Entrevista de José Manuel Freitas e Gonçalo Guimarães
— Como têm sido os primeiros dias desta nova aventura da sua carreira, como treinador principal do Benfica?
— Têm sido dias de adaptação. Num clube com a dimensão do Benfica tenho de perceber primeiro para onde venho. É fundamental para perceber como devo montar as minhas ideias e chegar onde quero.
— Este desafio, o maior da sua carreira, chega no momento certo?
— Para mim é o momento certo. O Benfica tem tudo o que é preciso para um treinador ter o objectivo de ser campeão: tem jogadores, tem estrutura, tem massa associativa, tem história e tem cultura. Como confio na capacidade do meu trabalho e da minha equipa técnica, estão reunidas as condições para acreditar que o Benfica vai ser campeão comigo já na primeira época.
— Muitos treinadores chegam ao Benfica e, como forma de defesa, não prometem conquistar logo o título. Você promete.
— Não prometo, é uma convicção que tenho. Quando um treinador chega a este clube nem é preciso dizer que vem para ser campeão, porque o Benfica obriga a isso. Todos os profissionais desta casa, jogadores e treinadores, têm de ter essa mentalidade. Quem pensar de outra maneira está no clube errado.
— Pela sua forma de estar no futebol português, acha que o Benfica é um clube demasiado grande para si?
— Podia responder da mesma forma que um jogador meu respondeu a essa pergunta: o Hugo Leal disse que o Benfica se calhar é pequeno para o Jorge Jesus. Mas não quero ir por aí. Em todos os clubes por onde passei alcancei os objectivos traçados.
— Nestes primeiros dias no Benfica apareceu no jogo de juniores e no jogo de futsal. Funcionou um pouco como um político populista que anda à procura de votos ou foi sentir o pulsar da massa adepta do Benfica em relação a si?
— Funcionei de acordo com a minha maneira de ser, sem procurar contrapartidas. A presença no jogo da equipa de juniores tem a ver com um elo de ligação que gosto de ter nos clubes onde trabalho, ao longo do ano. Quanto ao futsal, quem me conhece sabe que tenho grande paixão por essa modalidade.
— Ter um treinador que conhece bem o futebol português é uma vantagem para o Benfica?
— Os treinadores portugueses são dos mais evoluídos do mundo. Antes de começar a minha carreira corri o mundo, estagiei com os melhores, e tenho a certeza de que alguns técnicos estrangeiros têm nomes e títulos mas não estão à frente dos portugueses. O treinador português é muito forte tacticamente e revolucionou o futebol na Europa e no Mundo.
— Face à perda de prestígio internacional do Benfica, a nova Liga Europa terá a mesma importância do que o campeonato?
— O grande objectivo do Benfica é ser campeão, mas a equipa está em todas as frentes para ganhar e precisa de recuperar esse prestígio perdido na Europa e no Mundo. Esse é também um grande objectivo. Se com o Sp. Braga consegui ir aos oitavos de final, acredito que com o Benfica posso chegar mais longe.
— Disse que consigo os jogadores vão render o dobro ou mais...
— Tenho convicção no que digo porque acredito no que faço. E há coisas que são claras: se o Benfica não jogar o dobro fica outra vez em terceiro lugar. Se os jogadores e equipa jogarem o mesmo que o ano passado não podem ser campeões.
— Isso não é um pouco indelicado em relação ao anterior treinador do Benfica?
— Ao dizer isto não quero retirar mérito ao Quique Flores e à sua equipa técnica. Quando digo que o Benfica tem de jogar o dobro é porque sei que tem de ser assim para ganhar o campeonato.
— Quando é que o tal Benfica à Benfica que prometeu vai começar a funcionar em pleno?
— No Sp. Braga contratei quinze jogadores e nunca pedi tempo. Se a mensagem do treinador passar facilmente, os jogadores vão assimilá-la rapidamente.
— Vai jogar num 4x4x2 em losango?
— Não tenho apenas um princípio e uma ideia de jogo para o Benfica. Quem trabalha comigo sabe isso, não trabalho apenas um modelo. E durante um jogo podemos alterar o sistema e a estratégia. Mas claro que temos de ter um ponto de partida e apontamos para um sistema com dois avançados no corredor central.
