por isso, saber ganhar os jogos mais pelas circunstâncias do que pela força do talento pode ser o segredo.
Problema 'canhoto'
Todas as equipas, quando se olham ao espelho, descobrem defeitos. É futebolisticamente humano. O desafio é, então, perceber a implicação desses 'pontos cinzentos' que turvam o seu melhor jogo e descobrir como os transformar (ou, pelo menos, disfarçar). O Benfica é a equipa que, esta época, tem jogado melhor durante a maior parte do tempo. A atacar e a defender. A pergunta que fará a si própria é onde (que posições) deve mexer e o que deve fazer (no jogo) para melhorar. Na capacidade de responder às questões mais difíceis está sempre a base do segredo que faz os campeões.
No onze de Jesus há, no plano do ideal da dinâmica táctica-total, uma posição que emerge como o 'maior problema': lateral-esquerdo. A contratação de Schaffer acabou por não ser mais do que resposta rápida (ou tentativa) à contratação de Pereira (o primeiro alvo 'encarnado') pelo FC Porto. Tentativa falhada. Com claras dificuldades defensivas, também revela pouca inteligência a atacar (centra de longe e custa-lhe entrar em tabelas). Colocar David Luiz nesse local é retirar do eixo um dos melhores centrais do futuro na Europa.
César Peixoto tem sido a solução mais equilibrada, mas, sem ser rápido, perde a posição defensiva facilmente perante extremos ou alas mais rápidos ou astutos a cair nas suas costas. É, nesse sentido, a aposta pessoal menos conseguida de Jesus na construção do seu onze. Não é um erro de casting, mas tornou-se, neste momento, um travão ao crescimento da equipa para a fase decisiva da época. Com o mercado aberto, esta seria a posição-chave para o Benfica buscar um reforço para o imediato. Depois disso, ver-se tacticamente ao espelho, em qualquer momento do jogo, seria sempre mais confortável.
Duelo da jornada
Vamos sair do relvado e procurar outra espécie de duelo. Dois treinadores, com percursos diferentes, mas com boas ideias de futebol como ponto de contacto. Diferentes os percursos. Ainda curto o de André Vilas-Boas. Procura fugir ao rótulo de "mini-Mourinho" mas, vendo o estilo e passado de fiel adjunto, a conexão é inevitável. Domingos já disse o que é o seu futebol, na União de Leiria e na Académica. Dois projectos com jogo tecnicamente perfumado e saber táctico. Defrontam-se nesta jornada, em Coimbra: Académica-Braga. Mais um teste ao líder.
Além deste duelo, existe o 'outro futuro'. Talvez seja excessivo (ou talvez não...) dizer já que poderá estar num desses dois bancos um futuro azul-e-branco. Partindo de pontos diferentes da carreira, ambos sabem que faz sentido essas cores estarem no seu horizonte. Mais tarde ou mais cedo.
O rato que muda
Ainda na passada semana escrevia sobre a origem do bom futebol. Ou melhor, sobre a posição em que ele começa numa equipa. Falei então no crescente protagonismo dos laterais em relação aos médios-centro. Mesmo assim, causa espanto ver como um simples defesa-lateral transforma tanto o jogo (ritmo e dinâmica defesa-ataque) de uma equipa em apenas dois jogos. Penso no efeito João Pereira no onze do Sporting. Porque é diferente dizer que o jogo (a saída de bola) começa num lateral do que dizer que este é a principal referência da equipa para, depois, perto da área adversária, assumir construção, desequilíbrios e último passe. Não sei se essa sensação nasce da velocidade com que joga, o que lhe permite chegar rapidamente a todos os lugares, mas ver como João Pereira pegou pela mão a equipa do Sporting, desde que nela entrou, diz muito de como ela estava órfã de referências.
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