Por Luís Freitas Lobo in Expresso
Jogo. No papel, são apenas três pontos. Na mente, porém, não é bem assim. Estes são os chamados três pontos "psicológicos". Que podem virar a época
Cada qual tem o seu encanto. Aimar, Hulk, Cardozo, Falcão. Eles podem ser os relâmpagos num jogo preparado em papel quadriculado por Jesus e Jesualdo. Num clássico, 90 minutos são muito longos. Mais do que num simples jogo. Porque são mais do que três pontos normais. Estes são os chamados "pontos psicológicos". Aqueles que definem poder, confiança e crença. Palavras e valores futebolísticos que entram na equipa que os souber ganhar. São pontos que, no futuro, garantem mais poder nos ditos jogos "normais". Os tais que valem "só" três pontos. Como eram os de Olhão, onde o Benfica jogou com a cabeça em "projecção acelerada" uma semana, com o subconsciente no clássico.
Antes do jogo, para o treinador, cada dúvida é um "adamastor" em forma de jogador e sua posição em campo. A táctica é um desenho. O Benfica em 4x1x3x2, o FC Porto em 4x3x3. Será o mais provável. Mas o FC Porto pode surpreender e surgir, como na época passada, num traiçoeiro 4x1x4x1. Tem jogadores para isso. E lançar Hulk desde o corredor central.
É mais difícil Jesus mexer. Sem Di Maria e Coentrão perde os relâmpagos das faixas que jogam "um-para-um" (isto é, encaram o defesa, fintam-no e vão embora). A lesão de Ramires e a interrogação sobre Aimar. Ele é o cérebro criativo. Mas, no jogo, a cada segundo, pode acontecer qualquer coisa. E tudo muda.
Um jogo destes tem muitas "portas secretas" e nem sempre são os melhores jogadores que as abrem. Os seus protagonistas favoritos são, muitas vezes, os chamados "operários". Discreto, mas com um tiro que sai como se tivesse um silenciador na ponta da arma (chuteira), Guarin segue os ponteiros do relógio táctico e está mais atento a ver o espaço livre à sua frente. No outro lado, a "trave-mestra" do edifício encarnado, Javi Garcia. É um "farol" permanente. Com o seu futebol curto, linear, dá segurança sem necessitar de gestos excessivos. O importante, depois, é a sequência da jogada à sua frente. O último instante da organização ofensiva tem sempre a presença de um "coelho", Saviola, mas a melhor emboscada pode estar no lado contrário, nas tatuagens de um médio que faz do jogo "corte e costura". É o estilo de Raul Meireles. O esforço que coloca no jogo parece secundarizar o talento. Mera ilusão. Ele nunca perde o seu guião táctico.
Perto da área, ou dentro dela, Cardozo parece estático, movimentos curtos, até que a bola se aproxima. No lado oposto, junto da outra área, Hulk lembra uma "avalancha" perto de eclodir. Controla a bola e arranca. Um homem sozinho contra o "mundo". A seu lado, os outros jogadores parecem feitos de "cartão". Olham para ele e nem reclamam mesmo quando, com espaço fechado e outra opção ao lado, não faz o passe e deixa a jogada perder-se. Nisso, Cardozo tem outra sensibilidade. Vê-se, até, nos grandes planos. Olhos em baixo, e, na próxima jogada, passa logo a bola. Entre os dois, no discurso e no método, está Falcão. O tipo de nº 9 que olha de lado toda a gente, defesas e colegas. Levanta voo na hora certa, sabe recuar para dar um toque burocrático (mas indispensável) na bola e logo depois voltar para o seu lugar na área.
Mas o campeonato não acaba na Luz. Depois deste jogo, ainda falta muita vida. Na mente, porém, ficarão as suas "cicatrizes". Três pontos "psicológicos" para carregar até ao fim da vida (campeonato). A "porta secreta" decisiva do título não estará neste clássico, mas será impossível de ser descoberta sem conseguir passar por ele com os chamados "olhos de póquer", a suprema capacidade de disfarçar emoções. E ganhar, naturalmente.