— Um treinador que chega ao Benfica e que vai lutar para ser campeão é obrigado a jogar sempre com dois avançados?
— Não, não é obrigado. Não há sistemas de jogo ideais para ganhar o título. Cada treinador tem as suas ideias e é essa a diferença. O futebol não é uma ciência exacta, é a ciência de cada treinador.
— Precisa de ter um jogador ao lado do Luisão que lhe dê profundidade e permita jogar com a defesa subida?
— Não. A minha ideia de jogo defensivo tem muito a ver com espaços. Se uma equipa tem dois centrais rápidos, é claro que é melhor, mas se não os tiver o fundamental é ter noção das distâncias em relação à bola. Na minha opinião o treinador é responsável por 60 por cento do processo defensivo e por 40 por cento do processo ofensivo. O resto é da responsabilidade dos jogadores.
— Já tem treinador de guarda-redes?
— Sim. Há dois elementos a acrescentar à equipa técnica, um treinador de guarda-redes e um treinador-adjunto, e eu e o Rui já chegámos a um entendimento. Na altura devida será apresentada toda a equipa.
— Tem o plantel que quer?
— Neste momento tenho. O plantel do Benfica tem muita qualidade e vamos tentar melhorá-lo para ficarmos mais fortes.
— Que posições pretende reforçar?
— Partindo da hipótese de ninguém sair, precisamos de contratar mais dois ou três jogadores. O sector onde achamos que temos de marcar a diferença, aquilo que eu chamo de ter poder, é o ataque. O Benfica já tem esse poder nos outros sectores, mas precisa de ter mais no ataque para sermos campeões.
— Então a sua prioridade não é um guarda-redes?
— Não. O Benfica tem bons guarda-redes....
— O ano passado Rui Costa fez quase todas as vontades a Quique Flores. Espera que aconteça o mesmo consigo?
— Espero que o Rui, dentro de uma lógica desportiva e financeira, possa contemplar-me com aqueles jogadores que achamos que são prioritários, que são primeiras opções. Essa é também a sua ideia, mas às vezes há outros valores que se levantam. E há aqui duas questões: primeiro, não é qualquer jogador que pode representar o Benfica, tem de estar à altura das exigências e objectivos do clube; segundo, é natural que em oito, nove contratações se possa errar numa, acontece a todos os treinadores e directores-desportivos, mas quando há apenas dois ou três jogadores para contratar, como é o caso, temos de ter a certeza de que não nos vamos enganar.
— Está preparado para perder jogadores como Luisão, Katsouranis ou Reyes?
— Se me perguntar se gostava de os perder, é claro que a resposta é negativa, mas se for do interesse do Benfica tenho de entender. Quero ganhar títulos no Benfica e também valorizar os jogadores, como aconteceu em todos os clubes por onde passei. No Benfica até é mais fácil, face à força da marca.
— Quantos jogadores quer no plantel?
— 25: 3 guarda-redes e 22 jogadores de campo.
— Quer observar os emprestados na pré-época?
— Queremos rentabilizar alguns activos que estão emprestados e que podem entrar nas contas do plantel, depois de os observar. É o caso do Sepsi e do Fábio Coentrão.
— E o Marcel?
— Gostávamos de o ter connosco mas não está fácil.
— E quanto a juniores?
— Alguns poderiam fazer a pré-época connosco, mas o que está a complicar é que acabam domingo o campeonato e nós começamos a época na segunda-feira, o que significa que não teriam descanso.
— Dia 29 o plantel estará fechado ou é complicado assumir esse objectivo?
— É complicado, mas o Rui e o presidente estão a fazer tudo para que assim seja.
— Falou-se de nomes como Tixier ou Weldon, que já trabalharam consigo...
— O Tixier nunca foi hipótese. O Weldon não escondo que tenho grande carinho por ele e acho que tem lugar em qualquer plantel do nosso campeonato.
— Se perder Katsouranis vai pedir a contratação de um substituto?
— É um grande jogador e gostava de contar com ele, mas também percebo se o Benfica tiver de o vender. De acordo com as características dos jogadores do Benfica, encontrarei soluções para colmatar a sua saída.
— Faz quase sempre adaptações muito felizes por onde passa. Poderá acontecer o mesmo no onze-tipo do Benfica?
— Tenho uma ideia formada das características dos jogadores do Benfica. Neste momento, antes de começarmos a trabalhar, conheço-os a 50 por cento, mais ou menos. E como o Benfica tem jogadores evoluídos, técnica e tacticamente, dá para colocá-los em várias posições. Aliás, penso que vai ser esse o grande segredo e evolução do futebol no futuro, em todo o mundo: vários jogadores com capacidade para actuarem em várias posições.
— Tem-se dito que Reyes não encaixa no seu sistema, que não é prioritário. É verdade?
— Os bons jogadores encaixam em qualquer sistema, e o Reyes é um excelente jogador.
— Mas os extremos têm lugar num plantel de Jorge Jesus?
— Sim, no Sp. Braga jogava com o Alan na direita e o César Peixoto ou o Matheus na esquerda, jogadores com características de corredor. Depois posso é tentar modificar algumas características individuais desses atletas.
— Aproveitando a discussão gerada na época passada, pergunto-lhe: consigo Cardozo jogaria sempre?
— O que posso dizer é que o Cardozo é um jogador muito importante para o Benfica. Um jogador que faz 15 a 20 golos todos os anos merece confiança e credibilidade. Todas as equipas gostariam de ter um jogador como Cardozo.
— Sobre Aimar já disse que é um terceiro avançado. E quanto a casos como os de Di María, Balboa e jovens como Fellipe Bastos e Urreta?
— O Di María é um jogador com grande valor e criatividade, gosto muito das características dele. O Urreta já o conhecia antes de chegar ao Benfica. São dois jovens com qualidade para se imporem no futebol europeu, mas precisam de adaptar-se. Conto com eles. O Fellipe Bastos não conheço tão bem porque não jogou muito, mas tenho muito boas informações a seu respeito. Quanto ao Balboa, o lado direito do Benfica é o sector com maior quantidade e qualidade: Balboa, Urreta, Ramires e Ruben Amorim podem actuar ali.
— Já definiu alguns dispensados?
— Já definimos alguns porque o Benfica tem um plantel grande e mais 19 emprestados, por isso temos de tomar opções. Estamos a pensar levar para estágio 26, 28, 29 jogadores, para depois filtrarmos.
— Pedro Mantorras é um caso especial. Terá sensibilidade para perceber isso?
— Claro que sim. Tenho grande respeito por todos os jogadores, sobretudo os que passam por essas situações. O Mantorras era um jogador com grande qualidade, ia ser um fora de série. Conto ele.
— Sendo um treinador que dá grande atenção aos princípios defensivos, seria um duro golpe perder Luisão?
— É um jogador com o qual gostava de contar. Daria uma grande segurança à defesa do Benfica, pela sua qualidade, presença e forma de liderar os companheiros. Não gostaria de o perder.
— Ramires vai chegar cheio de moral ao Benfica...
— Quero dar os parabéns ao Benfica pela sua capacidade de antecipação. Era importante contratar o Ramires antes da Taça das Confederações, pois se fosse hoje se calhar já não seria possível.
— Você é um treinador por vezes duro no trato com os jogadores. Como será fazer isso no Benfica, com jogadores que são considerados estrelas?
— É igual, não vou mudar uma vírgula. Eu não sou duro, sou a favor da perfeição, sou um louco pela perfeição. Vou trabalhar sempre com os mesmos princípios. Quando a equipa tiver qualidade vou elogiá-la, mas quando não estiver tão bem é dentro de nossa casa que vamos ter de perceber o que falta. Corrigir determinada acção do treino ou do jogo visa sempre a melhoria do jogador e da equipa, a intenção nunca é desvalorizar o atleta. Os jogadores vão perceber que quero o melhor para eles. A solidariedade é uma palavra curta no futebol, é preciso algo mais: lealdade. Ela é meio caminho andado para que as coisas funcionem.
— Você disse na apresentação que não há qualquer individualidade acima do colectivo. Se tiver necessidade, e em prol da equipa, admite encostar dois ou três jogadores considerados figuras do Benfica?
— O que procuro é que as coisas nunca cheguem a esse ponto e nunca vão chegar. Quando começar a trabalhar com os jogadores, e antes mesmo de lhes falar de questões técnicas e tácticas, vou falar-lhes sobre algo que é fundamental para mim: disciplina de grupo.