A melhor defesa
Em busca do "póquer" perfeito, para Jesus e Jesualdo cada jogador é como uma "carta". Quem terá, na relva, o "Ás" que pode decidir o jogo? Aimar, Hulk, Cardozo, Falcão, Saviola, Varela...
É inevitável, neste exercício de busca pelo jogador decisivo, pensar em avançados, no remate para o golo.
Mas a chave (o "Ás") pode estar no local oposto. Na frente desse caça-golos. É o "mundo privado" dos guarda-redes.
No clássico, Quim e Helton, os "eremitas" das duas balizas. Muito diferentes. No estilo e no gesto. Helton é samba sorridente. Para o bem e para o mal. Cada bola convida a um voo. Mas quando ela está longe, parece que lhe falta o violão.
Quim fez toda a carreira na Luz em contra-mão. Ainda hoje se diz que a qualquer momento vai mudar o titular. Insensível, mesmo sem aquela pinta galã de guarda-redes (meio entroncado, camisola por fora dos calções, cabelo desgrenhado) vai entrando, jogo após jogo, com íman nas luvas e defende, defende.
E, para este clássico, fica uma aposta: ganha a equipa na qual o guarda-redes fizer a grande defesa do jogo. Será esse o "Ás"?
Nas alas, os loucos
Sem Di Maria e Coentrão (ou Ramires) pode ser Carlos Martins o substituto de um desses jogadores? Poder, pode. Mas não é a mesma coisa. A frase não é um spot, é uma constatação futebolística. Carlos Martins é capaz, sem dúvida, de fazer coisas fantásticas no jogo, mas na maior parte dele, pela instabilidade emocional e táctica com que vive (joga), passa a maior parte do tempo à margem do funcionamento colectivo. Um estado de espírito que ultrapassa a táctica. Colocado numa faixa, em vez do centro (a casa dos cérebros), pode funcionar melhor. Isto é, o seu estilo pode encontrar melhor espaço. Porque é nas alas que, historicamente, jogam os jogadores mais loucos, no bom sentido futebolístico do termo. Carlos Martins não é um ala, mas pensa emocionalmente como um. Por isso, acho que o seu melhor lugar é lá. Depois, com o jogo, ele move-se!
Os bons amigos
Era Vinicius de Morais quem dizia: "Os amigos não se fazem. Reconhecem-se!" Filosoficamente, não sei se será bem assim. No futebol (ou melhor, numa equipa de futebol) não tenho dúvidas. É mesmo assim. Sempre foi. É uma questão de cumplicidade. Entender os espaços.
Pensemos no clássico. No Benfica há um jogador essencial para estabelecer essas relações no processo ofensivo da equipa. Saviola. É, no papel, o segundo avançado do 4x1x3x2. Nos movimentos, ele tem a geometria perfeita do avanço e do recuo. Quando recua, conecta com Aimar. Quando avança, conecta com Cardozo. Nessas manobras alternativas, faz tabelas e inventa espaços por entre adversários, daí dizer-se ser exímio a jogar entre linhas, sobretudo quando recua e fica entre os centrais e o médio mais defensivo adversário, um espaço oco que desequilibra as marcações.
No FC Porto, existem dois jogadores que, nos últimos jogos, têm demonstrado maior vocação para "fazer amigos". Um deles é Fucile. Faz todo o corredor direito. Vai até ao ataque "falando" (trocando a bola ou dando indicações de movimentação) com o médio mais interior desse lado ou, mais à frente, com o ala-extremo respectivo. O outro, é Varela. Não será um grande craque, mas é hoje, talvez, o jogador que melhor entende a equipa, isto é, que melhor entende e colabora com o resto dos jogadores que se movem perto dele. No flanco, como extremo, ou mais por dentro, como avançado solto, procura espaços através de tabelas, fazendo assim todo o ataque jogar em conjunto.
As grandes jogadas individuais até podem, por vezes, decidir um jogo, mas os campeonatos, esses, decidem-se com as relações colectivas que se estabelecem dentro de uma equipa.
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