— Acha que o seu discurso é perceptível por jogadores com ordenados acima da média ou a sua mensagem vai entrar-lhes por um ouvido e sair por outro?
— O jogador de futebol é igual em toda a parte do mundo. Há é alguns que têm mais valor do que outros. Com os jogadores a linguagem é a do futebol. Se começar com palavras difíceis eles nem me entendem.
— Mas é igual chamar a atenção a um jogador do Sp. Braga ou do Benfica?
— É igual na perspectiva do respeito mútuo. Eu respeito o homem e o profissional, mas eles também têm de respeitar o seu treinador e, principalmente, a sua entidade patronal, que é o Benfica, e a profissão que escolheram. Os que não respeitarem a profissão que têm vão bater de frente comigo.
— Tem uma relação próxima ou distante com os jogadores?
— A minha prioridade é ter uma relação profissional. Depois, se os jogadores acharem que sou um treinador amigo, fico sensibilizado e contente.
— Quais são as suas regras de ouro, no campo e no balneário?
— No campo creio que me antecipo com muita facilidade ao que pode acontecer no jogo. No balneário é o desejo de que os meus jogadores sejam perfeitos nos aspectos técnicos e tácticos. Às vezes fico cego por isso.
— Como travar a hegemonia do FC Porto?
— Só a posso travar quando sentir que estou a trabalhar com os melhores, e tenho a certeza que isso vai acontecer. A partir daí há todas as condições para acabar com essa hegemonia. Quem não estiver aqui com o pensamento único de ser campeão não trabalha comigo, e não falo só de jogadores. Eu tenho a convicção de que vou trabalhar com os melhores jogadores, melhores dirigentes e melhores adeptos, por isso acredito que posso ganhar.
— O Sporting também tem tido alguma vantagem sobre o Benfica nos últimos anos...
— Os grandes rivais do Benfica são o FC Porto e o Sporting. Acho que este ano o Sporting vai estar estar mais próximo do FC Porto, que era o objectivo do Benfica na época que passou, o que não aconteceu. O nosso objectivo agora não é ficarmos mais próximos do FC Porto, é sermos melhores do que o FC Porto.
— Quando Pinto da Costa diz que o FC Porto dispensou um treinador lá para baixo, estava a referir-se a si?
— Não sei, tem de perguntar-lhe a ele.
— Mas foi um treinador sonhado ou pensado para, no futuro, trabalhar FC Porto? Tem esse indicador?
— As pessoas ligadas ao FC Porto é que podem responder. É verdade que se falou várias vezes no meu nome, nessa possibilidade, mas o que me interessa neste momento é que estou de corpo e alma no Benfica. Fiz tudo o que podia para vir treinar o Benfica.
— Mas ser cobiçado pelo FC Porto e chegar a treinador do Benfica deixa-o em bicos dos pés?
— Não. Não se falou só no FC Porto, também do Sporting, quando não se sabia se o Paulo Bento ficava, e é verdade que fui contactado por listas candidatas à presidência do Sporting, mas disse que era impossível, que não entrava em processos eleitorais. O convite formal, real, objectivo, foi do Benfica. Aí sim, senti que era uma prioridade, que queriam trabalhar comigo. Não olhei para trás, deixei tudo o que podia para estar aqui.
— Vem ganhar mais do que ganhava em Braga?
— Não. Não venho para o Benfica por questões económicas. Ganho exactamente o mesmo que ganhava em Braga e se contemplar o que paguei para me desvincular do Sp. Braga, 345 mil euros, sou um treinador mais barato no Benfica do que era no Sp. Braga.
— Mas o Sp. Braga não lhe facilitou a vida...
— O Sp. Braga fez o que tinha a fazer, quis rentabilizar a minha saída. O presidente do Sp. Braga é um grande gestor, só ele é que consegue incutir esta dinâmica no clube, e a amizade que possa ter por mim não interferiu em nada. Ele queria que eu ficasse e a única forma de sair era pagar os 700 mil euros.
— Como ficou a sua relação com António Salvador? Mais fria?
— Sim, um pouco, mas eu percebi o que ele tinha de defender e ele sabia o que eu queria. O Sp. Braga valorizou-se muito e os seus activos também. Hoje mais de metade da equipa tem mercado e não quero imaginar como seria se tivéssemos passado o PSG e alcançado os quartos-de-final da Taça UEFA. Quero deixar uma palavra de apreço a todos os jogadores que trabalharam comigo, ao longo da minha carreira, que me ajudaram a crescer e me valorizaram. Um especial agradecimento aos jogadores do Sp. Braga e também à massa associativa do clube, que esteve sempre do meu lado, dando-me um apoio fundamental.
— Considera que está no patamar dos melhores treinadores portugueses, juntamente com José Mourinho, Manuel José e Jesualdo Ferreira?
— Se considerarmos que os melhores treinadores portugueses são os que ganham títulos, não estou nesse patamar porque ainda não os ganhei. É esse o meu grande objectivo, ganhar títulos no Benfica para me poder comparar aos melhores.
— Nunca se assumiu como tal, foi uma expressão utilizada por um jornalista que o entrevistou em A Bola, mas considera-se ou não um mestre da táctica?
— Como referiu, não fui eu a dizer isso. É verdade que as pessoas me têm caracterizado dessa forma, mas não me considero um mestre da táctica, sou um apaixonado pelo futebol. Vejo futebol compulsivamente. Em minha casa tenho duas televisões, uma ao lado da outra: uma só dá programas desportivos, a outra dá outras coisas que não têm nada a ver. Eu olho para as duas ao mesmo tempo e vejo sempre a que me interessa mais, a que tem os canais de desporto. Ontem, por exemplo, eram três da manhã e estava a ver um jogo do campeonato da terceira divisão do Brasil, o Atlético de Goianiense contra o Vila Nova, que é o derby do estado de Góias. Acabou eram cinco e tal da manhã e fui deitar-me. Não durmo muito, só quatro, cinco horas. Não consigo dormir mais.
— Como é que começou a carreira de treinador?
— É uma história engraçada. No final da minha carreira de jogador, aos 35 anos, estava no Almancil, na III divisão. Depois de um jogo contra o Amora, o presidente do adversário veio convidar-me para ser treinador do Amora. Eu disse-lhe que era jogador, mas ele disse-me que tinha percebido que o verdadeiro treinador do Almancil era eu, dentro do campo. Ainda não estava a pensar nisso, naquela altura, mas aceitei. Conclusão: o Almancil estava em primeiro lugar naquela altura e o Amora em terceiro ou quarto, mas no final da época acabei por subir o Amora [risos].
— Há alguns anos dizia-se que você não podia ser treinador de um grande porque não tinha discurso e até brincavam consigo pelos chamados pontapés na gramática. Como é que sempre encarou tudo isso?
— Foi-se inventando um bocadinho, as coisas não são bem como as pessoas dizem. O importante é que o meu discurso seja direccionado à ciência do futebol. Foi para isso que me preparei. Na escola estudei até ao quinto ano e lembro-me perfeitamente porque razão o meu pai me proibiu de estudar. Eu era estudante-trabalhador: estudava à noite e trabalhava como soldador na Celcat, durante o dia. Além disso jogava futebol no Sporting. Um dia cheguei a casa, às onze e tal da noite, estava a jantar e lembro-me perfeitamente que adormeci à mesa e a minha cabeça caiu dentro do prato da sopa. O meu pai chamou-me e disse-me para escolher entre os estudos, o trabalho e o futebol. Só podia escolher um caminho. Eu disse-lhe que queria ser profissional de futebol, que era a minha grande paixão. A partir dali deixei de trabalhar e de estudar e segui a carreira nos juniores do Sporting. Na altura ganhava 750 escudos, já ganhava mais do que o meu pai. Quanto ao discurso inventa-se um bocadinho, há coisas que dizem que eu disse mas que não são verdade. Lembro-me de dizer realmente, quando estava no Estrela, que queria contemplar os motocards da Amadora, em vez de dizer motards ou outra expressão de calão que eles dizem, que é motoqueiros. O resto é tudo inventado. É mentira que eu tenha dito forno interno em vez de foro interno. Então não sei o que é foro e forno? Isso é invenção pura. E houve mais...
— Nunca se sentiu diminuído então?
— Nunca. Aquilo que eu estudo é futebol. Claro que tenho de ter um pouco de cultura geral, mas discurso não é percurso. E jogo falado é uma coisa, jogo treinado outra e jogo jogado outra ainda. O importante é conhecer o jogo e ter um discurso que os jogadores entendam, porque eles não estão a tirar um curso académico. O curso académico que estão a tirar chama-se futebol e as disciplinas são disciplinas de jogo, não sou disciplinas de um português muito evoluído, senão também não percebem nada do que eu digo.
— É um homem de superstições?
— Não, sou um homem de convicções. Acredito muito nas pessoas que trabalham comigo e principalmente acredito muito me mim.
— É religioso?
— Não sou praticante mas sou um homem de fé.
— O que faz o Jorge Jesus quando não está a trabalhar?
— Sou um bicho do mato e a minha família sofre muito comigo. Em 20 anos de carreira de treinador só fui uma vez de férias. Não vou para lado algum, passo os meus dias em casa e privilegio muito a relação com os meus amigos. Nunca fui pessoa de me expor muito, já era assim e não precisarei de mudar só por ser treinador do Benfica. Nas horas livres gosto de me distrair com os meus amigos: jogar às cartas, fazer um futsal, almoçar, falar de futebol... Mas sempre num grupo restrito.
— Nunca se consegue desligar do futebol?
— Não, não consigo.
— Quais os melhores jogadores do mundo actualmente?
— Sem estabelecer uma ordem, são Messi, Ronaldo e Kaká.
«Temos um grande 12.º jogador»
Foram muitos os pontos perdidos em casa pelo Benfica, na época passada. Será que Jorge Jesus conseguirá recuperar o inferno da Luz. «O Benfica tem a maior massa associativa de Portugal, é um clube de sentimento e paixão, e quando as coisas correm bem isso ajuda a ganhar. O Benfica tem esse grande 12.º jogador que é capaz de tornar a sua equipa emocionalmente mais forte, que é capaz de mexer com as emoções dos adversários e dos próprios árbitros. Conto com essa ajuda para tornar o Benfica mais forte», diz Jesus, consciente de que terá de ser a equipa a arrastar os seus apoiantes, com «boas exibições». A mensagem para o universo benfiquista é clara: «Acho que o Benfica tem tudo para ser campeão e os adeptos podem estar descansados porque não terei medo de nada, enfrentarei o que for preciso pelo clube.»
«Nuno Gomes é referência»
Jorge Jesus ainda não decidiu como será definida a hierarquia de capitães do Benfica, se por nomeação sua ou votação do grupo. Primeiro tem de «perceber a cultura do clube nesse aspecto», mas vai adiantando que normalmente escolhe «cinco capitães», entre os quais costumam estar as «referências». Ora, Nuno Gomes é uma «referência do Benfica», lembra o treinador, dando o seu voto favorável à renovação contratual do capitão: «Quando cheguei ao Benfica esse processo já estava praticamente fechado, mas dei a minha opinião concordante.»
Cimeira no guincho
Com o mar como pano de fundo, no restaurante 'O Faroleiro', foram várias e deliciosas horas de conversa sobre futebol, na primeira grande entrevista de Jorge Jesus como treinador do Benfica. As águias estiveram igualmente representadas por Rui Costa, director-desportivo e administrador, e João Gabriel, director de comunicação, ao passo que pelo nosso jornal marcaram presença Vítor Serpa, director, José Manuel Delgado, sub-director, José Manuel Freitas, editor, e Gonçalo Guimarães, redactor.
Neste blog utilizo textos e imagens retiradas de diversos sites na web. Se os seus autores tiverem alguma objecção, por favor contactem-me, e retirarei o(s) texto(s) e a(s) imagem(ns) em questão.
1 comentários:
Belíssima entrevista!!!
Grande mentalidade vencedora, num clube que terá de ter sempre essa ideia em mente, cada vez que tiver de entrar em campo!!! "Quem pensar de outra maneira está no clube errado."
Gostei mesmo desta entrevista, a garra que eu pensava que este treinador tinha está realmente dentro dele em tudo o que diz.
O problema vai ser meter isso na cabeça dos jogadores! Ao Benfica falta o vicio de vencer!
Estou doido para ver o 442 dele! ;)
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